A Peste

Os dois primeiros dias em Sounoe estavam correndo conforme o planejado, não tiveram muitos acontecimentos, me arrisco a dizer que foi bem monótono, passei a maior parte dos dias com a Rainha Kora, vez ou outra encontrava com Sebastian, poucas palavras eram trocadas aparentemente ambos estávamos sem muito tempo disponível.

Passávamos mais tempo juntos durante as refeições ou quando por algum motivo éramos convocados para alguma reunião, o que era bem raro, não posso dizer que isso era algo bom, muito menos algo ruim, acho que posso dizer que já esperava por tudo isso, vida de futuro rei não é fácil.

E eu, por outro lado, já não aguento mais decidir entre marfim e bege, flor copo de leite ou lírio de calla, jantar formal ou petiscos… Realmente faz alguma diferença? Não é tudo a mesma coisa? Sem contar as provas de vestidos, realmente preciso de 5 vestidos? Provar cada um deles em um intervalo de horas ou sendo muito otimista dia sim e o outro também?

— Alteza? — a voz do carrapato me arrastava de meus pensamentos e pela primeira vez na história eu o agradeço por aparecer do nada — Você precisa comparecer ao gabinete do Rei, imediatamente

—Aconteceu alguma coisa? — Pergunto por impulso, mas quando percebo já estávamos andando pelos corredores, quase que correndo

—Não sei informar Clarisse — Seu tom de voz estava sério, o que demonstrava que ele sabia sim mas tentava mentir 

Eu já tinha me acostumado com isso, sabia que não iria tirar nada dele, por sorte eu me encontrava bem próximo ao gabinete e ao chegar notei que Sebastian já me aguardava na porta, isso de certa forma me deixava preocupada afinal o que diabos poderia estar acontecendo?

—Sebastian, o que está acontecendo? — Pergunto enquanto nos aproximamos

—Não faço ideia Clarisse — Ele me oferece o braço e eu apoio delicadamente minha mão 

—Ta, vamos logo — digo quase ao mesmo tempo que um dos guardas abre a porta para que possamos entrar.

—Sebastian, Clarisse, entrem — Rei Sebastian diz assim que passamos pela porta 

— Majestade — digo rapidamente, fazendo uma reverência e me aproximo de sua mesa

— Oi pai, o que está acontecendo? — Ele pergunta demonstrando sua preocupação, afinal não é normal esse tipo de reunião

— Vou direto ao assunto, vocês como os próximos líderes precisam saber o que está acontecendo, e vão poder me auxiliar nas decisões para resolver tudo isso — ele fez uma pausa 

— Direto ao assunto pai 

— Um mensageiro acabou de chegar, Raqsar está sofrendo com uma nova doença, pelo menos metade da corte já foi infectada e são tantas mortes que já não conseguem contar, quase não sobraram curandeiros para ajudar e com isso a população está quase dizimada.

— Que doença pai? —  Sebastian foi o primeiro a se pronunciar enquanto eu ainda tentava processar tudo o que estava acontecendo

— Sabe dos meus pais? —  Foi a primeira coisa que consegui perguntar

— As informações que temos são poucas, mas foi nomeada por curandeiros e populares como a peste — Ele disse olhando para Sebastian e logo voltou seu olhar pra mim — Clarisse, recebemos informações de sua casa também, seus pais já estavam em Sypro quando tudo começou, mas estão em quarentena, tudo sob controle e sendo monitorado.

Pela primeira vez respirei aliviada desde que entramos naquela sala, olhei para Sebastian que já estava andando de um lado para o outro na sala

— O que vamos fazer?  — sua voz ecoou na sala, mas nossa atenção estava no Rei

— Fechamos o porto, precisamos proteger nosso reino, todo e qualquer navio estará no mínimo em 20 metros de distância por 45 dias e só terá autorização para desembarque após uma minuciosa avaliação dos curandeiros do reino 

—  Todos já sabem? —  Perguntei já imaginando o que aconteceria quando a noticia espalhasse 

— Ainda não Clarisse, recebi o comunicado a pouco tempo e mandei chamar vocês, vamos nos reunir com o restante da corte e logo todos irão saber

— O que devemos fazer agora?  — Questionei novamente 

—  Se preparem, dias difíceis virão 

— E minha mãe? —  Sebastian questionou enquanto apoiava a mão em meu ombro

— Já está sabendo, foi tentar contato com alguns amigos 

Batidas na porta atraem nossa atenção e um guarda se aproxima de onde estávamos, com uma breve reverência nos comunica que todos já estavam reunidos no salão principal, mal temos tempo de responder e Rainha Kora entra no gabinete como um furacão, todos estavam com os nervos à flor da pele e infelizmente de mão atadas 

É a primeira vez que algo assim acontece, primeira vez que vamos enfrentar uma crise dessa magnitude, nunca ouvi falar em uma população quase toda dizimada, nunca ouvimos falar de uma doença que pudesse ser tão devastadora assim, mas conhecemos os protocolos, sabíamos como nos comportar. 

O Rei e Rainha Kora seguiram na frente e logo atrás Sebastian e eu, todos os guardas estavam a postos e nos cumprimentavam conforme íamos andando, todas as flores já haviam sido retiradas, todas as cores substituídas pela fria palidez do branco, isso com certeza seguindo ordens da rainha. 

Nos aproximamos do salão e já conseguíamos ouvir burburinhos e questionamentos entre os presentes, quando o rei e a rainha fizeram uma pausa na porta todo o salão se calou, era possível sentir o peso inesperado, do desconhecido, Sebastian repousou sua mão sobre a minha, parecia querer me encorajar ou me acalmar ou talvez a si próprio. 

O silêncio durou poucos minutos, mal deu tempo do rei acabar seu pronunciamento e todos já explodiram em perguntas, todos tinham famílias em navios, em outros reinos, a preocupação era clara e super compreensiva, mas o Rei não poderia ficar, teria que estar a frente de tudo o que estava acontecendo e poderia acontecer, Sebastian e eu ficamos responsáveis por ouvir a todos, anotar nomes, endereços e prometemos ir em busca de informações e iríamos tentar atualizar todo eles assim que fosse possível.

Sebastian estava resolvendo alguns assuntos com conselheiros em um canto do salão, quando o curandeiro da corte se aproximou de mim com novas informações, assim que ele se afastou chamei o carrapato 

— Alteza —Ele disse assim que se aproximou e me obriguei a forçar um sorriso para tentar tranquilizá-lo

— Está tudo bem em casa, fique calmo. Chame todos da corte aqui novamente por favor

— Obrigado alteza — Ele sorriu e se afastou indo fazer o que lhe pedi eu imagino 

— Clarisse, alguma novidade? — Sebastian perguntou enquanto se aproximava

— Alguns sintomas característicos, pedi para convocar a corte aqui novamente 

— Tudo bem, preciso ir encontrar meu pai, pode lidar com isso sozinha?

— Claro, pode ir — me obriguei a sorrir novamente — Se puder, tente contato com meus pais 

— Farei o possível querida — Ele diz sorrindo deposita um beijo em minha bochecha e em seguida se afasta, logo saindo do meu campo de visão

Pouco tempo depois o salão já estava cheio novamente, todos agitados, preocupados, e apreensivos, quando me aproximei do trono dos Reis o silêncio se fez presente e todos os olhares se voltaram pra mim

— Amigos, pedi que os chamassem pois recebemos novas informações — fiz uma pausa quando o curandeiro se aproximou, logo voltei a dizer — Precisamos ficar atentos aos sintomas, para que a pessoa seja isolada e tratada, os sintomas observados até agora entre todos os infectados são febre, manchas vermelhas e bolhas — fiz outra pausa dando abertura para que Leon pudesse falar

—Como a princesa já informou, precisamos detectar e controlar todos os possíveis infectados a fim de salvar nosso reino, infelizmente ainda não temos um xarope ou qualquer coisa que possa controlar essa doença, ou então aliviar os sintomas. Estamos trabalhando sem nenhum sucesso até agora.

—Já conseguiram alguma informação sobre sobreviventes? — Um dos guardas questionou 

—Ainda não, o Rei, sua esposa e Sebastian estão tentando contato, faremos o possível eu garanto.

Notei que algumas pessoas tinham mais perguntas, porém desistiram de fazer após a minha resposta, aos poucos o burburinho diminuiu e o salão foi esvaziando outra vez ficando só eu e carrapato

—Alteza, se alimentou hoje? — Carrapato questionou enquanto se aproximava 

— Acho que só tomei café da manhã — falo um pouco pensativa e meu olhar é atraído para Sebastian que agora entrava no salão — Alguma novidade?

—Foram encontrados alguns casos em Cox, mas aquele bando de bárbaros incendiaram vivos todos os infectados, sem ao menos hesitar.

Me espanto com a notícia, tento conter uma lágrima que insistiu tanto que caiu, me recomponho e conto que já informei os sintomas e pedi que viessem nos falar sobre qualquer coisa que indique infecção. 

— Ótimo, por hora é só o que podemos fazer 

— Conseguiu contato com meu pai?

— Ainda não querida, o porto fechado fica complicado, não podemos arriscar nosso povo

—Tudo bem, eu entendo — digo tentando esconder minha preocupação

— Vai ficar tudo bem, eu lhe prometo — Ele diz forçando um sorriso e aperta de leve meu ombro 

Ficamos ali por mais algum tempo, alguns moradores e guardas vinham ao nosso encontro em busca de informações e vez ou outra para nos da-las, estávamos conversando com um dos conselheiros do Rei quando vi Lydie se aproximando, me afastei deles e fui em sua direção 

—Clari, preparamos um lanche para vocês, o Rei e a rainha vão se alimentar no gabinete 

— Obrigada Lydie, nós iremos assim que possível 

Sebastian logo se afastou dos conselheiros, pedi para que um dos guardas chamasse o Leon, solicitei que ele ficasse no salão principal para poder conversar e tirar dúvidas de todos que pudessem ir até ali, até mesmo os que só precisavam de uma palavra amiga, um consolo.

Seguimos até a saleta onde prepararam nosso lanche, aparentemente estávamos com mais fome do que tínhamos imaginado, meu estômago se revirou e implorou por comida, o que me fez sorrir.

Pela primeira vez em alguns dias Sebastian e eu passamos algum tempo juntos, mas a fome e a tensão pela situação falava mais alto do que a vontade de conversar, o que resultou em um silêncio quase ensurdecedor na saleta, e ao contrário do que poderia achar, estava bem mais confortável assim

Minha mente estava um misto de medo e preocupação, já estou até me arrependendo de ter reclamado tanto dos dias monótonos e escolhas sem graça, eu sem dúvidas preferiria estar agora provando mais de um milhão de vestidos do que passando por tudo isso, juro que iria me atentar a todas as mínimas diferenças entre todas aquelas flores e cores que pra mim são idênticos e que me obrigam a escolher entre elas.

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