4 - Que diabos?

MAS QUE DIABOS?!

Chuck estava lá, vivo, e eu não sabia o que fazer, eram dez anos, dez longos anos de merda, sofrendo por sua morte, dez anos negando o meu amor por ele dentro a minha própria casa, dez anos matando lobisomens como ele. E ele estava ali, em carne e osso, ao vivo e a cores, Chuck Fallow, meu ex—namorado, o único homem que eu amei em toda minha vida, e que havia deixado um buraco no lugar do meu coração quando se foi. Ele. Estava. Vivo. Como?

ONZE ANOS ATRÁS

FOREST LAKE, MISSISSIPI.

Fugir?

Antes

— Chuck, acho que deveríamos fugir. – eu disse deitando minha cabeça em seu colo.

— E colocar seu pai, seus irmãos e todos os caçadores da terra atrás de nós? Eu adoraria. – Ele estava sendo sincero, eu sei que ele faria tudo por mim, não duvidava do amor dele nem por um segundo.

Ele passou a manta por cima de mim, e me aqueceu, o frio de setembro me pegou desprevenida, e eu estava usando somente um vestido de pano fino. E batendo meus dentes um no outro.

— Não, – eu comecei tentando parar de bater os dentes. – Eu falo sério, deveríamos ir, logo, agora.

— Okay. Você tem certeza? – Ele perguntou me puxando pra mais perto.

— Toda do mundo. Não gosto de ter que esconder você.

— Nem eu.

— Então vamos. – Eu pedi, me levantei e o puxei ficando em pé.

Naquela tarde, nós viajamos juntos, estrada afora, sozinhos, com apenas um rumo. Nova Orleans, Louisiana. Passamos a maior parte do tempo nos olhando, ele acariciava meus cabelos e minha perna, eu sussurrava que o amava e ele o fazia de volta, ele era meu e eu era dele, para todo o sempre, nada poderia nos separar. Não mais.

No meio do caminho, meu celular tocou, era Josh. Eu o atendi sem pensar duas vezes. As vezes desejo que não tivesse atendido.

— Josh? O que foi? – Perguntei, ele nunca me ligava, então poderia ser algo com o papai.

— Sam, onde você está? Estamos preocupados, aconteceu uma coisa. – ele disse com a voz trêmula.

— O que? O que aconteceu? – Ouve um silêncio enorme. – Josh?

— É a mamãe, ela foi atacada. – Meu coração se apertou. – Ela está… Ela está morta.

Uma lágrima quente caiu dos meus olhos, seguida por mais quinhentas iguais, eu olhei para Chuck, que sei que havia escutado tudo e ele me lançou um olhar sofrido, e desolado, dizendo “eu sinto muito”. Antes de eu dizer alguma coisa, ele fez o retorno, e em silêncio voltamos para casa. Minha mãe, havia sido atacada. Por quem? Quem mataria minha mãe? Ela era uma mulher de personalidade forte, mas todos gostavam dela, além dela amar o que fazia, como médica legista, ela fazia parte de comitês, e sempre tentou manter a paz entre os lobisomens e os humanos, apesar de eu notar que ela era um pouco diferente comigo do que com meus irmãos, ela ainda assim era minha mãe e eu a amava com todo o meu coração. Isso não podia ser verdade.

Quando cheguei em casa, meu pai e meus irmãos estavam na sala, sentados no sofá, ninguém perguntou onde eu estive, passei seis horas fora de casa, e ninguém se importou, foi melhor, assim não teria que me explicar.

Clara me abraçou, na época ela só tinha dezessete anos. Nós choramos juntas por horas naquela noite. E ela me contou tudo o que aconteceu.

Mamãe estava no necrotério, trabalhando como sempre, ela sempre tentou pacificar a nossa convivência com os lobisomens, mas meu pai nunca permitiu isso, até que um dia ele a usou como isca, sem seu consentimento e fez um massacre de lobos. Ela ficou devastada, mas depois meu pai conseguiu livrá—la do que havia feito, assumindo a culpa de tudo. Como se isso fosse resolver alguma coisa. Alguns meses depois, Robert Fallow, se tornou um Alfa, ele encontrou meu pai, e para feri—lo, matou minha mãe, a morte não foi demorada, ele cortou sua garganta com suas garras e a deitou na mesa do necrotério. Deixando—a para ser encontrada duas horas depois sem vida, por um de seus assistentes. Minha mãe havia morrido por algo que meu pai procurou, e eu o perdoei, e o perdoei de novo quando matou Chuck, eu sempre o perdoava. Era uma forma abusiva de se viver. Mas eu não sabia como me livrar daquilo.

Não fugi com Chuck naquela noite, mas desejava ter fugido, como eu desejava.

Mississípi, Forest Lake

HOJE.

Eu lembrei o que meu pai havia dito pra mim antes que eu saísse de casa:

“Esta alcateia não é como as outras.”

"…você sabe que eu não posso te perder, pra nada e nem ninguém."

“Se quer ir, vá. Mas volte, mesmo que as circunstâncias façam você ficar.”

“Lembre—se que eu amo você, não suportaria te perder.”

Suas palavras de desespero de hoje mais cedo não eram com medo que eu morresse e sim que eu ficasse, com Chuck.

Isso só me fez me perguntar… Ele sabia? Sabia que Chuck estava vivo? Sabia que eu o encontraria hoje? Sabia que ele estaria aqui?

Não!

Não.

Não…

Não pode ser…

Ele não poderia saber, não poderia guardar esse segredo de mim.

Mas como ele poderia pensar que eu cogitaria em ficar com Chuck? Como eu ficaria com uma pessoa que demorou dez anos pra mostrar que estava vivo, que não havia morrido como pensei que havia? Que me deixou sofrer sua morte, mesmo estando vivo? Como?

Minha besta caiu no chão, minhas mãos começaram a tremer, meu corpo começou a tremer, eu não tinha controle… Dei dois passos curtos e lentos para frente e ouvi Clara chamar meu nome, foi quando parei. O sorriso do rosto de Chuck tinha sumido, ele não estava mais com os olhos alaranjados e nem com as veias aparentes, agora ele me olhava espantado, talvez por minha vulnerabilidade perto de uma dezena de lobisomens. Eu voltei a dar dois passos lentos e curtos. — Ch—Chuck? — Tentei sussurrar, mas saiu como um pequeno chiado, sei que ele ouviu, pois o vi ficar tenso. — Não, não, não pode ser… — sussurrei encarando ao redor com o olhar vazio e embaçado.

Eu virei para Clara, ela estava com uma expressão preocupada agora, assim como Josh. Tyler parecia com raiva.

— Isso… Isso é real? E—Ele é real? — Perguntei para Clara.

Ela balançou a cabeça assentindo, seus olhos estavam cheios de água. Ela estava chorando? Eu não consegui chorar e ela estava chorando? Meu choque era tão forte assim?

Eu não podia ficar ali, eu precisava sair, não teria forças para lutar, eu não era forte o suficiente, não agora, não hoje, não com ele. Ele virou minha Wolfbless, mas muito mais forte e mais letal.

Dei alguns passos para trás e me escondi atrás de Tyler, que era o maior de todos nós. — Por favor… Me tire daqui… Não sou forte o suficiente. Não vou conseguir. Por favor, Tyler… — Implorei.

— Abaixem as armas. — Tyler disse.

Clara e Josh se entreolharam, mas não abaixaram as armas.

— Vocês estão surdos? Abaixem a porra das armas! — ele exclamou.

Clara e Josh o obedeceram.

— Chuck, nos deixe passar. Não vamos atirar e nem lutar hoje. — Tyler disse com a voz baixa.

De longe Chuck se afastou para o lado, alguns deles reclamavam e mostravam seus grandes caninos, mas também se afastaram abrindo caminho. Clara se abaixou e pegou minha besta que eu tinha deixado cair. Ela caminhou na frente, Josh do meu lado direito e Tyler atrás de mim, estavam fazendo um escudo. Um escudo humano que não serviria de nada se Chuck resolvesse atacar. Eu olhei pro chão a todo momento, ainda em choque, passei por Chuck, e aquela eletricidade e aquele calor que senti quando percebi que estavam se aproximando me tomou. Eu respirei fundo, dava pra sentir seu cheiro, era o cheiro de antes, cheiro de Chuck. Ele ainda era o Chuck de alguma forma, mesmo sendo um Alfa, apesar de não ter ouvido sua voz, ele estava muito diferente, dez anos fizeram muito bem pra ele.

Nós seguimos para fora da floresta. Pela misericórdia de Chuck, voltamos pra casa, eu não sabia o que pensar, não sabia o que perguntar, eu não sabia o que fazer. Permaneci em silêncio e antes de entrar no carro agradeci a Tyler por ter me tirado de lá. Ele não respondeu, mas passou a mão de leve em minhas costas, de alguma forma tentando me confortar. Eu recebi seu carinho de bom grado, não era sempre que ele era assim.

Chegando em casa eu tirei minha roupa de caça, tomei um banho quente e longo e coloquei meu pijama. Como eu poderia confrontar meu pai? O que eu perguntaria? Eu precisava saber, ele nunca me deixou voltar naquela reserva, eu nunca realmente vi Chuck morrer, eu o vi dar seus últimos suspiros, mas não ouvi seu coração parar de bater. Não o vi apodrecer, não o vi. Eu só… O abandonei.

Saí do meu quarto, ainda eram nove da noite, corri para a biblioteca, onde meu pai passava a maior parte do tempo. Eu abri a porta com força e o encarei, ele não parecia surpreso, pelo contrário, parecia que estava me esperando.

— Estava imaginando quando você viria. — ele disse calmamente.

Como poderia estar tão calmo? Como?

— Você sabia? — Perguntei com meus olhos finalmente enchendo de água. — Você sabia todo o tempo que ele, que ele estava vivo?

Ela abaixou o olhar.

— Pai! — Exclamei. — A quanto tempo?

Ele não respondeu.

— Quanto tempo?! — Gritei.

— Sempre. — ele respondeu erguendo o olhar para mim.

Meu peito se esmagou, um caminhão acabava de me atropelar, eu havia acabado de cair de um edifício de quinhentos adares, e espatifado no chão. Alguém havia enfiado uma faca em meu peito, em meu pulmão e depois em meu coração, eu não conseguia respirar.

Caí em meus joelhos, minhas pernas fracas não conseguiram sustentar meu corpo.

— S—s—sempre, você, sempre, soube? — Gaguejei.

Eu acabei de ser traída, pela terceira vez, pelo meu próprio pai, que perdoei tantas vezes ao longo de todos esses anos, ele havia me traído de novo. Não pode ser.

— Como você pôde? — Perguntei em tom acusatório.

— Foi o melhor que poderia fazer por você…

— O melhor que poderia fazer por mim? Ou o melhor que poderia fazer pra si mesmo? — Perguntei.

— Eu fiz o que fiz para te proteger, Samantha.

— Você tem ideia da dor que me causou? Tem ideia de quantos ANOS seguidos eu chorei, todo, santo, dia? — Minha garganta doía, mas eu precisava dizer. — Você tirou tudo de mim, você… Você causou a morte da minha mãe! Você “matou” meu namorado e depois eu descubro que ele está vivo e você escondeu isso de mim o tempo todo.

— Olha como fala, eu não causei a morte da sua mãe…

— Sim! Você causou. — eu gritei interrompendo—o. — Você matou minha mãe e meu namorado! Você… Você simplesmente acabou com a minha vida, e ainda tem coragem de dizer que me ama, e que não aguentaria se algo acontecesse comigo, quando somente você me fazia mal, me arrancava as coisas!

— Ele é um lobisomem! — Explodiu ele. — Você é uma humana! O que faria com um lobisomem?! Como teriam filhos?! Como viveria sabendo que na lua cheia ele poderia arrancar sua cabeça sem nem cogitar?!

— Isso não seria da sua conta, porra! Você me destruiu! Você simplesmente me quebrou em pedaços! Ele era tudo pra mim, e você o tirou de mim… Você… Eu, com todas as letras, eu odeio você, pai! E eu espero que além desse inferno de cadeira de rodas que enfrenta agora, espero de todo o coração, que queime junto com todos os lobisomens que matou, no inferno.

E com essa explosão eu consegui me erguer e voltei para o meu quarto.

Condenei meu pai, e agora? O que eu faço?

Eu não poderia culpá—lo apenas, Chuck não me procurou, não veio até mim, por dez anos, ele não achou que poderia me dizer que estava vivo em nenhuma hora de nenhum dia, ele simplesmente se esqueceu de tudo o que vivemos e me abandonou.

Mas ele vai se explicar, eu posso estar totalmente em choque, mas ele vai sim, explicar.

Eu adormeci, depois de não haver mais líquido algum no meu corpo para colocar para fora, hora chorando, hora vomitando. Eu estava de alguma forma, me desintoxicando, das mentiras, das decepções, do grande luto que eu carregava, de tudo. Meu pai havia mentido de novo, Chuck estava vivo, e eu estava arruinada. Me perguntava se meus irmãos sabiam de alguma coisa, Clara com certeza não sabia, ela não sabia esconder coisas de mim, mas talvez Josh e Tyler soubessem, também nunca os perdoaria.

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