3 Existência

Então, alguns dias passaram. Nesse meio tempo, Alana foi tentando se acostumar àquela nova realidade, mas tudo era tão diferente que quase não conseguia acompanhar. Às vezes, a falta de diálogos a irritava, não entendia o que acontecia à sua volta e ninguém lhe dava explicação, no fim, era sufocante.

Os acontecimentos que antecederam seu nascimento eram um mistério para ela, e os quatorze anos longe de sua família biológica mostravam que, apesar de ter herdado seu sangue, não era um deles. Por mais doloroso que fosse admitir, a verdade era inapagável, ela era uma bastarda, assim como a prima cruelmente havia dito.

“Não posso baixar a guarda com ela.” A moça pensou consigo mesma, e então, um livro que havia lido escondido das freiras lhe veio à mente, pensou um pouco e riu ao lembrar o título, era: Menina má, de Christine Penmark.

– Há algo que não entendo… – Alana chamou baixinho, inclinando a cabeça para trás, fitando a mulher que penteava seus cabelos. – Porque eu fui trazida para essa casa? 

– Desculpe, não temos permissão para falar sobre isso! Olivia respondeu num sussurro, e mordeu o lábio, tentando não falar demais e perder o emprego.

– Pode pelo menos me dizer qual deles é meu pai? A menina insistiu angustiada, em seu rosto uma expressão de desalento gritante. – Até alguns dias atrás, eu era apenas uma menina comum, e agora estou perdida nesse lugar!

– Naquele dia, você ouviu a conversa, certo? Questionou entre sussurros, e depois de receber um aceno positivo, continuou: – Em alguns minutos, você será levada por aquela médica para uma sala de cirurgia que fica dentro da mansão, será feita uma transfusão da sua medula para a sua avó que está muito doente…

– O que? E porque ninguém me disse nada? Alana questionou assustada, e sentiu seus joelhos tremerem. – E-essa cirurgia pode me matar?

– Não. Claro que não! Olivia apressou-se em explicar, tentando tranquilizar os pensamentos conturbados da outra. – Provavelmente nada foi dito porque a sua nonna não está de acordo, e eles estão um pouco desesperados…

Foi nesse momento que a realidade recaiu sobre a menina, e seus olhos marejaram ao se sentir usada. Agora fazia sentido todos os cuidados médicos que recebeu quando chegou à mansão, eles  estavam apenas conferindo se estava saudável o suficiente para ser doadora de medula óssea.

Duas batidas repetidas na porta mostraram que o momento havia chegado. Alana suspirou, secando a unidade em seus olhos cristalinos e então, encarou a mesma médica que fez seus exames de sangue dias antes, parecia apressada.

– Precisamos ir... – Foram suas únicas palavras dirigidas à menina antes de girar nos calcanhares e sair do quarto, esperando ser seguida.

Alana ainda fitou sua “auxiliar” com apreensão, mas se forçou a seguir a médica de cabeça baixa, aceitando seu destino. Era o momento dos últimos preparativos pré-cirúrgicos, entrou em uma sala gélida, onde uma camisola hospitalar lhe foi entregue, e enquanto se vestia, notou sua rival – ou o que lhe parecia – caminhando em sua direção com um sorriso maldoso.

– Sabe qual a probabilidade de você morrer nessa cirurgia? Pietra questionou, o sorriso sádico se alargando em seu rosto. – Sabia que bastardos não são enterrados nos mausoléus de família?

Alana a encarou em silêncio por alguns segundos, associando-a novamente à protagonista do livro, inclinou a cabeça para o lado, estreitando os olhos e começou a se perguntar se aquele pequeno diabinho não era, na verdade, um psicopata sendo criado.

– Que fofo, você se importa comigo! Alana respondeu com um sorriso provocativo, que logo, deu lugar a um semblante sério. – Mas, me diz, senhorita sangue-puro, porque você não doa medula para a sua avó? Não tem coragem?

Suas palavras fizeram a prima se calar, cerrando os dentes enquanto retribuía seu olhar, cheia de ódio, a feição de alguém que seria capaz de estrangular outra a qualquer momento. Alana sorriu, satisfeita com sua pequena “vitória”, mas nem pôde comemorar pois, logo em seguida, duas enfermeiras vieram buscá-la para levar ao centro cirúrgico. 

Respirou fundo, sentindo suas pernas endurecidas e então, encarou todos aqueles equipamentos cirúrgicos. Fechou os olhos, murmurando para si mesmo, como um mantra: “tudo ficará bem” e então, se deitou na cama que cheirava a éter. 

Pelo canto do olho, notou a avó que permanecia olhando apenas para cima, fria e impassível, assim como o grupo de médicos que já começavam a operação. 

Durante o procedimento, sua consciência oscilava, mas não dormiu. E como ambas estavam deitadas lado a lado, a menina se distraiu observando seu rosto, tão bonito, mesmo envelhecido pela idade. Por um momento, a associou à mulher ruiva que havia visto na sala, eram bem semelhantes, até mesmo na elegância que exalavam.

“Será que posso ser como vocês um dia?” Se perguntou com inocência, poucos minutos antes de enfim, os anestésicos fazerem efeito, fazendo-a cair imediatamente num sonho.

Quando acordou, estava novamente em seu quarto, deitada sobre os lençóis de linho, sentindo muita dor. Piscou algumas vezes, tentando distinguir os vultos em meio à escuridão ao seu redor, sobretudo, uma figura de longas pernas que estava parada com o ombro apoiado ao umbral da porta, em silêncio, apenas a observando, e que foi embora logo após perceber que a moça havia acordado.

“Um fantasma?” Se perguntou trêmula, sentindo seu raciocínio meio lento, mas que não a impossibilitou de tremer de medo com a ideia. 

Qual foi seu susto quando, ao tentar se sentar, seu corpo foi amparado por mãos frias, fazendo-a ter certeza de que um fantasma estava planejando levá-la. E somente conseguiu se acalmar ao ouvir a voz de Olivia, tranquilizando-a.

– Olivia… e-eu acho que vi um fantasma… – Alana chamou arregalando os olhos para a mulher. – Por favor, me diz que tinha mais alguém aqui dentro?!

A ama suspirou.

– Era a sua tia Carlota... – Olivia contou, estava cansada dos segredos. 

Tirou seus sapatos apertados, chutando-os para longe e então, encarou novamente a menina que não parecia surpresa com sua atitude.

– Já que você está tão falante… – Alana murmurou, encarando a outra com os olhos brilhantes. – Me diz, porque, só poderia ser eu a fazer a transfusão?

– O tipo sanguíneo da sua avó é raro, mas nenhum dos filhos o herdou... – Olivia explicou e então, virou-se para fitar a menina. E no momento, você é a única pessoa na família que o herdou.

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