O despertar de um novo dia

Possa, quem sabe, ter sido a festa do século; ou quem sabe, a mais perfeita festança de todos os tempos. Um sorriso contagiante no meio de uma valsa que mais parecia o som da harpa de uma estatueta com a forma de um anjo, do que tocada pela charanga convidada para acalorar o festejo. Assim era o aniversário de quinze anos de Raquel que, ao contrário das demais debutantes, havia se tornado uma cinderela iluminada pela luz da lua que penetrava pela vidraça.

Gabi olhou para Raquel com um sorriso meigo e doce como forma de agradecimento, e não hesitou em dizer:

— Raquel, neste salão, não há lugar para coadjuvante, e sim para uma estrela como você. Por isso, eu ficarei onde os demais convidados estão.

Raquel, que naquela ocasião era o centro das atenções, disse:

— O que é isto, Gabi? Aqui somos iguais, não existe estrela e nem coadjuvante, todas as outras debutantes que estão aniversariando conosco são de carne e osso, assim como nós.

Um pingo caiu dos olhos de Gabi e, na metade do caminho cursado, foi interrompido pelas mãos de Raquel.

— Sabe, Raquel, se não fosse por você e seus pais, eu não poderia estar aqui, vivendo essa fantasia, esse sentimento, essa emoção desigual. Brigada, minha amiga! Obrigada, minha fada madrinha!

Ao ouvir estas palavras, Raquel passou as mãos nos cabelos da menina e segurou suas mãos com força.

— Gabi, você é a irmã que eu não tive, e tudo que eu puder fazer por você, farei.

— Você está sempre me dando tudo que preciso, e eu nunca irei poder retribuir — disse Gabi.

Raquel era muito rica, seu pai era um empresário de sucesso; e sua mãe, bancária. Porém, Dona Marta e Senhor José gostavam muito de Gabi, e a viam como uma filha.

Ao contrário de Raquel, a pequena Gabi era pobre, seus pais eram vendedores ambulantes, e com o que embolsavam, mal podiam comprar o pão do dia a dia.

Passada uma semana, a festa ainda era o assunto mais comentado. Via-se a nítida expressão de alegria nos olhos e sorrisos de cada uma das que haviam tido o prazer, inédito, de comemorar, todas juntas, o aniversário. O sábado tinha sido pequeno demais para aquele sonho!

— Ainda irei saldar tudo o que você já me fez, Raquel — comentou Gabi, abrindo um dos incontáveis presentes que havia recebido.

— Não sei como! Só se for limpando o chão da casa de Raquel quando ela se casar, porque pobre, minha filha, não paga. Miserável somente deve — disse a esnobe Laura.

— Como você é insuportável, Laura! Meu Deus! Só sabe abrir a boca para criticar e humilhar! Pensa que é dona do mundo? — criticou Raquel.

— Liga não, Raquel, já estou acostumada a ouvir insultos dessa aí — revidou Gabi.

Silvana era a mais rebelde da turma. Pintava suas unhas de cores inusitadas, e tinha uma mecha vermelha em seu cabelo. Estava sempre mascando chiclete, e tinha um ar de menina desprotegida.

Elaine já gostava de conversar sobre os meninos. Se a conversa não fosse sobre homens, não lhe interessava.

Todas elas estudavam no mesmo educandário, um colégio de bom nível e de ótimo grau de ensino frequentado pela maioria das patricinhas e dos mauricinhos da cidade. Os estudos de Gabi eram bancados pelos pais de Raquel.

Gabi era uma menina de mentalidade superior às outras, sabia da desigualdade do mundo e estava conformada com o que tinha. Pensava, sim, em mudar a sua vida, mas através de muita luta e trabalho.

A amizade entre as cinco garotas era de conhecimento geral, mas a beleza de Gabi e Raquel era particularmente comentada. Entretanto, não era só a beleza que as caracterizava, pois, conduzidas pela bondade e seriedade, alcançaram um dos maiores cargos da escola: eram representantes de turma e carregavam grandes responsabilidades. Aceitavam seus encargos com graça, sem se deixar abalar pelo excesso de tarefas, nem mesmo pela obrigação de ter que fazer, todos os dias, centenas de alunos se posicionarem em silêncio para ouvirem o Hino Nacional Brasileiro; e isso, de certa forma, causava inveja nas outras três amigas.

Elaine, Laura e Silvana gostavam muito dos diz-que-me-diz nas lanchonetes que sempre acontecia. Somente se faziam de desentendidas quando o assunto era puxado por Elaine:

— Vocês viram como o Renato está ficando bonito? Ele me disse que está malhando todos os dias.

— Só se for malhando os outros — alfinetou Laura.

— Bonito? Só se ele foi em outra encarnação! — debochou Silvana.

Contudo, eram boas amigas, eram até mais que amigas, eram amigas verdadeiras.

Rodrigo, o garoto mais desejado da escola, era apaixonado por Raquel; Otávio rastejava por Gabi. Diziam que ele arrastava um trem por ela. Mas as garotas só os paqueravam e sempre diziam que a pressa é inimiga da perfeição. Pacientemente, os garotos as esperavam, não forçavam em nada. E naquele momento, conversa vai, conversa vem, uma dizia em se casar, outra dizia em não se casar:

— Minha casa será rodeada por caninos ferozes e guarda-costas musculosos, sem falar no meu casamento que terá mais de mil convidados, sendo que a maioria vive saindo em colunas sociais, e o bolo terá quatro andares — delirava Laura.

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