Os Órfãos Da Profecia
Os Órfãos Da Profecia
Por: Sally Dias
Capítulo Um

Bento

- Chegou uma carta para você, Bento. - Disse Ronan, o rapaz que trabalhava no caixa do Supermercado, estava em sua hora de folga.

- A carta chegou aqui? - Perguntou Bento, que usava a balança para pesar um frango para uma cliente.

- Sim, estranho, né? Uma carta simples. Deixei na gaveta do meu caixa, vou fumar um cigarro lá fora, caso você queira pegá-la, está lá.

Bento agradeceu e se esqueceu segundos depois, mais uma cliente aguardava sua vez de realizar o pedido.

Só quando foi sua vez de fazer uma pausa, no meio da tarde, foi que Ronan o chamou do caixa e lhe entregou a carta.

Bento se sentou em um banco no estacionamento do Supermercado, ali ficavam os que fumavam, tanto funcionários quanto clientes. Era uma carta simples, porém ele achou diferente seu modo de selo, nunca havia recebido uma carta com lacre. Já vira em filmes, mas nunca pessoalmente. O lacre era vermelho, bem espesso, o objeto com que fora selado, para que o lacre se grudasse, selando a carta, ficara em baixo relevo e dava para ver um emblema incrustado :  Fazenda Recesso.

O que será que significava aquilo? Esse era o nome antigo do orfanato que ficara até os treze anos. Uns ainda chamavam lá por esse nome antigo, mas desde que estivera lá, era chamado de Casa Abrigo, só os mais antigos ainda usavam esse nome antigo, e bem raramente.

Com cuidado, sentado ao lado do bebedouro de água, ele sentou-se mais longe para não ser incomodado e abriu com cuidado a carta para não estragar muito o lacre. Observou virando-a, que não havia um endereço de remetente, só o seu nome. Ficou uns segundos olhando, porque seus pais adotivos haviam mudado seu sobrenome, não era mais Tucson, era Bento Paganno, agora, não mais Bento Tucson. Pois bem, abriu a carta e a escrita era cursiva, uma letra toda trabalhada e bela.

Saudações Bento Tucson. Seu nome foi finalmente escolhido, após uma extensa fila de espera. Estás sendo convocado para o aprendizado de suas solicitações, e, como sabias quando nos contactou, não há uma opção uma negativa de sua parte. Aguardamo-no no início do Solstício de verão, mais informações no dia.

Mas o que diabos queria dizer aquilo, o que era um solstício de verão, e como assim não era uma opção uma negativa?

Ficou por ali uns minutos, pensativo e analisando a carta. O papel era rústico e áspero, como se reciclado, porém as letras eram em um dourado que contrastava com o papel. No pé da folha rústica, como que carimbado, havia um desenho de uma borboleta, bem pequeno; asas amarelas com riscos de outras cores variadas. Bento sentiu como um comichão no cérebro, uma lembrança fugidia que tentava se instalar, mas não teve êxito.

Levou a carta ao lado da entrada do Supermercado, amassou-a e jogou-a no latão de lixo designado para papéis; não pensou mais nisso. Tomou seu posto no açougue para mais algumas horas de trabalho.

Hanna

Hanna estava terminando seu café, apressada como sempre, atrasada para variar; rumava para a porta, com o gosto do café ainda na boca, não daria tempo para escovar os dentes nem enxaguar seu copo. Miriam iria reclamar do copo sujo na pia. Estava indo á um bairro preencher a ficha de inscrição para a faculdade e não queria chegar tarde. Caminhava para a porta quando viu uma carta ser jogava por debaixo. Agachou, pegou-a e viu que era para ela. Abriu a porta e estacou.

Pensando que um carteiro havia jogado a carta, o homem que descia os degraus da porta, logo após inserir a única carta debaixo da porta, por si só já era estranho, visto que havia no portão baixo, uma caixinha de madeira que seu pai fizera e estava até com algumas cartas e panfletos inseridos ali, mas o homem enfiou precisamente essa por debaixo da porta. Mas nem foi isso que a chocou, mas o homem realmente.

Ela o tinha visto já algumas vezes quando criança. O vira no orfanato há muito tempo atrás.

- Ei! - Gritou para ele, descendo rápido os degraus. - Ei, você!

Antes que ele se virasse, já saindo portão afora, ele virou. E como ela imaginava, suas feições não eram comuns. Apesar do corpo ser de um homem adulto, seus ombros eram diferentes, mais largos que o restante do corpo, talvez para suportar melhor a cabeça disforme. Sua cabeça era mais larga que o normal, bem como ela se lembrava, e seus olhos, sua boca e nariz, não se assemelhava à humanos, ela não conseguira explicar quando criança, nem agora, mas ele podia bem ser deficiente, alguma anomalia.

O homem passou a correr meio corcunda, assim que ela chegou ao portão. O portão maior, onde ficava o carro, já estava levantado para que ela tirasse o carro. Em segundos, o homem virava a esquina.

Hanna desistiu de tentar alcançá-lo. Entrando no carro, antes de ligá-lo, olhou a carta endereçada à ela, sem remetente e com um lacre vermelho.

Quebrando o lacre, apressada, ela viu as letras cursivas e delicadas, toda em dourada, como um fio que tivesse saído de uma caneta especial:

Saudações Hanna Maya. Seu nome foi finalmente escolhido, após uma extensa fila de espera. Estás sendo convocada para o aprendizado de suas solicitações, e, como sabias quando nos contactou, não há uma opção uma negativa de sua parte. Aguardamos-na no início do Solstício de verão, mais informações no dia.

- Uai, que estranho. - Ela exclamou para ninguém em especial. Virou a carta à procura de mais informações, mas não havia nada.

- Algum problema?

Com um susto e um grito, ela olhou Miriam, que dera uma batida no vidro do carro, assustando-a, achou que fosse o tal homem que voltara.

- Que susto, Miriam! Não é nada, só uma carta que chegou para mim agora. Um senhor a enfiou debaixo da porta. - Hanna tinha acabado de se assustar com um desenho no pé da carta, de um ser estranho, parecido com um ogro, ou algo assim, que muito lhe pareceu com as feições do homem que havia lhe deixado a carta; lembrou-se que o havia visto quando criança, na Casa Abrigo.

Ela baixou mais  o vidro do carro e passou a carta para sua amiga e faxineira que vinha todo dia pela manhã.

- Quem era ele?- Miriam leu a carta com uma expressão preocupada.

- Não sei…

- Mas seu sobrenome nem é Maya.

- Era, quando eu morava no orfanato, meus pais mudaram meu sobrenome. Não tem remetente, mas me pareceu que veio do orfanato. 

- Vamos entrar um pouco, sua mãe ainda está em casa?

- Saiu bem cedo e papai e Júlio saíram juntos agora mesmo.

- Engraçado, Hanna, posso estar errada, mas essas letras parecem ser escritas com fios de ouro. Walter é ourives e não conheço muito bem, mas parecem ser de ouro.

- Sério? Mas uma carta em um papel tão inferior ser escrita com ouro?

- Posso levar para que ele analise?

- Pode sim, eu ia jogá-la fora mesmo. Miriam, já estou atrasada, não posso descer. Amanhã você me diz se é realmente ouro, mas duvido.

- Boa sorte lá, e deixou seu copo limpo?

- Amo você, sabia?

- Não vai me comprar com palavras de amor, sua danada. Encontro dúzia de copos seus pela casa, minha coluna dói de agachar para pegar os copos que você deixa espalhados por baixo de tudo.

Hanna deu ré no carro, se ficasse ali, Miriam nunca ia parar de reclamar. A compensaria depois.

Roger

- Roger, chegou uma carta para você, posso entrar? - Padre Olivério batia em sua porta.

- Claro. Que carta, será que é da condicional?

Roger pulou da cama e tão logo o padre, seu amigo entrou no quarto, ele tomou a carta de sua mão.

- Não me parece. É diferente.

- Ufa, aqueles sacanas nunca saem do meu pé. Sou maior de idade agora, não podem mais ficar urubuzando minha vida.

- Não diga palavras tão feias antes de colocar os pés no chão, meu filho. Faça uma oração ao invés disso.

- Desculpe, padre. Mas nem daria tempo de eu fazer uma oração, o senhor me acordou.

- São quase oito horas. Vou realizar já a primeira missa. Quer que eu o acompanhe no desjejum?

- E fumar, não é? Nosso corpo é o templo do espírito santo, não devia profaná-lo.

O padre era um anjo na vida do jovem, e ele resolveu não virar os olhos para cima dessa vez. Abriu a carta e leu-a rapidamente.

- Mas que diab… o que significa isso? - Passou a carta para as mãos do padre que a leu.

- Pelo jeito não é mesmo da condicional. Menos mal.

- O senhor viu que tem aquele treco para fechar a carta, viu como as letras são amarelas?

- Sim, percebi. Isso se chama lacre, é um produto que usavam antigamente para selar cartas. Usavam um brasão que podia ser de um anel, por exemplo. - O padre ainda estudava a carta minuciosamente. Roger abriu seu guarda-roupas de duas portas, pegou uma camiseta, e procurava seus cigarros, almejava uma tragada profunda assim que bebesse um café.

- Obrigado, não precisa, vou só tomar um café.

- Aqui fala que você foi convocado, mas para quê, esse não é o endereço do orfanato?

- Sim, sei lá,  padre. O senhor deu o endereço da paróquia para o orfanato me enviar correspondências?

- Sim, mesmo você não tendo sido adotado e saído de lá com dezoito anos, achei por bem que soubessem onde estaria, caso precisassem o contatar.

- Está com cara daquela sacana da minha condicional que não sai do meu pé.

- Sem palavrões, por Deus. Agora tens que tomar ainda mais cuidado, Roger. Não é mais um garoto e terão consequências suas atitudes. Se não fizer nada de errado, não há o que temer, não é mesmo?

- Vou indo, temos um motor para desmanchar hoje. Estou trabalhando, não estou?

Roger saiu, não sem antes dar um beijo na cabeça do padre, ele era muito mais alto e sempre o beijava no topo da cabeça.

Não quisera deixar o padre mais preocupado, mas um emblema na carta chamou sua atenção. Havia um desenho de um livro. Ele se lembrava muito bem da capa daquele livro, de quando liam, Bento, Hanna e ele no orfanato. Ele odiava quando era sua vez de ler; tinha déficit de atenção e nunca gostou de leitura, bem como tudo ligado à escola de modo geral. Bento insistia que ele se esforçasse para ler mais que eles, já Hanna tirava todo dia uma hora para lhe ensinar matemática. Tinha sorte pela família que os adotou não ter evitado o contato com ele. Sua rebeldia e revolta, afastava a todos, nunca disse com palavras como era grato pela amizade dos dois, nem precisava, eles sabiam. Pensou em ligar para os amigos no fim do dia. Rasgou a carta no caminho para a mecânica do senhor Conrad, trabalhava ali há uns meses, fora o padre que pedira ao amigo que lhe empregasse, antes que a agente da condicional o prendesse por vadiagem, agora que não estava mais no orfanato. Mesmo não gostando de piedade ou favores, ele aceitou, para não ser preso, provisoriamente, até que arrumasse um outro emprego. O senhor Conrad estava satisfeito com ele, dizia isso o tempo todo, e contra a vontade, ele notou que estava gostando de mexer com carros.

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