Capitulo 3 - Van Gogh

- Você deve saber como é, já trabalhou com isso. O senhor Campbell tem muitos compromissos e precisa ter uma pessoa que possa ajuda-lo quando ele mais precisa, você irá atender ligações, organizar a sua agenda, seguir ele em alguma reuniões, e acima de tudo atender as expectativas dele no que ele pedir – Sônia continuava falando com a voz rápida enquanto eu ia anotando tudo em meu bloco, ou fingindo que estava anotando, porque eu meio que me perdi no começo da conversa – Ele ainda não disse quando chegará, mas deve ser logo, há algumas coisas que requer sua atenção imediata, sabe como é né?

- Claro

Minha resposta nem é escutada por ela, porque ela passou por minha resposta seguindo com suas instruções longas e detalhadas, suspiro irritada enquanto continuo olhando para ela fingindo prestar atenção. Sônia Williams é uma mulher em torno de seus cinquenta anos, seus cabelos loiros são cortados de forma Chanel e seus olhos escuros são totalmente delineados por muita maquiagem, ela é uma mulher muito bonita e alguém (provavelmente muito rico dado por seu anel com uma pedra gigante no dedo) tinha percebido isso.

- Quantos anos a senhorita tem? – ela pergunta e eu me espanto saindo de algum lugar da minha mente

- Perdão?

- Sua idade florzinha

- Faço vinte e seis em algumas semanas – respondo e tento ignorar a “florzinha”

- Tão nova, o Colton falou bastante de você, mas me surpreendi, eu jurava que Jones era um homem.

- Homem?

- Sim, ele só falou seu sobrenome – Ela pisca seus longos cílios e eu fico me perguntando se isso pesa em seus olhos, será que empata sua visão? – Bom, mas vou deixar você se adaptar, a primeira coisa que quero que faça é atualizar o sistema e organizar os documentos para que ele assine assim que chegar, você precisa ler todos eles, para ver se tem algo errado. Tudo bem?

- Sim, tudo bem

- Qualquer coisa me ligue e conversamos, estou só alguns andares abaixo

Ela sorri com seu batom rosa e sai rebolando pelo saguão, seus saltos estalando pelo chão, tec, tec, tec.

Aproveitando o momento livre, olho para o meu novo e temporário lugar de trabalho. O escritório de Campbell fica no último andar, estilo privativo, o elevador precisa de identificação de entrada que só pode ser confirmada por mim (por enquanto) ou por ele. O elevador fica a minha frente a alguns metros de distância, todo o ambiente é em cores pretas e brancas, parecendo um pequeno dominó ou um tabuleiro de xadrez, minha mesa é um dos pontos positivos, a mesa grande e espaçosa tem um belo computador e várias divisões compactadas por gavetas.

A cadeira? De excelente material, macia e fazem com que minhas costas se apoiem em vez de me deixar curvada. Ao todo parece uma nova dimensão, algo fora do comum, então eu aproveito enquanto posso, e a primeira coisa que faço é entrar na sua sala e averiguar. Eu sei, a curiosidade matou o gato.

Abro a porta grande e ao mesmo tempo tão leve e arfo quando vejo a sala. As cores mudam drasticamente aqui dentro, as paredes são de uma cor parecida com creme, a mesa de mogno grande habita no meio da grande sala, papeis estão espalhados de forma desorganizada, me aproximo da mesa e espio, documentos, projetos, e alguns desenhos.

Mas o que realmente chama a atenção? Pode ser dividida em duas partes

A primeira delas é a imensa vista atrás da mesa que rodeia uma parte do escritório, janelas altas que dá para ver uma parte da cidade, carros, pessoas, letreiros enormes, tudo, como se fosse uma imensa televisão.

A segunda é a minha preferida, e é para lá que meus olhos ficam voltando a cada minuto, uma pintura enorme que ocupa toda a parede esquerda do escritório. A pintura era uma réplica perfeita de A Noite Estrelada de Van Gogh, com todo os detalhes, com toda a mágica.

Isso certamente era a minha parte preferida desse escritório, giro a pulseira e me forço a desviar o olhar da pintura depois de alguns minutos. Mordo o lábio e penso no que eu devo fazer primeiro: Organizar os documentos da minha mesa ou da dele?

Sei que provavelmente é uma má ideia mexer em algo dele, mas eu sou secretária dele, e não me foi impedido de mexer lá, então opto pela segunda opção e começo a organizar.

............................

Horas depois, com uma coluna dolorida e olhos pesando eu saio da sala dele, e dou um sorriso fraco quando vejo os papeis organizados por assunto, por empresa e por data. Fecho a porta com um clique e vou para a minha mesa, pesco o meu celular da bolsa e observo as mensagens, mas nenhuma de Bianca, pelo menos não pelas últimas horas, puxo uma respiração e movimento os ombros antes de começar a organizar a bagunça da mesa, e sei pelo barulho da minha barriga que deve estar na hora do almoço, mas não quero que Sônia volte e não veja nenhuma mudança, então começo a organizar sentada, mas paro quando o telefone começa a tocar.

- Escritório do senhor Campbell

- Olá florzinha, tudo certo por aí? – Reviro os olhos, mas me arrependo na mesma hora, e se essa bendita sala tiver câmeras de segurança? Forço um sorriso no rosto e digo com a voz animada.

- Sim, tudo bem

- Que bom, olha eu sei que você ainda não deve ter almoçado, então pensei que poderíamos ir comer algo, uma salada é claro, porque estou no meu regime – Merda, penso rapidamente em uma resposta e desbloqueio o meu celular na mesma hora.

- Sabe o que é Sônia, é que eu já tinha combinado de ir almoçar com minha colega aqui do prédio – Faço uma pausa para mostrar um pesar que certamente não estou sentindo – Talvez outro dia?

Eu: Diga que não almoçou ainda

Tori: Não almocei, o que houve?

Eu: Te explico daqui a pouco, me encontra no saguão

Tori: Ok.

- Ah tudo bem. Mas vamos marcar o mais rápido possível certo? Quero conhecer você

Ela dá aquela risadinha e depois desliga, coloco os papeis que ainda não organizei de lado e tranco minha bolsa em uma gaveta antes de ir até o elevador com a carteira e o celular na mão.

Tori está me esperando como combinado no saguão, conversando com Oliver o segurança, ele é um cara bem alto com pele escura e olhos pretos, ele sempre sorri quando nos vê, só não nas raras vezes em que molho o saguão por conta da chuva e da falta de um guarda-chuva.

- Estão indo almoçar? – ele pergunta quando eu me aproximo, vejo Tori confirmando com a cabeça enquanto digita algo em seu celular.

- Quer algo Oliver? – eu pergunto e ele nega, mas depois para olhando para mim.

- Espera, se vocês forem ao Ocean quero aquelas empadinhas doces, vou levar algumas para Miranda

- Pode deixar – eu falo e sigo Tori pela saída.

- E então vai me contar esse convite inesperado? – ela pergunta e eu desvio de uma senhora com seu cachorrinho.

- Acho que preciso me alimentar primeiro

- Então não é coisa boa

Só posso concordar com ela.

.............................

O restaurante Ocean é basicamente um local pequeno, mas muito bonito, a entrada é uma construção de cores azuis e verdes. As mesas de madeira são distribuídas na parte de dentro e do lado de fora, nós sempre optamos pelo lado de dentro, mesmo que esteja cheio, como hoje.

Não me pergunte o porquê do nome ser Ocean se estávamos a quilômetros de distância do oceano, mas Connor (o dono do local) meio que é fissurado por mar, ele é um senhor muito gentil, e junto com sua esposa Marguerite eles conseguem fazer com que o restaurante seja familiar e amigável.

- O mesmo de sempre meninas? – Marguerite pergunta do balcão e nos acenamos concordando antes de nos sentarmos na mesa mais distante.

- Acho que somos previsíveis demais – Tori diz e eu sorrio em resposta

- Não diga isso, somos bem imprevisíveis quando queremos

- Vou fingir que acredito nisso – Uma garçonete coloca uma pequena cestinha com pães crocantes e nós nos fartamos enquanto a comida não vem – Mas me conta, o que aconteceu?

- Conhece Sônia Williams?

- A diretora financeira? A que se veste como se fosse dona do prédio?

- Exato, ela mesma – Jogo o último pedacinho na boca e mastigo antes de continuar – Ela basicamente cuida das coisas de Campbell quando ele não está, passamos exatamente uma hora somente com ela me dando instruções de como não errar e entrar na lista negra dele. E horas depois ela vem com um “vamos almoçar florzinha”.

Tori começa a rir da minha expressão e eu reviro os olhos divertida.

- Espera, você dispensou o convite de almoçar com a chefona?

- Ela disse que ia comer salada Tori, salada. E sabemos muito bem que os locais que ela almoça, deve pagar até a entrada.

- Isso é verdade

- É claro que é, eu não estou pagando nem minhas meias direito, quem dirá um prato com um monte de coisa chique que nem eu sei o nome.

- Você deveria ter aprendido com Jasper – ela bate na minha mão quando eu vou pegar o último tasquinho de pão, mas divide entre a gente um segundo depois

- Não tenho interesse, obrigada

- Mas me diz, como é lá em cima?

Abro a boca para responder, mas paro quando a garçonete traz os nossos pratos e os coloca na nossa frente.

- Obrigada Tabatha – leio a plaquinha com o nome e ela sorri antes de se virar e ir para outra mesa. Coloco uma garfada de purê com ervilhas na boca e mastigo bem devagar saboreando antes de responder Tori que está com a boca cheia também – O escritório dele parece mais um tabuleiro de xadrez, preto no branco. Mas a sala dele é outra coisa.

- Como assim? – ele pergunta antes de beber um gole do suco de laranja

- Tem uma vista incrível, janelas altas e isso sem contar a pintura na parede

- Pintura?

- Noite Estrelada de Van Gogh

- Está brincando? O cara além de rico tem bom gosto?

- Acho que sim – respondo rindo enquanto coloco mais uma garfada na boca – É impressionante a sala.

- E você já o conheceu?

- Ainda não, ele está em viagem, mas deve chegar nos próximos dias

- Que tensão – ela diz e eu concordo.

Meia hora depois terminamos com o nosso almoço e saímos com a barriga cheia, a energia recuperada e uma caixinha de isopor contendo algumas empadinhas para Oliver e a esposa dele.

E eu ainda escapei de Sônia

Eu meio que considero um bônus.             

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