Capítulo 8 - O pior/melhor castigo de todos - Parte 1

— Está bem, já entendi. Chega de encher meus ouvidos com isso — digo.

     Ela semicerrou os olhos e disse:

     — Espero que tenha entendido mesmo.

     Agradeci que encerramos esse assunto. Depois disso, começamos a conversar algumas coisas bobas, como garotas normais fariam. Fico feliz que ela também, de vez em quando, consiga ser uma garota normal. Quando não está passando por um momento bipolar, gosto dela. As conversas e as coisas engraçadas e bestas que ela diz são boas de ouvir. Ela seria uma perfeita amiga se não tentasse me matar de vez em quando. As vezes tenho até medo de dormir perto dela. Vá saber o que ela pode fazer enquanto eu estiver dormindo.

     Meia-noite nós fomos dormir. Bom, eu não queria ter ido dormir. O papo entre mim e a Betânia estava muito bom. Só que como ela dormiu de repente mais uma vez, decidi que não era melhor acordá-la e dormi também. Afinal, quero esquecer as coisas que aconteceram hoje.

24 de Março de 2014

     — Acorda! — Aquela voz... A voz do Abridor de Malas... Eu estou sonhando?

     Percebi que aquilo não era um sonho. Era realmente ele. Descobri isso porque ele balançava um pouco meu braço para tentar me acordar. Mas o que ele está fazendo aqui esse horário?

     — O que você está fazendo aqui? — Nem conseguia abrir os olhos direito de tão cansada que eu estava. Não é todos os dias que consigo acordar tão cedo.

     — Nós temos um castigo pra cumprir, garota.

     — Que castigo? — perguntei enquanto bocejava. As minhas palavras saíram emboladas.

     — De limpar banheiros por uma semana.

     — Não estou afim de ir. — Me acomodei na cama e virei do lado oposto de onde ele estava. — Vá sozinho.

     — Vem logo. Não temos tempo o suficiente para que você continue bancando a molenga. Chega de preguiça. — Ele segurou meu pulso.

     — Não é preguiça. É sono. Não quero limpar privadas — minha voz saiu um pouco fraca. Já imaginava que uma hora ou outra minha voz sairia estranha assim. Sempre acontece quando eu acordo. Principalmente quando é cedo demais.

     — Levanta ou eu vou te puxar e você vai cair no chão.

     — Então tente. — Tenho certeza, diário, que ele não terá coragem para fazer o que está dizendo. É normal que uma pessoa ameace outra apenas para que ela faça sua vontade. Não farei o que ele está pedindo. Ele não é ninguém para me fazer sair da cama em plena madrugada. Não serei eu que limparei privadas quatro horas da manhã.

     Ele apertou um pouco meu pulso e me puxou em sua direção. Seu ato fez com que eu caísse de cabeça no chão.

     — Filho da mãe! — gritei e ele começou a fugir em direção ao corredor.

     É claro que não ia perder a oportunidade de socá-lo. Agora é que ele merece ficar com olho roxo. Ele vai ver. Eu realmente acreditei que ele não era corajoso o suficiente para fazer o que disse. Eu estava errada. E admito só a você, diário.

     Comecei a correr atrás dele.

     — Está bem acordada agora? — brincou ele rindo, enquanto corria rápido pelos corredores. Posso até não ser rápida quando corro semi-nua, mas quando estou completamente vestida, sou uma ótima corredora.

     — Quando eu te pegar você vai ver...! — Antes de conseguir terminar a frase, acabei escorregando no chão que tinha acabado de ser lavado e estava todo molhado. O pior era que estava perto da escada, então acabei rolando escada abaixo.

     ★Dica 36 = Nunca corra pelos corredores se tiver uma escada molhada por perto. A pior coisa que pode acontecer é você cair nela.★

     O Abridor de Malas desceu as escadas e se agachou na minha frente.

     — Tudo bem? Ainda está viva?

     — Que tipo de pergunta idiota é essa?

     — Só queria ver a sua reação. Relaxa.

     — Relaxa? Não tem como ficar relaxada! Eu caí escada abaixo e você ainda me manda relaxar? — falei tão alto que ficou fazendo eco pelos corredores. Espero que ninguém tenha ouvido e acordado.

     — Tá, já entendi. Dá próxima vez grite mais baixo.

     Suspirei irritada.

     — Posso te pedir uma coisa? — perguntei com voz normal, mesmo fervendo por dentro.

     — O quê?

     — Me leva pro meu dormitório no colo? — Estendi a mão esperando que ele aceitasse meu pedido.

    Não, diário. Eu não queria me aproveitar dele ou me aproveitar da situação para ficar muito perto dele. Eu realmente me machuquei enquanto rolava — até bati a cabeça de novo. Só consigo respirar e nada mais. Cada músculo do meu corpo dói — como se eu tivesse algum músculo —, não sei se vou conseguir nem limpar as privadas. Mas tenho certeza que ele vai encontrar um jeito de me fazer ajudá-lo no castigo.

      — Por quê? Está com a perna quebrada ou algo assim? — perguntou ele.

     — Digamos que sim... Olha, estou dor no corpo e também, por sua culpa, estou aqui, nesse chão molhado. O mínimo que você pode fazer é me levar pro meu quarto.

     Ouvi um suspiro vindo dele.

     Ele não disse nada, apenas me pegou em seu colo de um jeito que fez uma parte do meu corpo doer, mas ignorei a dor. Ah, diário, estou tão feliz por ter conseguido o que queria. Passei as mãos por seu pescoço e encostei a cabeça em seu peito. Eu podia ouvir cada batida do seu coração que estava instável.

     Durante o pequeno percurso, consegui adormecer. Além do seu perfume, seu coração me fez pegar no sono. É, diário, parece que cair da escada teve seu lado bom. Eu deveria cair da escada mais vezes quando ele estiver por perto. Agradeço por todos do colégio estarem dormindo, assim ninguém pode atrapalhar nosso momento juntos... Mas que diabos eu estou pensando? Quer dizer, isso não é um encontro. Isso é uma consequência por eu ter caído da escada, sem falar que quando eu chegar no meu quarto, terei que me arrumar para cumprir o castigo.

     Quando chegamos no meu quarto, o idiota não em colocou na cama delicadamente por eu estar machucada, mas sim me jogou no chão perto da minha cama. Só não chuto a virilha desse filho da mãe porque ainda sinto dor no corpo que ficou ainda pior com o impacto que ele causou. Ele até me fez bater a cabeça no chão mais uma vez — três vezes num dia só já é demais, né, diário? 

     — Desgraçado! Por que fez isso? — digo enquanto levantava do chão, esfregando a cabeça.

     — Você estava dormindo.

     — Por eu estar dormindo, você acha que tem o direito de me fazer bater a cabeça pela terceira vez?

     Ele deu de ombros.

     — Coloca uma coisa na sua cabeça: eu vou me vingar disso. Agora saia do meu quarto para eu trocar de roupa.

     Ele saiu sem dizer nenhuma palavra e ficou esperando no corredor. Ele nem pareceu se intimidar com minha pequena ameaça. Tá, isso me deixou meio frustrada.

     Acabei de me dar conta de uma coisa, diário: neste momento minha situação mais complicada era saber com qual roupa iria, pois a minha blusa mais feia é bonita. O mesmo acontece com as minhas calças, minhas saias e com os meus sapatos. Eu não trouxe roupa feia. Ou então não quero que nenhuma de minhas roupas — por mais feias que forem —, fiquem cheirando a água de privada e produtos de limpeza.

     ★Dica 37 = Pra todos os lugares que você for, leve uma roupa feia.★

     Peguei a blusa que eu achava feia, mas era bonita — preta com corações cor-de-rosa. Peguei uma calça jeans surrada — ela era normal até minha mãe aparecer com uma tesoura perto dela — e coloquei meus famosos tênis pretos. Ok, acho que não estou tão abominável. Nem tão bonita. Acho que dá pra limpar banheiros com isso.

     — Finalmente acabou! — exclamou em voz baixa o Abridor de Malas, invadindo meu quarto.

     — Estava me espiando? — perguntei querendo gritar.

     — Não. Só entrei por acaso.

     — Não se finja de idiota. Eu sei que estava me espiando. — Revirei os olhos e sacudi a cabeça. — Que tipo de garoto espia uma garota que nem é a sua namorada, trocando de roupa?

     ★Dica 38 = Se você estiver trocando de roupa e um garoto estiver esperando na porta, certifique-se que ele não está te espiando. Se estiver, apenas dê um chute na fechadura da porta.★

     — Já disse que eu não estava te espiando — persiste ele. — Mas serei educado e responderei sua pergunta: o meu tipo.

     Dei um tapa na cara dele, o que produziu um estalo alto. Odeio e adoro o jeito pervertido dele de ser. Se ele continuar assim, pode ser que a marca da minha mão fique permanentemente no seu rosto. Espero que isso aconteça. Ele merece.

     — Como pode ter uma namorada sendo tarado desse jeito? — Meus punhos estavam serrados. Como tenho vontade de socá-lo em um momento como esse... Um dia isso vai acabar se tornando realidade.

     — Tendo.

     — Eu aposto que se ela soubesse das coisas que você faz, já teria te largado a muito tempo.

     — A gente quase não se vê. Não mudaria muita coisa.

     Dei outro tapa na cara dele. Diário, acho que essa manhã será bem interessante. Quer dizer, não há nada melhor do que começar o dia dando tapas num pervertido/tarado. Espero que esse dia não acabe mais.

     — Como pode dizer uma coisa dessas? Ela é sua namorada.

     — Dizendo. E você tem que parar com essa mania de me bater! Droga, não sou seu saco de pancadas. — Finalmente ele mostrou ter sentido alguma dor nos meus tapas. Ele esfregava suas mãos nas bochechas vermelhas. Talvez para amenizar a dor. Eu estava rindo da cena mentalmente.

     — Não. É divertido — confesso.

     — Pare de abusar da minha gentileza de não te bater também.

     — Ah, é engraçado ver sua cara quando te dou um tapa.

     — Não é nada divertido ficar com a marca da sua mão no meu rosto.

     — Deixa disso, é legal a marca da minha mão. — Comecei a fazer o contorno da minha mão no seu rosto com o dedo. — Olha só, minha mão encaixa perfeitamente na sua bochecha, provando que minha mão é feita para agredir seu rosto.

     — Rá, rá, rá — falou ironicamente. — Saiba que seu tapa dói.

     — E saiba que seu comentário não vai fazer com que eu pare de te agredir.

     — Bem que você poderia ter compaixão.

     — Compaixão? O que te faz pensar que posso ter compaixão de você?

     — Salvei você dos vigias noturnos, ajudei você com suas malas, costurei sua blusa, salvei sua pele na diretoria me fazendo vir perder tempo limpando banheiros com uma desmiolada...

     — Ei, ei, ei. Eu não sou desmiolada.

     — Acredite no que quiser...

     — Sabe o que eu deveria fazer? Dar um chute na sua virilha.

     — Calma, ai. Apelar pra golpe baixo não vale.

     Revirei os olhos.

     — Cale a boca e vamos começar nosso castigo — digo. — Cada minuto passado aqui com você se torna insuportável.

     — Posso dizer o mesmo — brincou ele, apesar de eu ter falado sério.

     Saímos do meu quarto e fomos até onde era guardado os materiais de limpeza. Como estávamos no prédio feminino, decidimos começar por eles e pelo segundo andar, já que meu quarto era nele e nós tínhamos acabado de sair de lá. Começamos por um quarto que ficava no fim do corredor.

     — Pare de ficar olhando pra elas! — quase gritei. Sorte que não foi alto o suficiente para acordá-las.

     — Ninguém manda todas elas dormirem de sutiã. — Eu odeio quando ele fala com uma voz que parece que nem se preocupa com nada do que está fazendo.

     — Se minhas mãos estivesse vazias, eu te daria outro tapa.

     — Você não é minha namorada pra me dizer o que fazer.

     — Não preciso ser para saber que você está super errado.

     — Para de reclamar. Vamos logo ao trabalho.

     Deixamos apenas as vassouras e os rodos para fora do banheiro. O resto do material nós pegamos e levamos conosco para o banheiro. Principalmente as luvas. Isso é o que jamais poderia estar longe de mim num castigo desses. Decidimos que começaríamos pela parte mais difícil: a privada. O problema era saber quem tocaria primeiro nela, mesmo que estivéssemos de luvas.

     — Você começa — ele disse apontando pra mim.

     — Por que eu?

     — Porque você é garota.

     — E o que tem a ver uma coisa com a outra?

     — Simples: garotas mexem em coisas de garotas.

     — Então já que é assim, quero ver você limpar sozinho o dormitório dos garotos. — Cruzei os braços.

     — Chega de falar. Começa logo.

     — Eu não!

     Ele colocou as duas mãos dentro da privada — de luvas — em forma de concha. Ele olhou pra mim e antes que eu pudesse tentar pensar no que ele estava querendo fazer, jogou toda aquela água suja em mim. Diário, ainda não sei se ele me odeia ou gosta de mim. Mas se você quer saber de uma coisa: não sei se eu o odeio ou gosto dele. As vezes ele parece tão legal. As vezes ele é tão besta que me dá nojo. Como agora. Minha vontade de socá-lo está mais alta do que nunca.

     ★Dica 39 = Fique com a boca fechada. Se alguém jogar água de privada em você, pelo menos você não engole.★

     — Filho da...! — Ele tapou minha boca. Acho que se ele não tivesse feito isso, as garotas do dormitório acordariam. Quando estou com raiva, meu grito sai instantaneamente. Espera... ele tapou minha boca com... com... com.. com as luvas?!

     Eu dei um chute na barriga dele o que o fez retirar suas mãos com luvas sujas da minha boca. Droga, errei. Bem que poderia ter sido mais embaixo.

     — Mas que diabos de motivos você teve agora para me causar dor novamente? — disse ele enquanto colocava suas mãos na barriga com o rosto contorcido pela dor.

     — Você tem o quê nessa sua cabeça, em? Será que não notou que jogar água suja e ainda colocar uma luva suja na boca de alguém não é normal?

     — Não.

     Ah, diário, eu vou acabar explodindo. Eu simplesmente odeio quando ele dá essas respostas sem mais nem menos. Eu digo uma frase enorme e ele me responde com uma palavra. Não sei porque, mas isso me deixa irritada. Quer dizer, estou começando a entender que o jeito dele me irrita. Acho que eu o odeio.

     — Garoto eu vou te socar! Teve até sorte do chute ter sido no lugar errado.

     — Já falei que apelar pro golpe baixo não vale.

     Mais uma vez minha mão colidiu em seu rosto.

     — Melhorou agora? — perguntei irônica. — Nunca mais faça isso! Que nojo. — Agora que parei para olhar meu estado. — Tô cheia de urina.

     — Não tecnicamente. Elas sabem dar descarga, “inteligência”.

     — Que seja.

     — Você teve até sorte por não ter “outras coisas” ai dentro, se é que me entende.

     — Nem me lembre uma coisa dessas. — Balancei a cabeça já sentindo a raiva indo embora.

     Coloquei a mão na privada e fiz a mesma coisa que ele fez, sem que ele esperasse por isso.

     — Por que fez isso?

     — Ainda pergunta? Pra você ver como eu sofri com água suja no meu rosto. E pra provar que posso ser uma pessoa vingativa.

     Ele enfiou suas mãos na privada e jogou aquela água em mim de novo.

     — Para com isso, seu idiota!

     Joguei nele de novo e assim a gente ficou jogando aquela água suja um no outro. Nunca me imaginei num dia de castigo, em plenas quatro da manhã, brincando de guerrinha de água de privada. Ok, isso é inédito na minha vida.

     A visão de longe era bem estranha:

     > Um menino e uma menina;

     > Jogando água de privada um no outro;

     Ainda me pergunto que tipo de adolescentes fazem isso. Quer dizer, ali parecemos mais crianças desocupadas do que adolescentes. Mesmo assim, é bom. É bom sorrir e viver uma infância que nunca tive. Deve ser por isso que fiz tanta idiotice na minha vida. Porque eu queria sorrir. Sorrir de verdade. E apesar de estar aqui por poucos dias, esse garoto me fez sorrir. Coisa que por anos não consegui. Bom, diário, acho que posso concluir que somos crazy kids.

     Enfim, quando eu menos esperava, em um desses “ataques”, eu estava com a boca aberta. Nem preciso dar mais detalhes, não é, diário? Maldita seja a água de privada e o Abridor de Malas.

     ★Dica 40 = Quando estiver brincando de “guerrinha de água de privada”, não abra a boca. Principalmente, quando é você que esta esperando o ataque.★

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