Capítulo 4 - Em busca da blusa roubada

— Por que você fez isso? — Eu podia ver que ainda restava uma sombra de dúvida no seu rosto quanto ao real motivo do tapa. Eu tenho certeza que ele sabia muito bem, apenas perguntou para confirmar.

     — Você mereceu e era pra eu ter te dado ele ontem, quando abriu a minha mala.

     — Foi você que disse pra eu dizer. Só te fiz um favor.

     — Quer saber, por que você não vai atormentar sua namorada ao invés de mim?

     — Ela está em aula no momento. Ela é do segundo ano e eu do terceiro. Há vezes que não posso vê-la por conta disso.

     Suspirei fortemente. Eu tinha que arranjar outra maneira de me livrar dele. Mas até que senti uma ponta de pena dele. Imagine só, diário, ter que ficar algum tempo sem poder ver a namorada. Realmente, parece algo um pouco lamentável... O que estou pensando? Não é a hora certa para sentir pena dele.

     — Me diz: você já abriu a mala de calcinha dela? — pergunto.

     — Eu não.

     — Já tirou a blusa dela na hora errada?

     — Não.

     — Já deixou ela se dando mal com a diretora?

     — Nunca.

     — Então por que está fazendo essas coisas comigo?

     — Só estou me divertindo. — Ele deu de ombros.

     — Querendo distruir minha vida?!

     — Exatamente. — Ele sorriu.

     Eu dei outro tapa na cara dele. Não tem a mínima graça alguém querer se divertir com outra pessoa desse jeito, ainda mais uma pessoa desconhecida. Esse foi mais um tapa bem dado. Claro que não me resta dúvida de que ele merece muito mais do que simples dois tapas.

     — Dá pra parar? — ele disse as palavras devagar, se recuperando do impacto.

     — Não! Você merece muito mais! — gritei.

     — Mais do que sua mão marcada nas minhas duas bochechas? — gritou.

     — Não exagera. Quase nem dá pra ver. — Dei de ombros como se a gritaria anterior não tivesse existido.

     — Que explicação darei a minha namorada?

     — Eu não sei. Dê um jeito. A namorada é sua e não minha.

     Por algum tempo, procurei com o olhar meu celular que antes estava na minha mão. Só agora percebi que ele estava no chão e que aquele ladrão de blusas estava lendo as poucas coisas escritas no aplicativo que é praticamente meu segundo diário.

     — Quer dizer que a rockeira tem um diário? — Ele ainda tentava continuar lendo as palavras.

     — Não sou rockeira e não é nenhum crime ter um diário. — Peguei meu celular do chão antes que ele continuasse a ler e lesse algo que não deveria.

     — E o que você escreve nele? Que gosta de mim? — Ele quase soltou uma risada.

     Dessa vez eu não perdi a oportunidade de jogar alguma coisa nele. Juntei todas as minhas forças e joguei meu celular. Acertou seu ombro direito e tenho que dizer que não era bem ali que eu queria que tivesse acertado. Foi quase no pescoço. Quase. Pelo menos poderia ser no olho.

     ★Dica 16 = Se você for jogar alguma coisa em alguém, use toda sua força.★

     — Ficou doida? Sabia que você tinha chance de acertar meu olho? Ou meu pescoço... Sei lá.

     — Ninguém mandou você opinar sobre o que eu escrevo no meu diário. Espero que pense duas vezes da próxima vez.

     — Mas também não precisava jogar ele em mim. O tapa até que ia, mas um celular? Agora vou ter que aguentar uma garota me jogando objetos toda vez que faço uma brincadeira?

     Reviro os olhos e só então percebo que meu celular caiu quase que aos seus pés. E pior ainda: o aplicativo estava aberto no dia de hoje. Acho que não foi uma boa ideia jogar justamente meu celular.

     ★Dica 17 = Nunca jogue seu celular.★

     Ele o pegou e começou a ler tudo que eu tinha escrito no dia de hoje.

     — O que está fazendo? Me devolva! — Peguei meu celular de volta. Espero que ele não tenha lido nada muito importante.

     — Obrigado, seus olhos também são lindos — Ele tocou meu queixo com um sorriso, me fazendo olhar em seus olhos por um momento e foi embora.

     Ele tinha que ler exatamente essa parte? Por que não outra? Tinha que ser aquela? Se ele achava que eu gostava dele, agora ele tem mais razão. Que droga, eu já imaginava que iria acontecer algo de ruim, mas não algo do tipo. É sempre assim: as pessoas lêem só o que não devem ler. Isso sempre acontece e hoje pude testemunhar que aconteceu comigo, provando que isso é totalmente verdade.

     Continuei a andar, mas não continuei a escrever. Fiquei com trauma de que acontecesse isso com mais alguém. Andei pelo colégio, torcendo pra não encontrar aquele garoto novamente. Por sorte, isso não aconteceu. Andei até ficar de noite e, por fim, entrei em meu quarto, com a esperança de querer ficar sozinha por um momento. Infelizmente isso não foi possível.

     — Aonde você estava? — perguntou Betânia, enquanto assistia a um programa na televisão, deitada na cama.

     — Vivendo aventuras e andando por ai. — Entrei e me joguei na minha cama.

     — Você ficou andando o dia todo?

     — Tipo isso, mas estou cansada. Preciso de uma noite de sono.

     Mentira, eu não estava nem um pouco cansada. Isso era apenas uma desculpa para uma nova aventura que eu estava planejando desde que perdi a blusa. Daqui a pouco vou te contar os detalhes, diário.

     — Pode me contar pelo menos uma coisa que você fez hoje depois de ter saído da sala de aula? É que depois disso você parece que sumiu do colégio.

     Ouvindo ela falar assim, pareceu que aquele episódio da blusa nunca tivesse acontecido.

     — Um garoto pegou minha blusa rasgada e saiu correndo. Eu e ele ficamos correndo por um bom tempo pelo colégio...

     — Espera. — Ela fez um gesto para que eu parasse de falar. — Você correu sem nada em cima? — Ela começou a rir. — Eu pagaria pra ver uma coisa dessas ao vivo. — O jeito que ela estava rindo começou a me deixar assustada. Até ela mesma não conseguia se controlar: — Socorro! — Ela caiu da cama ainda morrendo de rir.

     — Dá pra parar de rir da minha cara? Isso é um assunto sério e eu também estava tapando com as minhas mãos.

     — Mesmo assim, não acredito que você pagou de doida. — Ela não parava de rir por um segundo e aquilo estava me irritando de certa forma. — Ninguém brigou com você não?

     — A diretora vai conversar com a minha mãe amanhã. Eu caí justamente nela enquanto tentava alcançar aquele garoto que roubou minha blusa.

     — Nossa, que azar. Prepare-se pra levar um grande castigo — Ela finalmente conseguiu parar de rir. Betânia se levantou e voltou a sentar na sua cama, mas desligou a tevê.

     — Pode deixar, já estou me preparando.

     — Então aproveitando que você vai dormir, também vou. Boa noite.

     — Espera! — gritei para impedir que ela dormisse.

     — O que foi?

     — Você conhece um garoto com cabelo preto e olhos verdes do mesmo ano que a gente?

     — Conheço sim.

     — Sabe quem é a namorada dele?

     — Pra quê você quer saber? Não vai me dizer que está afim do garoto e quer socar a namorada dele. — Ela queria rir novamente.

     — O quê? Nada a ver. Eu só quero saber.

     — Então me diga: por que quer vê-la?

     — Não posso. É totalmente confidencial.

     — Own que fofo, minha amiga está apaixonada.

     — Credo, tira essa palavra do mal de perto de mim. A parte de querer socar a namorada dele é bem mais provável de acontecer do que eu me apaixonar por ele.

     — Admite, vai. Se admitir de uma vez, não terei o trabalho de descobrir mais tarde.

     ★Dica 18 = NUNCA diga nada sobre isso.★

     — Pare com isso. Apenas me diga logo. Eu precisa saber e é apenas um motivo meu de curiosidade. Não tem nenhuma ligação se estou apaixonada ou não.

     Pela sua expressão, não me resta dúvida de que ela desistiu de tentar descobrir a verdade. Mas eu sei que ela sabe que o que eu disse não era totalmente verdade.

     — Venha cá, acho que tenho uma foto dela por aqui. — Ela procurava a foto entre suas coisas.

     Enquanto ela procurava, comecei a me perguntar como ela teria uma foto da namorada do Abridor de Malas. Devem ter se conhecido ou algo assim. Até pode ser que elas tenham sido amigas. Quem sabe, se ela não for uma pessoa desagradável, talvez também possamos ser amigas.

     Ela me mostrou a foto. Era uma garota de cabelos castanhos-mel cacheados nas pontas, com olhos um pouco mais claros do tom do seu cabelo. Na foto, ela estava sentada em um banco, aparentemente em uma praça, com um sorriso reservado.

     — Até que ela não é feia — comentei.

     — Está com ciúmes? — Betânia me encarava em busca de respostas no meu olhar.

     — Quando eu te pedir pra falar sobre esse assunto, você poderá falar a vontade, mas por enquanto fique quieta.

     — Está falando igual a professora agora?

     — Estou sim. Gostei dessa resposta que ela deu pra mim. — Por um momento me passou uma pequena vontade de querer rir, lembrando do acontecimento com a professora.

     — Agora que eu já te mostrei a foto da garota, estou indo dormir. Boa noite.

     — Espera! — gritei para impedir que ela dormisse novamente.

     — O que foi dessa vez?

     — Qual é o número do dormitório dela? — perguntei tentando parecer natural para que nada do meu plano fosse revelado.

     — Está planejando sequestro é? Está com tanto ciúmes assim?

     — Cala a boca. Já disse que não tenho ciúmes de um garoto que roubou minha blusa e me fez ficar com toda a culpa por ter saído semi-nua pelo colégio. Sabe, Betânia, eu tenho o prazer em te dizer que sei muito bem escolher as pessoas que devo gostar e uma pessoa que me fez parecer idiota na frente de todo mundo do colégio, não é uma opção minha.

     — Estou vendo que vou ter um longo trabalho pra te fazer admitir que está afim dele. De qualquer modo, não precisava planejar um discurso improvisado para me fazer desistir de continuar te perguntando sobre o assunto. Posso não insistir agora, mas me aguarde.

     Revirei os olhos como resposta.            

     — Deixe de ser dramática, apenas diga o número do quarto dela — digo.

     — Se me lembro bem, o número do quarto dela é o vinte e três. A esse horário, ela e sua colega de quarto devem estar dormindo, então é um bom momento para sequestra-la.

     — Obrigada por seu conselho — soei irônica. — Boa noite. — Me deitei na cama.

     — Agora você quer dormir, não é? Boa noite.

     Eu dormi durante meia hora só pra disfarçar. Vou admitir para você, diário, que eu adoro ir atrás de uma boa confusão e digo que o Abridor de Malas me ajudou muito a querer fazer isso. O que vou fazer é o seguinte: vou invadir o quarto da namorada do Abridor de Malas e resgatar minha blusa favorita. Só espero que ela já tenha tido um bom tempo para costurá-la. Não quero ter o trabalho de ir pegar e ter que costurar mais tarde.

     Me levantei de maneira rápida, mas silenciosa. Agradeci por ter continuado de tênis e roupa, mesmo dizendo que iria dormir. Andei na ponta dos pés, fazendo mais silêncio possível.

     Antes de vir para o colégio, fiquei olhando algumas coisas no site oficial e lá tinha todas as regras daqui e uma delas é que é totalmente proibido sair dos dormitórios pela noite — depois das onze da noite. Existe apenas um exceção que é se você estiver doente, então você poderia ir para enfermaria ou para diretoria, fora disso, não há mais nenhuma exceção e nem desculpa. Com tudo isso, preciso ser ainda mais cuidadosa.

     ★Dica 19 = Se você vai entrar em um quarto no meio da noite: faça isso descalça.★

     Não sei se você percebeu, diário, mas desde que cheguei, sempre fiz dicas depois que tudo desse errado. Essa vai ser a primeira vez que vou seguir minha própria dica, antes que as coisas dêem errado.

     Retirei meus tênis e comecei a carregá-los em minhas mãos.

     Eu passava por todos aqueles corredores com medo de que alguém, por algum motivo, saísse de seu quarto e me visse andando por ai, sem nenhuma explicação. Os corredores estavam todos com as luzes apagadas. Eu só me guiava por algumas luzes que saíam nos pequenos buracos debaixo da porta. O chão era frio e para mim, qualquer passo que eu dava, fazia um barulho enorme. Desci as escadas e já estava no primeiro andar, procurando quase desesperada pelo quarto 23. Encontrei.

     Por um momento, me passou pela cabeça de que talvez o quarto dela esteja trancando. Se estiver, não terei nenhuma chance de conseguir entrar. A única coisa que posso fazer é torcer para que ela não tenha tido o bom senso de trancar.

     Passei a mão na maçaneta e a girei devagar. Ela não havia trancado o quarto. Entrei e vi que era ali mesmo. Uma garota de cabelos mel estava deitada em uma das camas, de maneira espaçosa. Comecei a vasculhar o local com muito cuidado. Deixei meus sapatos do lado de dentro, perto da porta, e comecei a procurar pelas gavetas. Nada. Fui para o armário. Nada. Abri a mala dela. Nada. Não posso acreditar que aquele garoto possivelmente tenha mentido pra mim. Novamente ele me fez pagar de idiota.

     Peguei meus sapatos e saí daquele local com cheiro de perfumes caros e cremes exclusivos.

     — Achei que não viria. — Ah não. Não posso acreditar que aquele maldito abridor de malas estava me esperando o tempo todo. Tenho que confessar que ele é muito mais inteligente do que eu pensava.

     — Como você sabia que...?

     — Consegui te enganar direitinho, não é?

     — Então quer dizer que você não tem namorada? — De certa forma, eu estava um tanto confusa com a situação.

     — Não era disso que eu estava falando. Eu tenho sim uma namorada. Só digo que não dei a blusa pra ela.

     — E aonde minha blusa está?

     — No meu quarto — sua resposta veio acompanhada de um sorriso.

     — O quê? Isso é algum tipo de vingança por você ter pegado a mala errada?

     — Não é por isso que ela está lá.

     — Então o que ela está fazendo lá?

     Ele não me respondeu. Acho que ele não esperava esse tipo de pergunta. Se ele realmente não esperava esse tipo de pergunta instantaneamente, deve ser porque ele guarda algum segredo sobre isso e não quer me contar.

     — Não vai me responder? — perguntei insistente.

     Não respondeu novamente. Droga, por que ele não me conta de uma vez o que está escondendo de mim?

     Enquanto eu o perguntava diversas vezes o que minha blusa estava fazendo lá, ele começou a andar em direção a saída do prédio.

     Nós saímos do prédio e pude perceber que ele estava indo para o prédio onde estava seu dormitório. Eu apenas o seguia, com intuito de querer saber o por quê ele estava escondendo minha blusa em seu quarto. Depois de ter o perguntado umas trinta vezes, decido fazer mais uma vez a pergunta enquanto estávamos no meio do caminho — no campus — para seu prédio.

     — O que minha blusa está fazendo lá? — Mais uma vez fiquei sem resposta. — Espera! — Peguei seu braço para que pelo menos uma vez ele parasse de verdade para me ouvir.

     — Não estou afim de te responder, tá bom? — gritou e me pegou pelo braço e por fim, me puxou pra bem perto. — Vá dormir e me deixe em paz!

     Uma coisa que tenho de confessar, diário: eu não imaginava que ele me puxaria pra tão perto. Quando ele estava olhando pra mim e eu olhava diretamente para os olhos dele, confesso que fiquei... digamos, vidrada. Essa foi diferente da primeira vez. Agora eu pude observar com mais calma. Sem que a raiva que eu tinha pela manhã pudesse me atrapalhar.

     A luz da lua deixava aqueles olhos ainda mais lindos. Ele falava comigo, mas eu estava muito vidrada e nem ouvia nada. Se eu pudesse, ficaria a noite toda olhando aqueles olhos perfeitos. Talvez minha boca esteja um pouco aberta ou meus olhos nem conseguem mais piscar; eles não querem perder nem que for um milésimo de segundos encarando aqueles olhos. Se eu acho isso normal? Não sei, diário, mas eu ficaria muito grata se ele me desse um...

     — Você está me ouvindo? — Parei de ficar vidrada assim que ele pronunciou as palavras que quase não consegui compreender por ainda estar um tanto hipnotizada.

     — Ah, sim, desculpe. O que você estava dizendo?

     — Esqueça. — Ele começou a caminhar novamente.

     Seja lá o que ele tenha dito, acho que eu deveria ter dado um jeito de ouvir... Mas por qual motivo eu estou me culpando? A culpa dele por ter aqueles olhos, então, tecnicamente, eu não tenho culpa de nada.

     ★Dica 20 = Quando estiver hipnotizada pelo os olhos de uma pessoa, procure prestar atenção no que ela diz.★

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