Capítulo 2 - Uma blusa roubada

— Eu não acredito... — ele estava tão surpreso que não conseguiu terminar a frase.

     — Eu tentei avisar — digo.

     — Como você pôde ter jogado esse monte de... — Coloquei a minha mão em sua boca. Ter a absoluta certeza que aquilo aconteceu na minha frente era humilhante demais.

     — Não diga, por favor. Eu tenho consciência do que acabou de acontecer — falei, tirando minha mão da sua boca.

     — Mas como você pôde ter feito uma coisa dessas? Por que não deu uma verificada rápida para ter certeza de que não jogasse uma mala cheia de roupa íntima feminina?

     — Na hora em que a joguei, não tinha notado qual mala eu estava segurando.

     — Pelo menos você podia ter pensado em avisar que uma de suas malas continha pertences pessoais.

     — Agora você sabe... — Não consegui terminar a frase, porque naquela hora eu o olhei diretamente e meus pensamentos sumiram. Deu um branco total em minha mente. Ele é tão... bonito. Um garoto de olhos verdes e de cabelos negros que conseguiu fazer com que minha mente apagasse por alguns instantes. Até mesmo senti algo diferente e fico na esperança de que não seja uma coisa que acabou de voar pela minha cabeça. Ainda bem que era só um pensamento.

     — É melhor eu ir me desinfetar. A gente se vê depois — sua voz me fez acordar do transe. Ele acenou enquanto se afastava, me deixando com a mala de roupa íntima aberta.

     — Espera — gritei, esperando que ele virasse para prestar atenção. Não virou —, nem para fechar a mala que você abriu?

     Fingiu que nem ouviu, eu imagino. Ele não estava distante o suficiente para não ouvir uma garota com mechas azuis. Uma pena não ter nada para jogar na cabeça dele para que ele pudesse me ouvir.

     ★Dica 6 = Se você estiver com qualquer coisa na mão e com raiva de alguém que estiver na sua frente: jogue. E se a pessoa morrer: fuja e mude de identidade.★

     — Seu idiota! Eu sei que você me ouviu! — berrei, mas ele continuou a andar, como se nada do que eu tivesse dito fosse com ele.

     Com muito ódio de um garoto pervertido e abridor de malas de pessoas desconhecidas, fechei a porcaria daquela mala e tentei fingir que nada aconteceu, mas como tirar a imagem de uma pessoa que tem a audácia e acha que tem a autonomia de abrir malas de desconhecidos?

     Continuei a carregar aquelas toneladas e depois de mais ou menos quinze minutos, eu cheguei na frente dos prédios onde ficava os dormitórios.Haviam dois: um de meninos e outro de meninas. Cada um deles tinha dois andares. O problema era saber qual era o meu dormitório se ninguém, até agora, se moveu para me perguntar se eu preciso de ajuda ou alguma coisa do tipo.

     — Olá, mocinha, precisa de ajuda? — Uma mulher alta se aproximou de mim. Ok, retiro o que eu disse anteriormente. Ela parecia uma secretaria pela sua idade e pelas roupas que vestia (uma saia preta e um blazer também preto com uma blusa branca por baixo)

     “Mocinha? Por acaso tenho cara de dez anos?” era isso que eu queria dizer, mas fiquei com pena da mulher e não gostaria que ela achasse que sou uma adolescente revoltada com a vida. Está bem, talvez eu seja um pouco, porém, não tanto quanto ela pode pensar.

     — Eu quero sim. — Deixei em suas mãos duas de minhas três malas. A única que permaneceu comigo foi aquela das calcinhas. Fiquei com trauma de que se alguém mais além de mim encostasse nela, poderia querer saber o que havia ali dentro devido ao seu peso desproporcional as outras.

     — É aluna nova? — sua pergunta era tão inocente que me dava nojo. Estava quase que escrito na minha testa que sim. Sabe, às vezes acho que as pessoas são boazinhas e gentis demais umas com as outras.

     — Sou sim — eu tentava ser o mais educada possível. — Senão, por que estaria carregando essas malas, certo? — foi tudo o que consegui soltar, o que não foi uma coisa tão grossa, mas acho que no meu olhar podia perceber-se um pouco de repugnância.

     — Ah, sim. — Não consegui identificar se ela tinha entendido minha mensagem não verbal. — Venha comigo, vou mostrar seu quarto.

     Para minha tristeza, meu quarto era no segundo andar. Eu sei, estou segurando apenas uma mala, mas ela é a mais pesada. Ela é quase o mesmo peso das duas que entreguei a secretária. A diferença é que, acredito eu, ela esteja acostumada a carregar malas pesadas de novos alunos e eu continuo sendo a fraca aluna que mal consegue carregar a própria mala.

     — É este aqui. — Ela deixou minhas malas no chão, ao lado da porta. — Pegue sua chave. — Ela me deu a chave que era prateada. O número gravado nela era o mesmo que estava em uma pequena placa pregada na porta. Número 250.

     Eu não estava muito assustada com quem eu poderia encontrar ali dentro. Poderia ser uma patricinha ou uma garota que tem problemas assim como eu. Poderíamos ser amigas ou deixar que o silêncio tome conta de nosso quarto. Aliás, os tipos de garota que eu posso encontrar aqui dentro são inúmeras.

     Lá dentro, tinha uma garota aparentemente da minha idade. Ela mexia em seu notebook, em cima de sua cama com colcha azul. Seus cabelos eram curtos e eram castanhos escuros. Seus olhos de azul que eram tão escuros que poderiam ser facilmente confundidos com olhos negros iguais aos meus.

     — Com licença — minha voz saiu de forma delicada. Eu mesma me estranhei. É bem raro eu conseguir fazer este tipo de voz. — Posso entrar? — Aos poucos meus olhos batiam em lugares diferentes daquele enorme quarto.

     — Você mora aqui? — ela perguntou de uma maneira tão grossa que me arrependi de ter sido educada.

     — Sim.

     — Então por que está perguntando se pode entrar? O quarto é seu. Faça o que quiser que eu não dou a mínima. — Seus olhos continuaram vidrados no notebook.

     Essa não foi à primeira boa impressão que eu esperava. Foi um grande choque essa má impressão do tipo de gente que ficará em meu quarto até o final do ano.

     Peguei aquelas toneladas e entrei no quarto.

     Minha cama era meio afastada da da menina. Eu diria que nosso quarto era maior que minha antiga casa que era minúscula comparada a este lugar. O quarto estava arrumado e minha cama também. Não havia nenhum sinal de ter sido tocada.

     — Então você é a minha nova colega de quarto? — no começo, eu até achei que ela só queria confirmar que sim, mas depois percebi que ela realmente não tinha certeza se eu era sua nova colega. Isso me fez estranhar, porque a minutos atrás ela me recebeu com muita grosseria.

     — É o que parece — por simplicidade e inocência em sua pergunta, a respondi educadamente muito contra a minha vontade.

     — Adorei seu cabelo.

     — Valeu.

     — Queria que minha mãe deixasse eu fazer mechas.

     Primeiro ela é mal educada, depois é boazinha. Ou ela tem amnésia ou é bipolar, porque tenho certeza de que pessoas normais não agiriam assim.

     — Na verdade, minha mãe brigou comigo, mas hoje em dia ela não dá tanta importância assim.

     — Eu não tenho coragem de enfrentar minha mãe desse jeito. Eu seria espancada se eu ameaçasse fazer qualquer coisa com cores no meu cabelo.

     — Mas como você tem piercing?

     — Isso? — Ela apontou para o piercing de argola prateado que tinha na orelha. Era do jeito que eu gostaria de ter.

     — Sim.

     — Minha mãe não está nem ai. — Ela ria. Parecia estar lembrando de momentos engraçados. — Ela também tem, por isso deixou que eu colocasse.

     — Queria que minha mãe fosse boa assim.

     — Boa? Minha mãe é cruel.

     — Nada disso. — Me sentei na minha cama, deixando minhas malas ao lado. Eu podia sentir que aquela conversa iria longe. — A minha que é. Ela me tirou da minha antiga cidade. Tive que deixar todas as minhas amigas para trás.

     — Isso também aconteceu comigo, mas já faz muito tempo.

     ★Dica 7 = Procure bem e em qualquer lugar, você pode encontrar uma pessoa quase igual a você.★

     — É uma droga, né? — digo.

     — Pois é. Essas mães cruéis. Nos proíbem de tudo. Hoje em dia nem podemos mais sair de madrugada para nos divertir.

     — Cara, como eu sonho em voltar em ser como antes. Sabe, sair quando eu quero.

     Sem que eu menos esperasse, ela dormiu. Por algum tempo, fiquei esperando que ela reagisse ou pelo menos balbuciasse algo, entretanto, ela não fazia nada. Só respirava. Amanhã, quem sabe, eu possa perguntar sobre isso, mas só amanhã. Hoje eu gostaria um pouco do silêncio.

     Então, diário, o que acha de uma história para acalmar os nervos e tentar esquecer o dia estranho de hoje?

     “Era uma vez uma garota que foi proibida de colocar piercing pela mãe”. Então, o que achou? Gostou? Não? Eu também não, tenha uma boa noite, diário.

                                                                                            

22 de Março de 2014

Bom dia, seja lá o motivo de eu estar escrevendo isso. A cama era tão macia que me dava preguiça até de me mexer. Eles bem que podiam dar três dias aos alunos novos, para que eles pudessem se acostumar com todo esse conforto.

     — Bom dia, garota que eu não sei o nome.

     — Bom dia. — Dei uma risada discreta. — Meu nome é Alessandra.

     — O meu é Betânia. É um prazer te conhecer oficialmente.

     — Sei que acabamos de nos conhecer para ir já começando com perguntas um tanto direta demais, mas por que dormiu de repente ontem?

     — Ah, me desculpe. É como um desmaio, não dá para controlar. Eu sinto muito mesmo se você estava dizendo algo.

     — Não precisa se desculpar se foi sem querer. Está tudo bem. — Me sentei na cama. — E por que gritou comigo quando lhe fiz uma pergunta inocente?

     — É uma doença e  todos os dias preciso tomar alguns remédios. Sabe, é quase que uma bipolaridade. A diferença é que não é tão preocupante e assustador.

     Na parte do assustador, não sei se concordo muito. Nunca cheguei a conviver com pessoas bipolares, ou pelo menos quase. Veremos se nos próximos dias não verei nada de tão assustador.

     ★Dica 8 = Não julgue as pessoas a primeira vista.★

     — É uma pena que tenha que conviver com isso — falei.

     — Não se preocupe. Se minha personalidade mudar de repente, você faça de tudo para que eu tome remédio.

     — Ok.

     — Bom, agora se arrume, porque mesmo sendo aluna nova, não quer dizer que você tenha o privilégio de matar aula.

     Para o primeiro dia oficial de aula, continuei com a mesma roupa que usei no dia anterior. Uma tentativa frustrante de tentar me fazer sentir no meu antigo colégio. Quando terminei de me arrumar, juntas nós fomos para o local onde ficavam as salas de aula. Nós corredores, seus olhos procuravam o número da sala e a letra. Ela parou em frente ao 3°C.

     — Olha que sorte! Estudamos na mesma sala.

     — Como você sabe?

     — Está escrito aqui, sua burrinha. — brincou.

     Meus olhos bateram em uma lista com vários nomes numerados. E ali estava “Alessandra Goulding Marie” eu mesma. Eles até que são rápidos para uma pessoa que fez a matrícula há pouco tempo.

     Entramos na sala de aula. Todos olhavam para mim. Claro, não é normal ver uma garota estranha de mechas azuis. Tudo isso me deixa assustada. Todos olham parecendo que acabei de cometer um assassinato.

     Procurei apenas com o olhar, tentando encontrar o garoto que abriu a minha mala. Não achei, mas mesmo assim continuei a procurar e sem perceber, Betânia já havia se sentado me deixando em pé. Uma pateta no meio da sala, olhando para o nada.

     — Mocinha, vai ficar parada pensando na vida, ou vai se sentar? — A dona da voz era alta. Cabelos mais brancos do que castanhos claros. Olhos negros e firmes sobre mim. Ela, aparentemente, parecia ser a professora.

     — Mocinha? Você sabe quantos anos eu tenho? — gritei um pouco sem pensar.

     — Apenas sente-se. — Ela pareceu se irritar com meu comportamento.

     As pessoas que estavam na sala, olharam para mim de forma assustada. Devem estar se perguntando como eu tenho coragem de ser grossa com uma pessoa que nem conheço.

     ★Dica 9 = Não desafie a professora. É sempre muito arriscado.★

     — Eu sou a professora aqui e você deve ser uma nova aluna, certo?

     — Já me viu por aqui? — O que eu estou falando? Parece que estou em busca de uma boa confusão.

     — Não. — Em seus olhos, eu podia ver que sua paciência era mínima.

     — Então por que está me perguntando se sou aluna nova? Qual é, está quase escrito na minha testa. — Eu queria rir. E muito. Me mantive séria, mas eu queria soltar uma alta gargalhada.

     — Preste atenção — ela continuava firme em suas palavras. — Quando eu pedir para me desafiar, você poderá fazer isso a vontade, mas por enquanto, recomendo que você fique sentada bem quietinha no seu lugar — ela estava firme, porém, as palavras saíram baixo para que só eu ouvisse. Não adiantou muito.

     — Por acaso tenho cara de quem obedece uma velha feiosa? — as palavras voaram da minha boca.

     Acho que agora eu peguei pesado.

     Ela se dirigiu a mesa, pegou um canivete e ficou atrás de mim. Só veio um pensamento em minha mente: “estou ferrada”.

     — Vai continuar de pé? — seu tom de voz foi quase um sussurro.

     — Sim, eu vou. — Bati o pé no chão. — Você não teria coragem de... — a última palavra me escapou. Ela havia cortado minha blusa de cima abaixo, juntamente com meu sutiã.

     Eu tentava segurar pela frente com muita dificuldade para não ficar... mais envergonhada do que já estava. Ódio e medo passaram pela minha cabeça. Meu pai paga caro para me colocar aqui e agora — por culpa de mim mesma —, fiquei seminua na frente dos trinta e nove alunos.

     — Você queria pagar mico no primeiro dia de aula? — Antes que eu respondesse alguma coisa, ela continuou: — Pois conseguiu o que queria. Saia daqui e só volte amanhã. Se você não sair agora, corto sua calça também.

     Eu saí sem dizer uma palavra. Uma forma de demonstrar minha raiva sem dizer nada, foi batendo a porta com força. Não cheguei a resmungar nada. Todos os meus sentimentos de raiva estavam apenas zanzando na minha mente. Coitada da minha blusa. Tinha que ser logo minha blusa favorita? Estou me arrependendo de ter vindo com essa roupa.

     Andar pelo colégio segurando a blusa rasgada, é algo que nunca se passou pela minha cabeça que aconteceria. Isso é muito mico, não é? Como aquela professora teve coragem de fazer uma coisa dessas? Que tipo de lição ela queria que eu tirasse disso? Que eu nunca deveria desafiar uma professora ou que eu devo ter cuidado com canivetes? Na realidade, eu tinha é que aprender a fechar a boca de vez em quando. Não era a toa que os alunos daquela sala olhavam para mim. Bem que eu poderia aprender a linguagem dos olhares.

     Dentre aquela multidão que havia no colégio enquanto eu estava caminhando para meu quarto, vi aquele garoto que abriu minha mala de calcinha pela manhã. Ele estava com mais dois garotos e todos eles estavam falando de mim. Uma simples razão de eu realmente saber que eles estavam falando de mim, era que eu estava ouvindo a conversa toda por de trás deles:

     — Vocês viram aquela garota com o cabelo cheio de mechas azuis? — aquele abridor de malas disse. Todos eles estavam em uma colina, observando parte do colégio.

     — Sim, o que tem ela?

     — Ela é aquela garota que eu abri a mala de calcinha hoje de manhã.

     — Tá brincando? Ela é muito gata.

     Eu já deveria imaginar de primeira que aquele garoto andaria com pessoas assim.

     — Ficaria com ela?

     — Ficou louco? Eu tenho uma namorada. Ela iria me espancar se soubesse que fiquei com outra garota. — Eles riram. Agradeço por ele não pensar em ficar comigo.

     — Será que dá pra vocês pararem de falar de mim? — Aquela foi a hora mais que perfeita para eu ter aparecido. Eles haviam levado um susto por terem encontrado bem atrás deles, aquela garota que estava no meio da conversa.

     — Você está aqui desde quando? — o Abridor de Malas perguntou.

     — Estou aqui desde que vocês começarem a falar de mim.

     Discretamente, seus amigos iam se afastando sem que eu percebesse e quando percebi, só tinha eu e aquele abridor de malas ali.

     — O que aconteceu com a sua blusa? — Seu olhar foi para o jeito estranho, ao qual, eu estava segurando minha blusa. Eu sabia que aquilo era uma maneira de mudar de assunto.

     — Um pequeno acidente, mas isso não importa. Eu queria falar com você para que não fique espalhando sobre as minhas calcinhas.

     — Talvez... — Ele sorria querendo que eu deixasse pra lá.

     — Talvez o caramba! — gritei. — Você vai cumprir ou coisas ruins vão acontecer, sem que você menos espere.

     Quando ele parou de prestar atenção em qualquer coisa minha e ficou vidrado no celular, achei estranho e então... — E eu achando que o dia de hoje não poderia ficar pior —, ele puxou a minha blusa e saiu correndo. O único pensamento que passou instantaneamente na minha mente foi: "ele vai me pagar por isso."

     ★Dica 10 = Não vá falar com um garoto se você estiver com a blusa rasgada, isso dará totalmente errado.★

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