Capítulo 9 - Aprendi a montar um cavalo!

O sangue não parava de escorrer do rosto de Karen. Assustada com o que pode ter acontecido a ela, desço da minha cama devagar e assim que meus pés tocam o chão, caminho até ela. Toco seu ombro, querendo chamar sua atenção, mas o sangue continua escorrendo e ela continua inclinada na janela.

— Karen, olha pra mim — pedi.

— Não posso. Dói muito.

— Por favor. Eu preciso ver você.

— Não, Cia. Se eu olhar, posso morrer engasgada com meu próprio sangue.

— Karen!

Empurrei seu ombro, querendo força-la a me encarar. Eu precisava ver como ela estava. Tinha medo que tivessem danificado muito seu rosto.

Meu coração acelerou no peito ao me dar conta de que aquela não era a Karen. Aquele rosto não era seu. Era o da princesa Marilene. Porém, estava com diversas marcas roxas no rosto e os olhos ao invés de azuis, estavam completamente esbranquiçados.

— Como pôde, Cia? Como pôde perder meu livro sagrado?

— Desculpe, eu...

— Isso tudo é culpa sua.

Suas mãos seguraram meus ombros.

— Olha pra mim. Isso é tudo culpa sua — enfatizou.

Então seus dedos subiram dos meus ombros para meu pescoço. Logo o ar estava sendo tirado de mim enquanto me enforcava.

— Por favor... — consegui balbuciar.

A princesa não me deu ouvidos, apenas continuou a apertar. Meus joelhos cederam ao chão e o atingiram. Estava simplesmente perdendo a consciência...

Acordei completamente assustada com o coração acelerado no peito. Um pesadelo. Não passou de um pesadelo, Cia, tentei tranquilizar a mim mesma. Respirei fundo diversas vezes, sentada na cama, até o coração desacelerar. O quarto ainda estava escuro, mas a luz fraca vinda da janela anunciava um nascer do sol.

Voltei a me deitar devagar, porém, ao tentar fechar os olhos e voltar ao sono, meu cérebro se recusou a apagar. Pelo jeito teria que ficar acordada até dar a hora.

Virei de lado e observei a Karen. Ela parecia dormir ainda. A garantiria como meu despertador, embora ela tivesse garantido que nos acordaria da próxima vez. Ontem, quanto ela chegou sangrando, eu fui a primeira a ajuda-la. Rasguei um pedaço do meu vestido e lhe dei para que pudesse se limpar. Tinha ficado com dó. Apesar de ter sido errada a sua atitude de desafiar nossa oficial, eu acho que não precisavam agir de maneira tão rude.

A oficial havia feito seu nariz sangrar e um hematoma roxo no olho esquerdo a impedia de enxergar direito com o mesmo. Ela também ganhou um corte no canto da boca. Fora isso, o resto parecia inteiro. Pelo jeito só a machucaram no rosto.

Como se ela soubesse que eu estava pensando nela, a mesma passa a se mexer na cama. Quando leva as mãos aos olhos, soube que havia acordado. Sentei na cama novamente e fingi espreguiçar. Karen também se sentou na cama e ergueu os braços. Bocejou e amarrou as botinas nos pés antes de levantar.

— Acácia, Milena, levantem.

— Já levantei — anuncio.

Milena não respondeu. Desci as escadas do beliche e no chão, calcei as minhas botinas.

— Uma pena que ela não acordou. Vamos — disse Karen, meneando a cabeça para porta.

— Ela precisa vir com a gente. Quer levar outra punição? Somos uma "equipe". — Faço as aspas com os dedos.

Então chamo pela Milena que reluta em acordar. Só dá sinal de vida quando sacudo seus ombros e ela enfim abre os olhos.

— Vamos nos atrasar — diz Karen.

— Já tô indo — resmunga Milena.

Suspiro, esperando ela acordar de vez e calçar suas botinas. Não sei que horas eram, mas Karen estava a ponto de ter outro treco se não andássemos logo. Parecia que nós — Milena — estávamos atrapalhando seus planos de chegar cedo.

Juntas saímos do quarto e atravessamos o corredor. O que nos deixava mais rápidas era o fato de sabermos exatamente para onde ir. Meu coração fica aliviado no peito ao ver que não éramos as últimas. Nem todos estavam presentes assim que chegamos.

Rapidamente avistei a oficial. Um sorriso debochado brincou em seus lábios.

— Vejo que alguém aprendeu a chegar no horário e a trabalhar em equipe.

Nenhuma de nós respondeu. Karen nem sequer olhou para mulher. Escolhemos uma mesa vazia para nos sentarmos. O rosto machucado da minha colega de quarto chamou a atenção de algumas garotas que ao vê-la, começaram a comentar algo baixinho.

Olhei para o relógio do refeitório e vi que faltavam quinze minutos para seis da manhã.

— Iniciandas, podem se servir.

Levantamos e não esperei por minhas colegas, apenas caminhei até onde serviam a comida. Peguei a bandeja de madeira e uma Guerreira colocou um pão e um copo com água. Voltei à nossa mesa e peguei meu pão, dando uma mordida no mesmo.

Logo as garotas sentaram na mesa novamente e silenciosamente desfrutamos da comida.

Montar em um cavalo é algo extremamente difícil. Não, isso não é um motivo para desaminar, mas subir nele foi meu maior desafio. Minhas pernas as vezes pareciam curtas demais, embora eu fosse a mais alta das minhas colegas. Ao pegar um dos cavalos, Karen conseguiu facilmente montar em um, cumprindo suas palavras.

Ela realmente parecia ter jeito com a coisa.

Milena teve a mesma dificuldade que eu — talvez até pior. Depois de conseguir montar no cavalo, me acostumar a ficar nele foi mais tranquilo. Milena parecia amedrontada o tempo todo e em partes fiquei com pena. Olhei para expressão da Karen, esperando ver uma risada, mas ela parecia como sempre. Imparcial.

Na aula de hoje, muitas Iniciandas já corriam com os cavalos pelo enorme gramado. Este ficava perto da floresta que lá no início do acampamento me era parcialmente visível. Karen me instruiu a dar um leve chute na lateral do cavalo para fazê-lo andar e puxar as rédeas devagar para que parasse.

Também enfatizou de que em nenhum momento eu deveria usar a força ou iria assustá-lo.

Dei um pequeno sorriso, orgulhosa de mim mesma assim que consegui fazer o cavalo se mover. Ele parecia estar se acostumando comigo e não tinha me assustado até agora e vice-versa. Acariciei sua cabeça e ele caminhou comigo em suas costas calmamente.

Porém, ao ouvir um grito, olhei para o lado e arregalei os olhos ao ver Milena montada num cavalo demasiadamente agitado. Ela continuou gritando e isso parecia agitar cada vez mais.

— Milena, para de gritar! — pediu Karen.

Bom, não adiantou pois ela continuou berrando, completamente assustada. A instrutora olhou na nossa direção, estranhando o alvoroço e montada no seu próprio cavalo, veio até nós.

— O que foi que ela fez com nosso cavalo? — questionou num tom sério.

— Deve ter batido forte demais nele — informou Karen à instrutora.

A expressão da instrutora refletia sua voz.

— Ela vai acabar caindo do cavalo daquele jeito. Talvez se a gente...

— Deixe ela cair — disse a instrutora em desdém. — É bom que aprende a não fazer de novo.

E sem prestar mais nenhum apoio, a instrutora se vai para as alunas mais experientes que já conseguiam andar sem muitos problemas como nós.

— Inútil — ouvi Karen balbuciar.

Decidi apenas ignorar. Deve ter sido apenas um comentário bobo que eu devo ter entendido errado.

Minha colega então incitou o próprio cavalo a ir atrás do da Milena ao perceber que o cavalo dela se afastava em meio aos seus gritos. Milena estava sendo levada para longe e parecia se agarrar firme ao cavalo. Notando minhas duas colegas se afastando — e que a instrutora pouco se importava conosco —, decidi segui-las, afinal, ainda nos considerava uma equipe.

Andar numa velocidade mais alta era completamente desconfortável e em alguns momentos pensei que cairia da sela, mas imitei a posição da Karen, uma mais abaixada e a segui pela campina. Aos poucos a floresta se aproximava, mas apesar disso, Karen nem sequer recuou.

O cavalo de Milena adentrou agitado as florestas e ao chegar no começo da mesma, Karen desacelerou o cavalo e desajeitadamente fiz o mesmo — quase caí.

— Uma hora ela vai bater a cabeça num galho e o cavalo vai ficar menos agitado — disse Karen, parada no início da floresta.

— Acha que ela vai ficar bem? — questionei já que ela entendia do assunto.

— Talvez. Depende da pancada que vai levar. — A garota deu de ombros. — Vamos dar uma olhada, se não a encontrarmos, que ela dê um jeito de sair sozinha depois.

É a melhor ideia até agora, concordei com ela mentalmente antes de avançar pouco atrás com o cavalo lento. Tive de me abaixar várias vezes para não acabar batendo a cabeça. Pelos gritos da Milena já terem se encerrado, imaginava que ela já havia se acidentado.

Então, enquanto estamos trotando floresta adentro, risadinhas femininas enchem meus ouvidos. Franzo o cenho, deixando o cavalo seguir caminho ao mesmo tempo que passei a olhar ao redor. As risadinhas foram tão repentinas que haviam capturado minha atenção.

Mais risadinhas foram ouvidas até a Karen parar numa clareira e olhar ao redor, possivelmente procurando a Milena. Essa coisa de risadinha deve ser coisa da minha cabeça.

Porém, meu coração dá um pulo no peito ao uma garota aparecer na minha frente, pendurada na árvore. Possuía um sorriso divertido no rosto e estava de cabeça pra baixo, mostrando que se pendurava na árvore apenas com as pernas. Soltei um grito. Seus cabelos verdes balançavam.

O cavalo de cara também se assustou.

— Cia, acalma ele. Acaricia — diz Karen de imediato.

Com o coração ainda acelerado, passo a mão pela cabeça do cavalo e murmuro palavras calmas. A garota de cabelo verde soltou uma risada e ergueu o corpo com as pernas com ajuda das mãos, sentando-se no tronco usado para se pendurar.

— Ooooooi — disse, acenando, ainda rindo.

Fiquei mais aliviada quando o cavalo se acalmou, mas dentro de mim nada parecia calmo. Ergui uma mão num aceno assustado. A garota tinha pele escura, embora fosse mais clara que o tronco da árvore. Seus olhos tinham o mesmo tom dos seus cabelos e seu corpo estava envolto de um vestido de folhas muito bem confeccionado. Estava descalça e nada prendia seus rebeldes fios cacheados.

— Quem é você? — questionei, a encarando.

Ao invés de receber a resposta da garota, Karen olhou pra mim num olhar questionador. Engoli em seco. Talvez apenas eu estivesse sendo louca de ver a garota na árvore. Será que as coisas estranhas não podem parar de acontecer comigo?, quase choraminguei. A maldição não parecia mais tão esquisita perto de todas as coisas que ultimamente aconteciam.

— Com quem está falando, Cia? — perguntou Karen a mim.

— Ninguém — menti, balançando a cabeça.

— Ótimo, vamos continuar procurando a Milena.

Por que ela também não pode ver a garota de verde?, questionei a mim mesma. Parecia a mesma situação louca do "livro invisível" que a propósito continuava desaparecido. Será que havia perdido o privilégio de ser a única a vê-lo?

Quando olhei de volta para garota na árvore, suspirei aliviada por já não vê-la mais. Tudo não passou de uma visão maluca. É o nervosismo. Ele deve estar afetando sua sanidade, tentei encontrar uma real resposta para todos os acontecimentos. A maldição era suficientemente esquisita na minha vida.

Karen incitou o cavalo a andar, mas antes que chegasse ao trote, soltou um grito repentino. De imediato seu cavalo se assustou — até eu me assustei — e ela precisou fazer o que eu fiz: acalma-lo com palavras doces e carícias.

— O que foi? — questionei, fazendo meu cavalo aproximar-se dela assim que conseguiu acalmar seu equino.

— N-Nada... — sua voz trêmula entregou sua mentira.

Ao olhar mais para frente, vi a mesma garota de verde, rindo aos montes.

— É tão engraçado... — disse, ainda rindo. — Duas filhas da noite tão assustadas.

Duas?, a pergunta me perturbou mais do que ter sido chamada de "filha da noite".

— Você também pode vê-la — digo, entendendo o que se passava.

Karen negou com a cabeça.

— Não sei do que está falando.

A garota da árvore então levitou e eu fiquei ainda mais assustada. Ela voou até ficar frente a frente com a Karen. Esta arregalou os olhos esverdeados, parecendo tão assustada quanto eu.

— Não sabe é? — debochou a garota na frente de Karen. — As duas podem me ver. Aliás, antes de acharem que sou um duende, sou uma ninfa.

Então a ninfa voa ao nosso redor, soltando mais risadinhas.

— Guardiã dessa floresta — anuncia ao desaparecer, fazendo sua voz ecoar entre as árvores. — O que estão fazendo na minha casa?

Ela sentou-se num galho grosso e nos encarou com as pernas cruzadas.

— Procuramos uma amiga. — possivelmente entendendo que não adiantaria mais disfarçar, Karen é quem pergunta. — Ela se perdeu por causa de um cavalo descontrolado.

— Ah sim. — A ninfa faz um gesto de desdém. — Se a querem tanto assim, é só seguir naquela direção. Não está muito longe.

A guardiã apontou numa direção e Karen assentiu, indicando que havia entendido.

— E é melhor correrem porque ela está prestes a morrer.

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