Capítulo 8 - Primeiro dia, primeira punição

Acordo como sempre fazia todas as manhãs. Bocejo, ainda sonolenta e aos poucos vou abrindo os olhos, me acostumando com a claridade do sol que entra pela janela. Quando vou recuperando a consciência, é que arregalo os olhos de susto.

Céus, que horas são?, me fiz a pergunta mentalmente, olhando para as paredes em busca de um relógio. Em seguida me lembro que não havíamos direito a ter um. Porém, tinha medo do que a claridade do sol poderia indicar. Esperava que ainda não tivesse passado das seis da manhã.

Para me deixar ainda mais preocupada, meu livro esquisito não estava no local que deveria. Olhei ao redor mais uma vez, procurando o livro que havia roubado da biblioteca e não consigo acha-lo. Meu coração bate forte no peito. Não era possível que tinha sido roubada. Não, não, não..., pensei em completa frustração.

Então uma enorme vontade de chorar inundou meu peito.

Precisava decifrar as palavras estranhas e agora nem ao menos tinha o livro. Que maravilha. Como devolveria para a biblioteca agora? O dono dele com certeza já deve ter dado conta do sumiço. Ou descobriram que você pegou emprestado e vieram busca-lo sem que se desse conta, esse pensamento não me deixava tão desesperada ao menos.

Me sentei na cama, voltando a focar no horário. Agora precisava chegar no refeitório antes que o horário passasse. Desci a escada do beliche e dei de cara com uma Milena dormindo profundamente, pouco despreocupada.

— Milena, acorda — digo, chegando a balançar seu ombro. — Já amanheceu.

Ela resmunga qualquer coisa e eu lhe dou as costas. Agradeci mentalmente por ter sido inteligente o suficiente em ter vestido as roupas obrigatórias no dia anterior. Porém, me dou conta de que alguém foi muito mais inteligente: Karen. Sua cama estava vazia e arrumada. Possivelmente havia saído mais cedo para garantir que não seria punida no primeiro dia.

Então o treinamento é uma espécie de competição também é? Ela bem que podia ter nos acordado mais cedo, pensei até porque eu havia feito esse favor para Milena. Talvez fôssemos uma equipe.

— Vamos, Milena. Vamos acabar nos atrasando se não andar logo — a apresso.

Aos poucos ela foi se levantando da cama, esfregando os olhos. Pelo menos ela já estava pronta para sair. Nós duas calçamos nossas botinas tentando ser o mais rápidas possíveis e juntas saímos do quarto, apressadas.

— Cadê a Karen? — questionou enquanto andávamos pelo corredor.

— Não sei. Ela deve ter ido sem a gente.

— Que traíra! — disse indignada. — Ela podia ter nos acordado.

— Eu sei.

Passo a correr quando saímos do prédio. Agora precisávamos saber onde se encontrava o refeitório. Pra minha desgraça, não havia ninguém no pátio do acampamento, o que deveria significar que todas deveriam estar no refeitório há tempos.

Mesmo assim não perdi as esperanças ao correr na direção de uma construção menor ao lado da principal.

— Você sabe onde fica? — questionou Milena ao corrermos.

— Não.

Você deveria ter vindo conhecer o local ontem. Teria ganhado vantagem, pensei, me odiando por não ter tido essa ideia no dia anterior. Não estaria desesperada pra achar o local agora se soubesse onde ficava.

Porém, meu coração ficou mais aliviado ao ouvir vozes do outro lado da porta do que eu supunha ser o refeitório. Abri a porta e nesse instante as vozes se cessaram. Meu coração parou no peito. Todos os olhares estavam focados em mim e na Milena.

— Parece que temos as primeiras Iniciandas a receberem a punição — anuncia uma Guerreira qualquer.

Com isso, algumas Guerreiras riem, outras apenas observam decepcionadas e mais algumas olham com cara feia. As Iniciandas apenas olham assustadas para nós. Algumas até tinham pena. Entre esses olhares estavam os grandes olhos verdes da Karen. Sua expressão estava neutra e ela não comia nada, apenas estava sentada numa mesa vazia.

— Por que não se juntam com a amiga de vocês? — disse alguém com deboche. — Ela estava precisando de companhia.

Ouço risadas antes de abaixar a cabeça e seguir para mesa da Karen. Estava completamente envergonhada. Nunca pensei que meu primeiro dia de treinamento seria à base da humilhação.

Milena e eu sentamos no mesmo lado do banco de madeira.

— Por que não chamou a gente, garota? — Milena questionou, inconformada.

— Achei que deveria cuidar de mim mesma, não ser babá — Karen respondeu. Sua expressão estava fechada.

— Ah é, saiba que por sua culpa, nós duas vamos ser punidas.

— Não só vocês — disse, desviando o olhar num revirar de olhos. — Também fui punida porque tínhamos que chegar juntas.

— Então somos uma equipe, espero que não se esqueça disso.

Karen claramente decidiu ignorar o comentário áspero de Milena. Eu apenas decidi ouvir as duas, não querendo me envolver na pequena discussão. Estava ocupada demais pensando em qual poderia ser nossa punição por termos chegado atrasadas.

Como se meus pensamentos estivessem sendo ouvidos, uma mulher de expressão severa se aproxima da nossa mesa. Logo o deboche vai tomando conta das suas feições.

— Como se sentem ao serem as primeiras a falharem na primeira lição? — Ela estava achando graça.

Todas nós optamos por não responder.

— Saibam que não estamos aqui brincando de sermos Guerreiras. Nós somos e pretendemos ensinar garotas como vocês a serem também. Entretanto, duas coisas são fundamentais nesse processo: obediência e disciplina. Se não tiver nenhum dos dois, pode ter certeza que estão no lugar errado.

Continuamos sem ter coragem de dizer uma palavra.

— A punição de vocês será leve hoje porque estou de bom humor. Ficarão sem o café da manhã e estão proibidas de assistirem à aula de hoje. Estava programado aprenderem a montar um cavalo e amanhã já andar em cima dele. Perdendo a aula de hoje, espero que consigam dar um jeito de andar com ele amanhã.

Ela solta uma risada amarga.

— Espero não ser obrigada a ver a carinha de vocês novamente, tudo bem? Estamos entendidas?

— Sim... — respondi à meia boca. Milena fez o mesmo.

Karen apenas assentiu.

— Sim o quê? — sua voz assumiu um tom rude.

— Hã... — deixei escapar minha confusão.

— Oficial Intringer. Repitam! — ordenou.

— Oficial Intringer — dessa vez nós três falamos em uníssono.

A expressão da oficial se fechou e ela acenou com a cabeça antes de ir. Respirei aliviada. Acho que podia sobreviver ficando apenas sem o café da manhã. Agora perder a primeira aula...

— É claro que a Karen terá o prazer de nos ensinar a montar cavalos, não é mesmo? — provocou Milena sarcasticamente.

Karen a encarou. A expressão ainda neutra.

— Claro que sim. Já tive um. Só cuidado para não cair da cela.

O comentário da Karen pegou Milena desprevenida. Afinal, ela sabia mesmo andar a cavalo?

Era palpável a tensão que ocorria entre as duas. Mesmo a Karen parecendo serena, cedeu às implicâncias hostis de Milena. Sua última frase foi com certeza uma sutil ameaça. Isso porque éramos uma "equipe". Imagina se fôssemos rivais de verdade.

— Quero aprender também — digo, fingindo que as duas não estavam prestes a pular no pescoço da outra. — Nunca montei num cavalo.

— É fácil — disse Karen, dando de ombros.

— Sabe o que mais seria fácil? Nos acordar para virmos tomar café da manhã.

Karen levantou bruscamente, claramente ofendida.

— Com licença — pediu, brava.

Então ela caminhou a passos fortes até a entrada do local.

— Onde pensa que vai, Inicianda? — a voz da oficial Intringer ecoou por todo refeitório.

As vozes de conversas aleatórias se silenciaram novamente.

— Pro meu quarto. Não posso comer, então o que estou fazendo aqui?

Muitas respirações foram audivelmente seguradas. Até eu parecia surpresa com o tom bravo vindo da Karen. A oficial não respondeu de imediato. Ela caminhou em passos lentos até a garota na entrada. Logo ambas estavam cara a cara. Apesar de todo seu ar autoritário, quem se destacava levemente na altura era minha colega de quarto.

— Se sair por essa porta, estará concordando em sofrer a segunda punição — a ameaça foi clara.

— Se a punição for me tirar desse acampamento, então eu agradeceria.

A tensão do momento se refletiu nos punhos discretamente cerrados da garota. Porém, quem acabou levando um tapa no rosto foi a própria Karen. O estalo ecoou em meio ao silêncio do refeitório. Ninguém queria se manifestar ao seu favor.

— Trate-me com respeito, garota — exigiu Ramona.

Intringer segurou minha colega de quarto pelo braço como se ela fosse uma garota birrenta e a arrastou para fora do refeitório. O silêncio do local continuou por alguns segundos antes de tímidas conversas se iniciarem. Olhei para Milena, querendo ver sua reação com ocorrido e pelo jeito ela parecia não se importar com a garota.

— Teve o que mereceu — resmungou.

— Não tem dó? E se a deixarem seu comer mais tempo? — digo pois agora tinha ficado preocupada.

— Quem se importa? Ela não pensou nas nossas consequências antes de vir sem a gente.

Decidi que o bom não era discutir sobre isso. Em partes Milena tinha razão. Se Karen não tivesse levado uma punição com a gente, as chances pareciam pequenas de que no dia seguinte ela agiria diferente.

Mesmo assim estava com medo por ela.

O tempo pareceu se arrastar depois disso. Eu e Milena trocamos algumas palavras antes de outras Guerreiras nos liberarem do refeitório, dizendo que deveriam se apresentar em cinco minutos para a primeira aula de equitação. Saímos juntas, na direção do nosso quarto. Não tínhamos permissão para assisti-la por causa do nosso atraso.

Ao entrar no quarto, subi para minha cama, desabando na mesma. Milena não agiu diferente ao ir para própria cama.

— Ei, você percebeu que tinha um relógio no refeitório? — comentou ela depois de um tempo.

— Hmm, não — confesso.

Meus pensamentos ficaram presos na Karen enquanto estivemos lá.

— Bem, quando o café da manhã terminou, eram umas sete horas. Agora deve ser umas sete e dez. É só a gente ir deduzindo assim e ir memorizando a posição do sol.

— É um bom plano — confessei.

Instintivamente olhei pro lugar onde meu livro costumava ficar e suspirei. Não tinha se passado nem um dia direito e eu não fazia ideia de onde esse livro pode ter ido parar.

A princesa vai ficar furiosa comigo.

Antes que eu pudesse continuar me culpando, a porta do quarto é aberta devagar e uma Karen machucada entra em silêncio. Ela caminha calmamente até a janela do quarto. Por um segundo ela apenas olha a paisagem.

Até que se inclina e deixa que o sangue do nariz escorra do seu rosto.

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