Capítulo 6 - Devo ter medo por ter ido passear com a princesa?

Nós quatro chegamos junto com a governanta no jantar de comemoração. Muitas garotas já estavam em seus lugares. A governanta nos guiou em meio às moças e nos fez sentar na mesa de costume. Tudo era numerado para que nenhuma garota ficasse sem seu lugar.

As comidas começaram a serem servidas e como todo o almoço e jantar, fui me servindo. Por dentro eu ainda pensava naquela esquisitice da bibliotecária atravessando o livro misterioso. As coisas estranhas já podem parar de acontecer comigo agora, pedi internamente.

Me comportei como se nada estivesse de errado comigo. Era a segunda vez naquele dia que eu precisava agir naturalmente contra minha vontade. Logo minha atenção se voltou à elevação que servia de palco para princesa. Ela sorria ternamente.

— Boa noite minhas meninas — disse, elevando o tom de voz para poder ser ouvida em meio aos talheres batendo nos pratos. — É com grande honra que as recebo neste salão. Hoje acabaram de descobrir que são as escolhidas para permanecerem no treinamento. Nenhuma palavra é capaz de exprimir meu sentimento de orgulho que sinto por vocês.

Ao olhar ao redor, consegui captar muitos sorrisos.

— A próxima fase deste treinamento já está em curso. Amanhã bem cedo deixarão o castelo e irão direto para o quartel militar. É lá que iniciarão de fato o treinamento. Aprenderão o essencial para receber o título tão importante de Guerreira. Espero que deem o melhor de vocês para no final do mês fazerem parte das nossas combatentes.

Quem podia, vibrou em meio ao fim do discurso bem preparado da princesa. Ela se despediu com um aceno formal de cabeça e desceu da elevação, sendo guiada para fora do salão por uma Guerreira. Acompanhei ela com o olhar e suspirei por não ter recebido nenhuma atenção especial.

Uma qualquer em meio a muitas.

Continuei aproveitando da comida. A próxima fase do treinamento parecia ser a mais interessante. Era empolgante saber que podia me tornar tão forte quanto a minha irmã. Deixaria tanto ela quanto a minha mãe orgulhosa.

O jantar durou mais ou menos uma hora. Neste momento meu estômago não aguentava nem mais uma garfada sequer. Sentia que iria explodir. Não deveria ter exagerado tanto.

— Licença — digo às garotas da mesa.

Elas assentem, indicando que eu estava liberada. Até a governanta afirma. Dou as costas a elas e saio pelos corredores. O coração explodia de alegria por ter sido aceita. A princesa se orgulharia de mim também, futuramente.

— Senhorita Acácia?

Virei o rosto na direção da voz que chamava por mim. Meu corpo inteiro paralisou ao ver quem me chamava. A princesa Marilene.

— Sim, Alteza? — respondi, fazendo mesura enquanto ela se aproximava de mim.

— Me acompanhe. Quero fazer um passeio com você.

A princesa estendeu o braço na minha direção e por um segundo fiquei sem saber o que fazer. A perplexidade me atrapalhou. Engoli em seco e quando caí em mim, estava aceitando seu braço estendido, enlaçando nossos braços.

Caminhamos juntas silenciosamente pelos corredores até sairmos pela entrada principal, adentrando o jardim. Este era liberado para passeios matinais.

Naquela noite a princesa trajava um vestido rosa chamativo. Um coque prendia seus cabelos dourados e diversas presilhas da cor do vestido enfeitavam todo seu penteado. Luvas escondiam suas mãos, embora seu vestido longo fosse de manga curta. Entretanto o mesmo estava cheio de volume tanto na saia quanto nas mangas bufantes.

— Sabe, eu tenho uma grande paixão por literatura — começou ela. — Por isso faço questão de manter uma biblioteca em meu castelo. Conseguiu visita-la?

Afirmei educadamente com a cabeça.

— O que achou dos livros?

— Muito bons, Alteza. Dá pra perceber seu bom gosto para literatura.

— Ah, então já deve ter desfrutado de alguns dos meus livros, certo?

Assenti em confirmação. Tentava demonstrar o máximo de formalidade possível. Não iria decepcionar a princesa mais uma vez.

— Sim, sim. Todo dia eu escolho alguns para ler.

— A senhorita não tem ideia do quanto isso me deixa contente. — Novamente um sorriso terno veio dela. — Que tipo de literatura mais se interessa?

Não respondi de imediato. Mordi levemente o lábio, pensando no que poderia dizer. Não sabia se seria errado dizer que tinha muito interesse em saber das coisas do passado. Isso poderia ser considerado crime? Possivelmente não, Cia. Se fosse, não teria motivo daqueles livros estarem na biblioteca. E outra, não tinha nada comprometedor naqueles livros, tentei me tranquilizar mentalmente.

— Eu tenho uma grande curiosidade quanto ao passado — respondi, não querendo demonstrar o quanto estava hesitante.

Uma futura Guerreira não poderia ser medrosa.

— É mesmo? Sabe, são raras as garotas que possuem tanto interesse no que aconteceu no passado — disse num leve ar de desdém. — Costumo dizer para esses tipos de moça que deve-se esquecer o passado. Por que nos preocupar com ele? Desfrute o presente, querida.

— Não, não. Vossa Alteza não está me compreendendo. Eu quero descobrir o passado para entender o presente.

O olhar seguinte que dirigiu a mim foi em forma de uma pergunta silenciosa.

— Existem algumas coisas que quero entender. Por exemplo o que há do outro lado do muro e por que ele existe, o que havia antes da formação do reino, essas coisas.

Compreensão atingiu sua expressão.

— São coisas irrelevantes, senhorita Acácia. Não deve se preocupar quanto a esses detalhes. São coisas irrelevantes — ressaltou. — Se fossem de fato importantes, teriam sido abordadas durante as aulas de história.

Fiz um gesto de cabeça, indicando que havia entendido. Pelo jeito não conseguiria extrair muita coisa da princesa e não queria perturbá-la com minhas curiosidades.

— Há algum livro que achou demasiado importante? Ou talvez incomum?

Será que ela está se referindo ao livro esquisito?, a pergunta instintivamente chegou aos meus pensamentos. Tive que morder meus lábios novamente. Esses tipos de perguntas vagas me deixavam hesitante.

— Não, princesa. Não achei nada que precisasse de muita atenção.

— Certo.

Sua resposta curta me deixou ainda mais hesitante, mas internamente eu parabenizava a mim mesma, dizendo que tinha feito a escolha certa. Aquele livro era esquisito demais e ela não entenderia com certeza se eu explicasse a forma como a bibliotecária o atravessou. Talvez a princesa nem soubesse da existência dele.

Depois de um tempinho percebi que estávamos no centro do jardim principal. A lua estava tão brilhante aquela noite que iluminava toda decoração central, deixando-a deslumbrante, como se tudo refletisse a luz da lua.

— Aliás, estou encantada com esse seu colar. Foi um presente?

Ela me convidou para sentar num dos bancos antes que eu pudesse responder a sua pergunta.

— Sim. Último presente da mamãe antes de eu vir para o treinamento.

— Achei ele muito interessante. — Seus dedos pálidos tocaram o pingente de maçã.

Porém, algo acabou me chamado a atenção. No seu braço tinha um bracelete de prata com uma pedra idêntica a do meu colar. Estava negra como a noite. Pareciam que seu bracelete e meu colar faziam parte de um conjunto único. Franzi o cenho, observando-o. Logo seus dedos deixaram de tocar o pingente do meu colar.

Decidi não comentar sobre seu bracelete e meu colar, afinal, o meu tinha ligação com a minha maldição, por isso, não seria bom tocar nesse tipo de assunto. Será que a princesa também possui uma maldição?, questionei a mim mesma naquele momento.

— Princesa? — chamei por ela parecer estar entretida com os próprios pensamentos.

As vezes a princesa Marilene tinha essa capacidade. No geral, todos sabiam e já estavam acostumados com seu jeito reservado. Não me surpreendia o fato de se deixar levar por suas preocupações internas. Imaginava a grande responsabilidade que era ser uma princesa.

— Sim, senhorita? — disse, deixando seus olhos azuis recaírem sobre mim.

— Se me permite perguntar, como você consegue ser imortal?

Seu olhar desviou-se do meu e encarou o céu estrelado. A lua brilhava intensamente. Estava linda. Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios, como se estivesse se lembrando de algo engraçado.

— Não queira ser imortal, senhorita Acácia. A imortalidade é a minha maldição.

Sua resposta congelou meu corpo por um momento. Parecia que ela havia lido meus pensamentos. Talvez a imortalidade fosse de fato sua própria maldição.

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