Capítulo 3 - Só posso estar sonhando

Fiquei um tempinho encarando aquela silhueta, sem saber se o certo seria eu deveria ir até ela.

— Não tenha medo, Cia — ela me garantiu.

Embora não conseguisse ver boca alguma se mexendo para falar comigo, seus olhos continuaram focados em mim, então presumi que a mensagem havia vindo dela.

Logo estava caminhando na direção da silhueta que mantinha os olhos brilhantes como estrelas vidrados em mim, observando cada passo que eu dava.

Ao chegar na janela, a silhueta estendeu a mão na minha direção, ultrapassando o vidro como se fosse apenas uma sombra. Hesitante, aceitei sua mão e fui puxada na direção do vidro, o atravessando com sua ajuda. Seus dedos eram frios.

A silhueta começou a andar e eu me obriguei a segui-la. Não estava entendendo seus motivos ou para onde estava me levando. Não sabia nem o que era. Mamãe nunca havia dito nada sobre mulheres estranhas. Mas alguma coisa interna me sugava na sua direção como um ímã.

— Quem é você? — achei voz para perguntar.

Seu brilhante olhar recaiu sobre mim e ela levou o indicador onde deveria ficar a sua boca, indicando que queria silêncio. Isso só serviu para atiçar minha curiosidade. Logo passei apenas a prestar atenção na silhueta escura. Ela parecia ter a mesma maldição que eu. A maior diferença eram os olhos brilhantes — e bem, a boca que não possuía. Fora que era bem mais alta que eu.

Ela continuou caminhando silenciosamente para algum lugar. Olhei para cima e notei que a lua estava brilhante e as estrelas pareciam acompanhar a lua na beleza. Não costumava sair de casa para observar o céu noturno, mas agora, podia ver o quanto era belo.

Enfim chegamos a uma espécie de jardim florido. Porém, quando fui tentar passar o arco de prata que simbolizava a entrada, uma espécie de parede invisível me impediu. Faço uma careta. Eu tinha batido a cara nela. Doeu.

A silhueta, notando o que havia acontecido, tocou com a ponta do dedo, fazendo surgir um brilho dourado. Logo ela estava desenhando um circulo, em seguida outro dentro deste e mais um. Três círculos, um dentro do outro. Por fim ela fez diversos símbolos estranhos e estes se tornaram um portão brilhante que se abriu para mim.

Entrei no jardim.

Uma energia diferente tomou conta do meu corpo. Era uma sensação incrível e inexplicável. Soltei uma risadinha ao perceber que a cada passo que eu dava, poeira brilhante, parecendo purpurina, saltava da grama esverdeada. Vento começou a espalhar essa purpurina ao meu redor e ao olhar mais pra frente, vejo a moça no centro do jardim.

Pontos brilhantes aparecem por todo seu corpo e aos pouquinhos estes se transformaram em um vestido que toma a cor verde-azulado com diversos brilhos prateados, parecendo estrelas. Seus cabelos ficam da mesma cor de sua roupa, juntamente com seu olhar. Agora sim eu via uma forma humana.

Ela fez um gesto para o alto e uma coroa de estrelas foram se formando em seus cabelos. A coroa brilhava tanto que me deixava embasbacada. Tive que pressionar os olhos para não arderem com tamanho brilho. Assim que a coroa belíssima terminou de ser formada, ela deu alguns passos na minha direção até estar frente a frente comigo.

Não consegui mover um músculo pois admirava encantada a sua beleza.

— Eu, Astéria, deusa das estrelas — enquanto dizia, retirava a coroa brilhante da própria cabeça —, nomeio você, Acácia, minha herdeira, a que possui o meu nome em homenagem a mim. Eu lhe nomeio agora, princesa das estrelas, pequena Astéria.

Então a deusa colocou a coroa nos meus cabelos e uma energia sobrenatural preencheu meu corpo como se eu tivesse me tornado mais poderosa e a minha maldição recuou, fazendo minha pele esbranquiçada voltar. Um vestido negro com tanto brilho quanto o seu vestido, tomou conta do meu corpo. Meus cabelos pareceram se ajustar perfeitamente à coroa.

— Por quê? — achei voz para perguntar.

A mulher colocou um pequeno sorriso no próprio rosto e fez um último gesto com a mão.

Acordei com o coração saltitando agitado no peito. Meus olhos arderam com a claridade do quarto. Parece que a manhã já havia chegado e minhas colegas de quarto já não estavam mais por ali. Droga, eu devo ter me atrasado para o desjejum.

Passei as mãos pelo rosto, percebendo que estava suando frio. Ao tentar secar o suor com as próprias mãos, assim que cheguei no pescoço, notei que o colar ainda permanecia lá. Um sonho, Cia. Foi só um sonho. Você deve ter pegado no sono e nem deve ter percebido, meus pensamentos tentaram me confortar diante da situação.

Tirei os cobertores do meu corpo e constatei que estava ficando maluca. Até a camisola que haviam nos oferecido, eu estava vestida. Isso só sustentava a ideia de que tudo não havia passado de um sonho. Um sonho bem insano.

Saí da cama e caminhei na direção do armário, abrindo-o. Me deparei com diversos vestidos e fiz questão de escolher um amarelo. Logo estava me vestindo. Não queria ser a única fora das atividades programadas do dia. Prendi meus cabelos num coque e saí pelos corredores, em busca de algum sinal das meninas.

— Oh, o que a senhorita está fazendo por aqui?

Tenho um sobressalto quando uma criada se dirige a mim.

— Hmmm, eu me atrasei — digo meio sem graça. — Onde estão as outras garotas?

— Tendo suas aulas no andar de baixo.

Assenti e me pus a correr na direção das escadas. Nossos quartos ficavam no segundo andar. Desço rapidamente cada degrau, tomando cuidado para não tropeçar no vestido longo e enfim estou olhando para os lados, procurando algum sinal de qualquer garota. Quando lá no final do corredor à direita eu vejo uma garota saindo de uma sala, suspiro aliviada. As aulas devem estar sendo por ali.

Apressei o passo e demorou alguns minutinhos até eu estar olhando a janelinha das salas, procurando as minhas colegas de quarto. Haviam só quatro garotas por sala, então presumi que estavam separando dessa forma.

Mordi o lábio ao achar minha sala e toquei na maçaneta, com receio de abrir. Era meu segundo dia naquele castelo e eu já estava cometendo uma grande gafe: chegar atrasada no primeiro dia de aula.

Decidi dar duas batidinhas para anunciar minha chegada e embora a expressão da governanta não tivesse sido muito boa, ela assente, me dando permissão para entrar.

— Perdão pelo atraso — digo, sentando na única cadeira vazia.

— Por hoje está perdoada, mas peço que isso não se repita, senhorita Astéria.

Confirmei com a cabeça, indicando que havia entendido. Não cometeria mais erros.

— Como eu estava dizendo, Yanche, nosso país, foi formado há vários séculos atrás...

Então a governanta continuou contando a história da formação de tudo. Do nosso país até nossa sociedade feminina, as castas... Essas coisas que geralmente aprendemos em casa mesmo. Porém, ela não entra em detalhes sobre o início do reinado da princesa e essa é uma questão que sempre me deixou curiosa. Toda vez que eu questionava minha mãe, ela se negava a responder.

Levantei a mão. A governanta me deu permissão para falar.

— Como foi que começou o reinado da princesa Marilene?

Um silêncio constrangedor se seguiu por um momento.

— Creio que isso não tem importância para nós agora, Acácia.

— Por quê? — perguntei instintivamente.

— Porque ela sempre reinou entre nós. Ela é imortal, Acácia. A história dela é complexa e não necessita de ser detalhada.

Não fiquei satisfeita com a resposta. Parecia a mamãe respondendo.

— Por que ela é imortal e nós não? — decidi investir em outra pergunta.

A governanta veio até mim e segurou minhas mãos, olhando bem fundo nos meus olhos claros.

— Preste atenção, querida, só foque naquilo que eu disser, tá bom? Sem mais perguntas.

Ela se afastou, largando meus dedos. Isso só me atiçava a perguntar mais. Eu queria respostas, mas sabia que ninguém estava disposta a me dar. Talvez tenha algum livro que explique essas coisas, não foi uma má ideia que me ocorreu. Prometi a mim mesma que iria até a biblioteca mais tarde conferir.

— A guerra entre homens e mulheres começou há vários anos atrás e atravessa gerações entre conquistas e derrotas...

Suspirei. Odiava ouvir aquilo que já sabia. Gostaria de ouvir algo novo, mas pelo jeito teria que me contentar com aquilo. Droga.

Continuei prestando atenção, sem tanto interesse quanto eu deveria demonstrar. Não sei quantas horas durou aquela aula sobre história. Só sei que quando a governanta nos liberou, deixou claro que tínhamos apenas uma hora livre para passear pelo castelo antes do horário de almoço.

Embora as meninas tenham pedido para passearmos todas juntas no jardim, minha curiosidade me moveu a recusar o convite e a caminhar na direção da biblioteca. Tive que perguntar algumas vezes antes de conseguir de fato chegar nela.

Ao chegar, tinha umas cinco garotas se ocupando com um livro qualquer. Caminhei pelas prateleiras, procurando...

— Posso ajudar? — Tenho um sobressalto com a bibliotecária.

— Hm, eu... tô procurando algo sobre a história de Yanche.

Ela então fez um gesto para as últimas prateleiras. Fiquei surpresa pela as duas estarem completamente cheias de livros. Abri um sorrisinho, certa de que com algum daqueles livros, encontraria as respostas que tanto queria.

Andei apressada na direção das prateleiras, sentindo a curiosidade tomar conta de mim. Toquei os livros e avaliei os títulos. Tinha vontade de pegar todos eles e ler de uma vez, entretanto, precisava saber escolher qual leria primeiro. Fui avaliando os títulos e logo escolhi um. "O início dos tempos". Peguei mais um chamado de "A princesa Marilene" e decidi por fim vasculhar o finzinho da prateleira, lá embaixo, bem no cantinho.

Aqueles sim pareciam livros antigos.

Tossi por conta da poeira e ao puxar um dos livros empoeirados, um em especial caiu e de imediato minha atenção foi chamada pelo livro caído.

Sua capa era preta e pra minha surpresa, tinha os mesmos símbolos estranhos que a deusa Astéria fez no portão invisível do jardim no meu sonho.

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