Le Cordon Bleu

Os dias se passaram e Bianca, mesmo tão jovem, já pôde sentir muitas mudanças significativas dentro de si. A dor e o desespero foram gradualmente sendo substituídas pela aceitação e saudades imensas de sua mãe. Sentia também, em um canto mais escuro de seu coração, um sentimento que não lhe agradava nem um pouco: a mágoa.

Já tinha provado da sensação amarga de decepcionar-se com alguém quando seu pai foi embora, mas agora, é inconcebível para Bia que no auge da doença de Dona Ruth, sua caçula deliberadamente tenha escolhido abandoná-la para viver uma paixão inconsequente.

“Nunca se abandona uma mãe, por pior que seja...” – Ela pensava com tristeza, enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto – “E a nossa querida mãe, a melhor do mundo, jamais deveria ter sido abandonada”.

O desânimo por muitas vezes é maior do que Bianca pode aguentar, mas era muito grata por em todas essas vezes Joana perceber seu desalento e dar-lhe o dia de folga, sem descontar um centavo de seu salário suado.

Certa manhã, enquanto observa a tristeza de sua empregada, agora amiga, Dona Joana percebe que era hora de interferir:

– Minha querida, larga esse rodo e senta aqui comigo para tomar um café.

– Mas, ainda não terminei a limpeza...

– Não importa, depois eu te ajudo a terminar. Venha aqui. – Disse sua patroa dando tapinhas na cadeira a seu lado.

Para não a contrariar, Bia larga o rodo e vai se sentar com ela.

– Tenho observado você Bianca e estou preocupada. Também percebi que tem comido pouco, minha filha.

Ouvir as palavras “minha filha” foi como um soco no estômago. Rapidamente as lágrimas se acumulam em seus olhos.

– Eu entendo sua tristeza, minha querida. Compreendo de verdade porque passei pela mesma coisa, com praticamente a sua idade. Essa dor é como uma estaca sendo cravada no peito e empurrada um pouco mais pra dentro todos os dias, não é mesmo?

– Sim... – Bia assente tristonha.

– Acontece que eu quero te contar minha experiência para que o mesmo não aconteça com você. Logo após a partida de minha mãe, conheci um rapaz que me fez acreditar de novo que valia a pena viver. Depois de passar por uma dor tão grande, eu não medi esforços para agradá-lo. Isso fez com que eu me esquecesse de lições importantes que minha amada mãe havia me ensinado. Como resultado, em pouco tempo eu estava grávida do José, sozinha, abandonada pelo pai dele, sem ter a menor ideia de como ganharia o nosso sustento...

Bianca escutava a história atentamente.

–As coisas foram muito difíceis e com muita batalha, conseguimos abrir esse restaurante, quando ele já era quase adolescente. Eu sei que não é grande coisa, mas eu tenho orgulho do que conseguimos, pois começamos do nada. Infelizmente o José teve que passar por muitas privações e hoje tem que desperdiçar seu talento nas ruas para ganhar um dinheiro extra, ao invés de estar estudando como deveria... – O olhar de Joana fica distante naquele momento, como se toda a sua vida passasse como um filme diante dela – Enfim, o que o importa não é o que aconteceu com a gente, mas o que vai acontecer com você de agora em diante.

Aquelas palavras gelam a espinha de Bia.

“Será que ela vai me mandar embora?” – Pensa com tristeza.

– O que quero dizer... – Joana continua – É que eu não quero que você passe pelo que tive de passar. Você é uma menina linda, jovem, cheia de vida e de sonhos e com muito potencial. Lembro-me como se fosse hoje de quando me contou pela primeira vez sobre o seu sonho de ser uma chef internacional. Confesso que naquele momento pensei que era muita ambição para uma garotinha vida do interior, mas conviver com a sua generosidade e seu talento todo esse tempo me fez ver que eu estava errada. Seu sonho não é impossível Bia e realiza-lo só depende de você!

Ter aquele reconhecimento deixou Bianca profundamente emocionada. Era a primeira vez que alguém além de Dona Ruth lhe dizia que tinha talento. E definitivamente era a primeira vez que era chamada de linda.

– Eu agradeço profundamente suas palavras, a senhora sabe que é como uma mãe para mim, mas eu...

– Ora, não me venha com desculpas mocinha. “Mas eu” nada! Você é sim linda, inteligente, talentosa e eu não permitirei que desista de seus sonhos na flor da idade. Você vai voar alto Bia, não pode desistir agora!

Voar alto... Ela havia prometido a sua mãe que faria isso. Bia sorriu, enquanto sentia as lágrimas secarem em seus olhos.

– A senhora tem razão. Eu não posso desistir.

– Exatamente!

– Obrigada Dona Joana, muito obrigada pela força.

– A melhor maneira de me agradecer é estampando seu rostinho em uma daquelas revistas chiques de culinária francesa que você estava lendo esses dias.

– A que eu comprei no sebo?

– Aquele mesmo! Hoje você lê uma revista usada, mas muito em breve você será a capa da revista do mês! Tenho certeza!

– Posso te dar um abraço? – Bianca questiona, sentindo a emoção tomá-la novamente.

– E precisa pedir menina? Vem cá e me aperta até esmagar meus ossos! – Joana sorri enquanto abre os braços para ela.

Ali, no silêncio gelado daquela pequena cozinha, Bia se aconchegou nos ombros da nova mãe que a vida lhe dera de presente. Ela nem imaginava que enquanto lhe abraçava com ternura, Dona Joana fazia uma força imensa para também não desabar no choro.

Com muita sabedoria e jogo de cintura, após dois anos de trabalho duro e muita economia, Bianca finalmente consegue juntar o dinheiro da passagem de avião para Paris. Apesar de desejar com todas as suas forças levar algum dinheiro na viagem, o que ganha não é suficiente para isso e o que sobra ainda precisa investir em seu passaporte, visto e tudo o que mais irá precisar.

“Vai ter que ser na cara e na coragem” – Ela pensa amedrontada.

O medo de chegar em Paris com uma mão na frente e outra atrás é imensa. País desconhecido, pessoas desconhecidas, cultura diferente... Um futuro incerto. A pequena sonhadora estuda o novo idioma com muito mais dedicação.

Com a rotina desgastante pensa se realmente vale a pena tanto esforço, afinal, pode ser que nunca consiga o que quer, também pensa se tem mesmo um dote culinário suficiente para ser chef, uma mistura de sentimentos diversos.

Chega ao seu quartinho, que tem sido uma casa para ela desde que chegou e pega o envelope de dinheiro escondido por detrás das caixas da prateleira, e se anima novamente quando termina de contar:

“4.998, 4.999, 5.000!” – Dá um gritinho de alegria, finalmente tinha o suficiente para a passagem, com alguma sobra para gastos adicionais.

“Chegou a hora” – Pensa sentindo um arrepio de ansiedade, felicidade e apreensão percorrer sua barriga – “Paris, attendez-moi!*”

No dia seguinte, arruma suas coisas e se despede com muita emoção de José e sua mãe. A viagem será uma mudança definitiva para sua vida e se tudo der certo, irá voltar apenas para visita-los. Com os acenos e desejos de boa sorte daqueles que foram sua única família nos últimos anos, ela caminha em direção ao portão de embarque, deixando um pedaço de seu coração para trás.

É com muita alegria que Bia senta em seu banco destinado para si no avião, sua jornada havia começado. Porém, aquelas mesmas sensações de insegurança voltam e Bia treina frases enquanto sobrevoa o oceano, frases que irá dizer para os primeiros franceses que encontrar.

Bonjour, comment allez-vous?* — Diz em voz alta.

A votre service, mademoiselle.* – O comissário de bordo se aproxima de seu assento.

— Oh, não, sou brasileira! Desculpe-me... — Bianca responde envergonhada — Estava apenas ensaiando um pouco de francês... É a primeira vez que vou para Paris.

O comissário lhe abre um sorriso largo.

— Pois me permita dizer que sua pronúncia está bem competente senhorita, parabéns!

Aquelas palavras deixam Bia empolgada e um pouco mais confiante em sua decisão.

— Merci monsieur! *

—De rien!*

Bianca percebe que está chegando quando vê de longe a famosa Torre Eiffel, abre um sorriso e sente seu coração bater muito forte enquanto olha a janelinha do avião:

— Mamãe, lembra quando eu disse que iria vir para cá algum dia? Pois é, aqui estou... Pena que você não está mais aqui para ver isso... — Diz baixinho.

Minutos depois, todos desembarcam e Bianca se lembra da última vez quando esteve sozinha numa cidade desconhecida, foi quando caminhou por alguns lugares e conseguiu ajuda, torce para que encontre outros anjos solidários.

Caminha por uma imensa praça verde do aeroporto e logo vê um ônibus chegando, lê no letreiro que aquele ônibus vai até o centro da cidade e corre para embarcar, acredita que lá terá mais facilidade de conseguir ajuda. Assim que entra no veículo, sente alguns olhares julgadores percorrerem seu corpo dos pés à cabeça. Ao contrário de anos atrás, desta vez sua roupa é um pouco mais nova, embora os calçados sejam gastos, mas isso não evita que seja encarada com estranheza por alguns dos que estão ali.

Decide rapidamente que isso não importa. Está em Paris e todo o resto que se dane!

Quando desce no ponto final, não tem ideia para onde ir nem o que fazer, então simplesmente caminha pelas ruas históricas da cidade, se encanta em cada passo, é do jeito que sempre imaginou. Observa os pequenos prédios que possuem várias janelas e muitas sacadas, é um bairro bastante arborizado, há várias mesas e cadeiras na calçada dos estabelecimentos alimentícios.

Uma mulher, que aparentemente é uma dondoca, se aproxima portando sacolas de marcas famosas e Bianca resolve parar para falar com ela:

— Com licença, senhora... Eu estou perdida, amm... — Olha seu dicionário rapidamente — Pode me ajudar, por favor?

Aquela mulher apenas balança a cabeça negativamente, depois continua seu caminho. Bia suspira mais uma vez, jogando seus ombros para frente, desapontada. Volta a caminhar observando as pessoas e não tem coragem de falar com mais ninguém.

Minutos depois de caminhada, encontra um local que lhe chama a atenção, parece ser um pequeno vilarejo no meio da cidade, tem um grande arco na entrada feito com vários tijolos vermelhos, ainda na entrada, há uma placa dizendo: “colocation - Cher endroit” * o que no Brasil é conhecida como republica. Sente que deve entrar ali.

Há vários arcos como a entrada que dão acesso a corredores estreitos, com várias portas distribuídas por toda sua extensão. O chão é revestido de pedras e as paredes com tijolinhos da cor carmim, além de várias plantas decorando o local, que é limpo e muito agradável. Após entrar, decide bater na porta mais próxima.

"Será que eu poderei ficar aqui?" Pensa enquanto olha em volta, tentando encontrar a porta mais próxima. Quando se vira para frente, alguém abre a porta no mesmo instante, ambas levam um susto. É uma mulher de cabelos compridos, negros com uma franja, esbelta, torno de 50 anos, negra como Bianca. Esta olha a moça de cima para baixo muito séria. Quando Bia abre a boca para falar alguma coisa, gagueja tudo:

— Oi, e-eu estou perdida... P-preciso de ajuda.

A mulher parece não entender muito bem o que ela disse, mas logo abre um pequeno sorriso acolhedor e abre mais a porta:

— Por favor, entre...

Quando Bianca entra, depara-se com uma casa muito simples, faz lembrar do seu antigo lar, onde morava com sua mãe e irmã, também é muito aconchegante.

Parece ser pequeno com poucos cômodos e divide a sala de estar com uma pequena cozinha, tem dois sofás pequenos marrons no canto da sala, uma mesa de centro, além de uma estante recheada de livros logo a frente. A mulher pede que Bianca sente-se, em seguida senta-se também no sofá ao lado:

—Quem é você? De onde veio?

Bianca se apresenta com seu francês arrastado, a mulher tem dificuldade para entender:

— Bom, me chamo Coralie, sou dona dessa república. Você pode morar aqui se quiser e por todo o tempo que precisar, mas com uma condição: — Ela faz uma pausa para olhar bem Bianca, a fim de perceber se ela está prestando atenção. — Terá que trabalhar ou estudar, e nunca, jamais ter atitudes irresponsáveis, ou então será expulsa.  Concorda?

A moça balança a cabeça rapidamente concordando com tudo.

— Sim, com certeza Senhora Coralie!

— Só mais uma coisa: Meu nome se pronuncia "Corrali", está bem? — Sorri a mulher ao corrigi-la.

— Sim, claro! Me desculpe senhora Coralie!

— Venha comigo, vou te levar até um quarto onde moram algumas moças como você.

Bianca se levanta do sofá rapidamente no mesmo instante, muito animada. Elas saem da casa, entram num corredor, sobem uma escada e chegam numa última casa, Coralie bate na porta e uma moça atende:

— Bom dia Manon...

— Bom dia senhora... — Manon ajeita seus óculos olhando diretamente para Bianca.

— Esta é Bianca, acabou de chegar do Brasil. A partir de hoje será sua nova colega de quarto. Onde está Delphine?

— Eu não sei, ela saiu sem me falar. — Ao dizer essas palavras, olha mais uma vez para a nova colega, deixando-a desconfortável. Mesmo assim, Bia entra junto de Coralie, a casa é ainda mais simples que antes.

— Espero que vocês duas possam se dar bem, apresente todos a ela, Manon.

Oui...*

A mulher sai do local, deixando ambas ali. Manon parece ser um pouco tímida, tenta se esconder inutilmente atrás de seus cabelos chanéu.

—Bianca, isso? — Diz ela pausadamente.

— Sim, isso mesmo. — Responde forçando um sorriso.

—Quer comer alguma coisa? Tomar um suco?

— Bom, eu... Aceito os dois, por favor. — Seu estômago acaba de se lembrar que não comeu nada hoje.

Manon abre um armário e pega um pacote de biscoito salgado e uma caixa de suco, servindo com ela os copos sobre a mesa no meio do cômodo. Ambas começam a lanchar juntas em silêncio. Enquanto isso, Bia observa o local que irá morar, é pequeno e apertado, sala de estar misturada a com cozinha, parece haver só mais um banheiro e um quarto.

Parece que não irá ser fácil dividir um espaço tão pequeno com mais duas pessoas. Mesmo assim, a vista da janela a faz suspirar e abrir um sorriso de alegria: qualquer casa minúscula parece o melhor lugar do mundo quando a vista da janela principal é a Torre Eiffel, ainda que distante.

— Sabe, eu gosto de morar aqui. Acho que você vai gostar também. É perto da Le Cordon Bleu, onde estudo. — Manon se obriga a falar enquanto bate as unhas nervosamente no copo de suco — A Coralie é muito legal, ela conta que herdou este lugar da sua bisavó há muitos anos. No início ele era bem pequeno, mas com muito esforço ela o ampliou. Como sempre foi pobre, dedica a vida a ajudar outros pobres e...

Neste momento, alguém chega de supetão batendo a porta assustando as duas, é uma moça gordinha de cabelos loiros compridos:

— MANON!! Você não acredita no que eu acabei de ver!!

— Ei Delphine! Seja mais educada, por favor! — Responde ela bufando e revirando seus olhos.

— Hã? Quem é essa moça?

— Essa é a Bianca, vai morar com a gente agora.

— Ah que legal!! Seja bem vinda!! — Delphine senta à mesa pegando um biscoito.

— Obrigada... — Responde timidamente.

— Não ligue, ela é assim mesmo. — Manon ainda está incomodada.

— Assim como?? Posso saber? — Indaga a loira mastigando o biscoito.

— Violenta e escandalosa!

— Mentira, só estou empolgada!

Elas começam uma pequena discussão, enquanto Bianca abaixa a cabeça segurando seu copo de suco.

— Desculpe-me, Bianca, acho que estamos te assustando... Na verdade, nós somos muito legais, d’accord? * — Diz Delphine tentando ser simpática.

— Não se preocupem, eu tenho certeza que vou me adaptar aqui.

— Ela tem um sotaque tão fofo, aposto que é brasileira. A Manon ama o Brasil, ela sonha em ir para lá um dia. Não é? — Cutuca a moça com os cotovelos. Ela não diz nada, pois seus olhos já dizem tudo com um brilho.

As três moças passam horas conversando. As duas francesas também são de origem pobre, vieram de cidades distantes para estudar, são bolsistas. Logo Bianca descobre que suas colegas estudam gastronomia juntas em um lugar chamado Le Cordon Bleu. Ao saberem que ela tem o sonho de fazer a mesma coisa, decidem sair juntas a fim de apresentar o local.

Le Cordon Bleu é uma escola de gastronomia de renome internacional, antiga e muito importante na França. Ela é localizada em um prédio que é uma mistura de casa e torre de castelo, com as paredes exteriores cobertas pelas cores bege e azul e a entrada ladeada por diversos arbustos em cortes geométricos. Possui também um jardim frontal encantador, que antecede uma pequena escada que dá acesso à porta principal.

Bianca para na frente encantada admirando o prédio, nunca viu nada parecido.

— Vai ficar parada aí? Vamos entrar! — Convida Delphine.

— O que preciso fazer para estudar aqui?

— Olha... Você precisa simplesmente ser rica ou ganhar uma bolsa. — Responde Manon.

— Nossa, Manon... Assim você desmotiva a garota!

— Mas é verdade...

Quando entram, Bianca vê uma recepção que se parece com um palácio, com duas escadas enormes e uma bancada com recepcionista no meio, ela acha aquilo incrível. Elas sobem as escadas, entram em um corredor e fazem um pequeno tour pelo local, é possível ver alguns alunos usando uniformes brancos e um pequeno chapéu com a logotipo da escola. Quando voltam para a recepção, Bianca toma coragem e fala com a recepcionista:

—Olá... Eu gostaria de saber como faço para concorrer a uma bolsa.

—Você pode fazer uma prova. Primeiro um teste de francês e matemática, depois terá que fazer um prato especial, que será avaliado pelo melhor Chef da Le Cordon Bleu. Ah, também é necessário elaborar uma redação.

— Sim, eu aceito! Quando posso fazer?

— Podemos agendar. Só um minuto, por favor...

Delphine se aproxima para falar baixinho enquanto a recepcionista mexe em seu computador:

— Se você quiser, a Manon e eu podemos te ajudar com o prato...

—Eu iria adorar! —Responde animada.

As três garotas saem contentes e empolgadas do local, discutindo qual prato Bianca irá cozinhar. Após uma disputa acirrada entre Delphine e Manon, conseguiram finalmente entrar em consenso e optar por um simples, mas saboroso Ratatouille.

Feito com legumes, o prato típico não precisava de muito investimento para ser feito, o que é ótimo, já que nenhuma das três tem muito dinheiro.

Após uma ida rápida ao mercado, elas chegam em casa com algumas sacolas, que deixam sobre a mesa. Apesar de o prato precisar ser preparado na hora do teste da escola, um bom treinamento ajudará Bianca a não fazer feio.

As novas colegas de casa ensinam cuidadosamente as etapas do preparo, que são anotadas uma a uma por Bia em seu caderno de receitas. Em seguida, Manon e Delphine observam enquanto ela corta delicadamente cada um dos legumes escolhidos para o preparo. Apesar de sua parca experiência, trabalhar com Dona Joana lhe deu a chance de treinar diariamente os tipos de corte ensinados nas revistas e vídeos de culinária. Com o cuidado de quem pinta um quadro, ela monta o prato deixando-o bem colorido e com um cheiro irresistível.

As amigas aprovam o desempenho da estrangeira e consideram o resultado tão satisfatório, que até convidam Coralie para um jantar especial.

Após uma noite insone de muita ansiedade, chega a manhã do teste e Bianca se concentra o máximo que pode e tenta mentalizar um resultado positivo.

Determinada, Bianca cumprimenta seus avaliadores e se posiciona atrás da bancada. Ela higieniza os ingredientes e os coloca sobre a tábua de corte. Seus ombros sentem o peso de ter cada movimento acompanhado de perto por olhos atentos e experientes.

Mesmo sem ter feito cursos ou treinamentos especializados, Bianca consegue agradar o paladar de seus avaliadores e ter a nota necessária para ser aprovada! Ela mal podia sentir seus pés quando finalmente obteve o resultado: nota 7!

Só que infelizmente, não bastava ela ser boa o suficiente na cozinha, se também não passasse nas outras provas e foi exatamente isso o que aconteceu. Desapontada, senta-se em um banco em frente à escola com suas novas amigas.

— Nossa, estava muito difícil...

— Não fique assim Bia... Se prepare melhor e tente de novo. — Delphine acaricia os cabelos dela.

— Sim, foi bem difícil pra gente também... — Manon completa.

— Eu nunca vou conseguir... Não sou boa o suficiente.

— Se você for só pensar negativo, não vai conseguir mesmo!  — Retruca Manon bem séria com os braços cruzados, sentada ao lado dela no banco. Essas palavras neste tom fizeram Bianca levantar a cabeça e olhar para ela por um tempo, tentando entender a profundidade disso.

Na manhã seguinte, depois de se recuperar da frustração inicial, ela decide conseguir um emprego que ajude a bancar as mensalidades do curso de gastronomia. O valor é desanimador e exorbitante, mas ela logo conclui que se conseguiu juntar o suficiente para realizar seu sonho uma vez, conseguirá de novo.

Elabora um currículo todo em francês e coloca sua experiência no restaurante do Brasil, mesmo que não seja registrado, em seguida sai pelas ruas para distribuí-lo.

Quando chega em um certo estabelecimento chamado Le Bistrot Splendide, um homem na faixa de 60 anos, com um bigode fino, atende a moça e oferece uma proposta diferente:

— Eu não tenho nenhuma vaga para trabalhar na cozinha no momento. Mas estou precisando alguém para a limpeza, terá que lavar a louça, limpar o chão, trocar o lixo... Se você quiser comece amanhã mesmo, que tal?

Não é exatamente isso que Bianca procura, mas aceita na hora. Ela ganha um uniforme todo marrom de servente de limpeza, que ela acha muito bonito, e um par de botinas. Terá que zelar por eles e deixá-los todos os dias impecáveis.

— Aqui no meu restaurante servimos pessoas finas e exigentes que gostam de comer em lugares elegantes, portanto, você terá que estar aqui pelo menos 1 hora mais cedo antes de abrir o estabelecimento para limpar toda a bagunça e deixar tudo impecável. Portanto, seu expediente começa às 10 horas em ponto. Não tolero atrasos! — Olivier parece ser um homem muito rígido.

Naquele mesmo dia, conta empolgada para suas amigas sobre seu novo emprego e elas lhe contam que Le Bistrot Splendide é um lugar muito reconhecido na cidade e que muitas pessoas fazem elogios à comida e ao local, além de ter excelentes críticas nos jornais parisienses. Consideram ser muita sorte Bia conseguir um emprego lá.

Chega no seu primeiro dia de trabalho, veste seu uniforme, prende seus cabelos e caminha pelo local para conhece-lo melhor, é a primeira funcionária a chegar.

Um salão grande com várias mesas ostenta um lustre muito sofisticado. O piso de madeira brilha como uma joia e várias janelas enormes, cobertas por cortinas que chegam até o chão, completam o ambiente. A decoração é minuciosa, cheia de detalhes e peças em dourado.

Com cuidado, ela ergue todas as cadeiras para facilitar a limpeza e vai procurar por produtos, baldes, vassouras e tudo o mais que irá precisar. Os materiais, segundo Olivier, estão armazenados em um armário com portas de vidro, localizado no corredor da cozinha. Depois que ela pega tudo o que precisava, abre outra porta branca e se depara com a cozinha industrial dos seus sonhos.

"Essa cozinha é tão grande... Estou ansiosa para conhecer os cozinheiros... Será que eu devo começar a limpeza por aqui? Pensa enquanto caminha fazendo um pequeno tour pelo local para admirá-lo.

Neste momento, alguém abre a porta, é um jovem rapaz, caucasiano. Veste uma camisa polo com a mesma cor de seus olhos azuis, destacando-os. Imediatamente, Bia o acha estonteante.

— Bonjour... Nova funcionária?

— Sim, hoje é o meu primeiro dia.

— Seja bem vinda, meu nome é Julien. — Ele estende a mão para ela.

— Muito prazer, me chamo Bianca. — Responde retribuindo o cumprimento

— Legal, gosto de conhecer estrangeiros. Deixe-me adivinhar... Argentina?

— Não, Brasil... — Ela sorri.

— Quase! Foi na trave! — Ambos dão risada — Tenho que me arrumar, tenho muita comida para preparar hoje...

— Tudo bem... — Seus olhos brilham em saber que ele é o cozinheiro.

Quando Bia vira-se para sair, vê um rato na prateleira de panelas perto do chão e solta um grito:

— Um rato!! — Sobre numa bancada vazia.

— Onde?? Eu pego!! — Responde Julien pegando a vassoura que Bianca largou no chão — Onde?? Onde??

— Deixa pra lá, acho que ele já foi... — Responde ainda com medo de descer.

— Olha ele ali!!

Julien corre por toda a cozinha com a vassoura, até que consegue capturar o roedor com um escorredor de macarrão. Bianca se aproxima, percebe que ele segura bem firme com os pés a pequena prisão e sente-se mais segura.

— Este lugar tem muitos destes por aí... E o chef nem desconfia. Se ele sonhar... Estamos fritos. — Faz um gesto com a mão como se estivesse cortando seu pescoço.

Bia arregala os olhos, neste momento, Oliver abre a porta da cozinha:

— O que está acontecendo aqui?? — Cruza os braços.

— Nada senhor, eu só deixei esse objeto cair sem querer e já vou juntá-lo. — Julien agora está segurando o escorredor firme com a mão.

— E você?? Por que o salão ainda não está limpo?

— Sinto muito, vou limpá-lo agora.

Enquanto Bia limpa o salão, vê mais funcionários chegarem, e quando o restaurante abre, repara nos pratos finos que são servidos, ela nunca viu tão de perto.

Entra na cozinha para limpar o chão e trocar o lixo, vê uma equipe de cozinheiros todos com uniformes brancos e chapéus combinando trabalhando a todo o vapor. Sente-se invisível enquanto observa aquelas panelas enormes ao fogo, toda aquela comida sendo preparada, os garçons com trajes elegantes trazendo e buscando mais e mais pedidos.

Pega o lixo da lata e leva para o lado de fora, os fundos do restaurante, onde tem um local adequado para joga-lo, olha para o céu limpo e estrelado daquela noite e se pergunta: "Mãe... Como poderei me destacar neste lugar?"

Glossário

Paris, attendez-moi!”: “Paris, espere por mim!”

Bonjour, comment allez-vous?: Bom dia, como vai você?

A votre service, mademoiselle: À sua disposição, senhorita.

Merci monsieur! : Obrigada, senhor.

De rien!*: De nada.

Colocation - Cher endroit - República - Querido Lugar

Oui: Sim

D’accord?: ok?

Le Bistrot Splendide: O Bistrô Esplêndido

Bonjour: Bom dia ou oi/olá dito antes de anoitecer.

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