Capítulo 05

Montelite 

Alana ouvira comentários a respeito de Stefânia Venax, estavam certamente espalhados pelos ouvidos de todos nas redondezas.

Seus olhos azulados encontram os do irmão Alonso por uma fissura de luz das tochas que eram guiadas pelo lado de fora.

“Que se abram as portas de carvalho entalhado...

Que todo céu dê lugar aos anjos fardados.

Que os nobres façam uma mesura à passagem da luz

Que as almas podres encontrem o perdão diante da cruz...

Recitaram baixinho em uníssono um pedaço do trecho de um poema do qual conheciam desde pequenos. Não sabia-se nem mesmo a autoria, mas certamente deveria ser de um poeta louco embriagado dos bordéis ou bares de estrada.

É tempo para que mais uma lágrima escorregue no rosto de Alana, quando seus olhos vêem uma adaga dourada atravessar a garganta do irmão.

Assim que seu corpo cai no assoalho da carroça,o rosto de Stefânia surge. Sem dúvida matar a alimentava de poder e satisfação.

Alana não sabia lutar. Era tão bela e delicada quanto uma rosa, como se até o mais simples toque fosse capaz de despedaçá-la. Mas a verdade é que era uma muralha de pedras muito bem construída para proteger seu frágil coração. Ela apenas ainda não sabia disso.

Porém nada lhe interessava naquele momento. A espada que ganhara do falecido avô ( pai de sua mãe) estava presa ao cinto. Tinha consciência que uma hora ou outra precisaria usá-la. Talvez fosse a ocasião certa.

Stefânia puxa o corpo de Alonso para fora da carroça e joga-o no chão úmido. Alana respira fundo, aperta o cabo de cristal da espada e se opõe contra Stefânia, caindo sobre seu corpo na lama da estrada. As duas rolam-se tentando de todas as formas acertar uma à outra. A vilã então surge com uma faca, mas a barriga de Alana está muito contraída contra o próprio corpo. Alana tenta retirar espada da cintura, então Stefânia toma o controle da situação, apertando com ambas as mãos o seu pescoço.

-Você vai morrer,Forgari!- ela aperta ainda mais, observando com satisfação as manchas roxas que começam a surgir no rosto de Alana. Ela já não podia mais falar, nem respirar.- Pena que não posso matá-la ainda...preciso de você para fazer um servicinho para mim. – ela solta a garganta da jovem ainda tentando mantê-la imóvel.

-Não vou fazer nenhum serviço sujo para você!

-Cale a boca miserável!- um tapa com extrema violência é rebatido no rosto de Alana, que tenta se pôr em pé. Mas Stefânia parecia ter mais força do que um homem robusto.

- Deixe-nos em paz!-suplica.

-Agora vai dormir um pouco, Forgari. Descançar...

A última visão de Alana é um pano escuro cobrindo sua boca e seu nariz, até um cheiro insuportável tomar conta de suas amídalas impedindo-a também de respirar. O desmaio logo vem com um sono violento.

Nevasca Central

Seis horas depois, desperta em um quarto apertado. Sua visão está turva, o estômago se contrai como se fosse vomitar. Está sobre um pano estendido no chão de terra batida, um tanto molhado. Ela olha para o alto, há buracos no teto. Talvez a tempestade tivesse trazido pingos de chuva na noite anterior.

É possível ver o dia , mas não havia sol, apenas uma ventania açoitava as copas das árvores . Alana escutava passos apressados e todo instante. Tenta levantar-se, mas seu pé esquerdo está preso em uma tornozeleira de ferro pesado que a impedia de caminhar. Sabia que não estava mais em Montelite. Mas onde estaria? Como sentia não estar onde antes estivera?

Alguém abre a porta devagar, ela observa o salto que aqueles pés calçam e reconhece Stefânia mais uma vez.

-Ah, você acordou. Encontrei isso daqui rondando nossa fortaleza.- ela levanta um frasco com algo cintilante dentro. 

Alana estreita os olhos.

-Miguy?

-Essa pequena coisa estava nos espionando. – rebate Stefânia. Vou guardar ela comigo.

-Por favor não...

-Shiiiii. – faz sinal para que Alana fique quieta- Não peça nada, Forgari. – então sai e tranca a porta novamente.

Mesmo sem ter certeza, no fundo do coração Alana sentia que perdera também a mãe e o irmão caçula, além de Alonso. Com certeza a mulher que ajudara com o marido e o recém nascido também haviam sido mortos.

Ao observar o pé preso pela argola de ferro , ela vê aos arredores dos pés, a carne viva sangrando e machucada. Já nem sentia dor alguma, somente um formigamento pelo tempo que estava presa ali. A exaustão toma conta do corpo da jovem, que adormece mais uma vez, sentada no pano e escorada em um canto escuro do quartinho, com apenas algumas fissuras de luz da janela. Não havia ninguém que pudesse ajudá-la, ou que desse-se por conta de sua ausência. A família inteira estava morta, Alana não tinha mais ninguém, nem sequer amigos, pois seu pai jamais a deixara sair. Já estava certa de que morreria ali, pois nem mesmo a fada, Miguy poderia ajudá-la.

“ Todas as pessoas estão indo, há somente eu...como irei sobreviver sozinha?” pensa ela enquanto o sono e o cansaço lhe devoram o corpo.

Mais uma vez, um sonho surge. Desta vez não há árvores imensas, nem espelhos, nem vestes de luxo, nem flores. Tratava-se apenas de uma bela jovem elfa, a mesma do sonho do espelho. Usava ainda a mesma roupa dourada, os cabelos volumosos cacheados agora eram bem mais claros, quase loiros. Seus pulsos cortados e os pingos de sangue em sua roupa intimidavam Alana, mas por algum motivo não lhe proporcionavam medo.

-Você...- se dirige à moça, com a voz um tanto trêmula

-Já sabes meu nome, Alana. Sou Sophia.

Alana concorda com a cabeça, mesmo sem entender o motivo daquele sonho. E de certa forma saber o nome daquela figura não diminuía todas as dúvidas que tinha à respeito dela.

-Alana...eu fui morta. Eu estou morta. Você precisa conter o assassino antes que ele mate mais pessoas. Ele está em toda parte, Alana.

-Q-quem...

-Eu não sei – interrompeu.- Quando fui assassinada, ele não permitiu em momento algum que eu visse seu rosto. Usava algo para bloquear.

-Por que alguém mataria você?

Os olhos da elfa marejaram, até que uma gota cintilante de lágrima rolou de sua  bochecha esquerda . Ao cair no encontro do solo, Alana notou que uma rosa branca cresceu. Lágrimas mágicas, que faziam brotar vida.

-Eu era uma dos sete convocados para salvar os reinos da maldição. Eu recebi amuleto pouco antes de ser morta.- Sophia toca o objeto pendurado em seu pescoço. Alana se aproxima e nota duas panteras desenhadas no pingente, uma à frente da outra, ao redor, sete letras esculpidas delicadamente em ouro: 

-O que querem dizer?

-São as iniciais dos sete convocados. Alana...todos eles possuem os amuletos. E se ainda não possuem, ele irá surgir no pescoço quando menos esperarem. Você precisa encontrá-los. Só encontrei dois com os amuletos. A,N,A,U,S,V,S

-Quem?

-Além de mim, você e Victor.

Alana parou um pouco os pensamentos, a fim de entender o que a estranha dizia. Até que olhou para si mesma, tocou ao redor do pescoço e localizou o objeto.

-Mas...como? Eu... 

Pela primeira vez, a jovem elfa sorri.

-Você é uma de nós,Alana. Precisa libertar Victor. Ele está preso em Estelar do Norte, governado pelos elfos. Se encontra ao norte do mapa. Ele foi acusado pelo meu povo de ter me assassinado. Ele é inocente. Ajude-o, depois siga com ele em busca dos outros. Algum sinal lhes mostrará a missão e a jornada que terão pela frente.

-Por que estou presa aqui? Me ajude, eu...

O sonho acabou.

Após mais alguns minutos, um homem entrou e levou Alana para uma sala imensa onde estava Stefânia, sentada em uma cadeira enorme. Dois elfos a abanavam com penas de pavão.

-Sente.-A vilã apontou um banco rústico à sua frente.

Alana obecedeu.

-Pois bem...eu sei o que é este amuleto em seu pescoço.

Alana sente o coração palpitar.

-Também posso sentir seu coração batendo e encostado mesmo que sem tocar no amuleto. Eu sinto. Eu vejo tudo. Eu posso ouvir o sangue correndo nas suas veias, posso escutar suas pálpebras tocarem umas às outras quando você pisca.

Certamente as coisas estavam cada vez mais confusas para Alana. Notou como qualquer outro notaria, que Stefânia era poderosa.

-O que você é?

Ela a observa, com os olhos claros e penetrantes. Alana entra profundamente no amarelo dos olhos dela, logo percebeu que sua inimiga podia ler mentes, isso a fez entrar ainda mais em pânico, tendo em mente que não deveria pensar no sonho que teve com Sophia, ou tudo iria por água abaixo. Tentou pensar na morte da família.

-Coitada. – Stefânia reage- Sente falta da mamãe? Eu a poupei de sofrer, garota. E se eu te contar que ela pediu que eu a deixasse em segurança? Que ela implorou que eu não te matasse? Eu fiz questão de dizer a ela que logo ela veria você no inferno.

Alana tentava segurar as lágrimas, ao mesmo tempo que queria espantar da cabeça o sonho que tivera, pensando mais e mais na morte da família. Seu coração pulava, as mãos tremiam e os olhos marejavam- se por conta.

-Eu ... o que você quer?

-Por enquanto vai ficar aqui. Descobri que não posso tirar o amuleto de você, porquê viria a morrer. Está dependente disto.

“Sophia não me disse nada disso”...Alana pensa,esquecendo que não deveria pensar no nome “Sophia”.

-Quem é Sophia?

A garota engole em seco.

-Tem haver com os amuletos, não é? –Stefânia se aproxima ameaçadoramente.- Fale, Forgari...- retira da bolsa uma esfera escura e brilhante- Ou será muito pior...

Nada podia ser dito à respeito daquilo, Alana sabia. Então tentou manter-se calada.

Stefânia não retrocedeu em encostar a esfera em várias partes do corpo da moça, queimando-a e dando-lhe choques. Seus gritos poderiam ser escutados além dos rios mais distantes. Pediu aos capangas que a amarrassem e pusessem ferros quentes sobre sua pele,cortando-a com lâminas nas pernas e braços.

-Prendam-na na cela – ordenou – Só não a matem. Esta desgraçada está bloqueando e mente para que eu não saiba de algo. Mas eu vou descobrir.- olhou para Alana.- Ninguém esconde nada de mim.

Sorriu ao ouvir os gritos de sua vítima enquanto seus soldados a arrastavam pelos corredores.

À noite quando Alana acordou na cela em que estava antes, não lembrava o que haviam feito contra ela, e sinceramente nem queria lembrar. Sabia que sem dúvidas, era muito doloroso. Estava cortada, as roupas em trapos e sujas de carvão e terra.

Não podia ter certeza se o sonho era algo real que devesse ser levado à sério, mas sabia que sozinha não conseguiria. E o mapa de todos os reinos da região? Onde iria adquiri-lo? Haviam dois problemas maiores: sair dali e conseguir um mapa das terras dos reinos.

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