Capítulo 1

                                                              Capítulo 1

                         Uma visita sem segundas intenções, mas com terceiras intenções

            “Essas anotações tem tanta coisa...”, Pedro pensava, enquanto lia os cadernos de seu pai. Seus registros continham tudo sobre os mortos vivos dos Fossos e dos Ninhos. Comportamento, hábitos, alimentação, táticas, forma de agir, reação ante situações complexas, tudo. Até mesmo descrições detalhadas de como alguns haviam evoluído para adaptar-se a situações e ambientes diferentes. Parecia quase a descrição de um eco sistema, com a diferença de que a flora era precária e, se havia alguma flora de fato, era venenosa e distorcida por mutações.

            Ainda não usara o laptop, ele precisava de uma senha, e aparentemente ela estava escrita em um dos cadernos, só não sabia qual. Sabia que reconheceria a senha quando visse. E, depois de muito ler e procurar, achou: enquanto folheava o caderno número 10, viu a anotação sobre o laptop. Dizia:

 “Não confio em muita gente aqui, e tenho a sensação desagradável de que alguém pode tentar sabotar meu trabalho. Tive de mudar de senha várias vezes, e até agora mantive meus arquivos de pesquisa seguros. São todos muito obtusos, os que querem me manter na coleira, mas obviamente, se tentarem, farei seus crânios de cálices para o vinho mais vermelho que houver”.

            Isso era interessante, muito interessante. Pedro arriscou “red skulls”, digitando calmamente na tela de inicio. E funcionou. Seu pai fizera uma pequena homenagem aos Garras de Rubi e seu enorme estádio, o Crânio de Rubi, vermelho como uma grande gota de sangue sólida. O wallpaper era, como se poderia esperar, uma lua manchada de vermelho como em espirros de tinta. Um lembrete do signo dele, o nascimento que se deu numa lua de sangue. “Valeu, pai”, pensou o rapaz, enquanto se situava na tela. Havia atalhos para pastas, um atalho para navegar na internet, caixa de e-mails, nada fora do ordinário. Abriu uma pasta, minimamente suspeita, que dizia “Dia D”. “Que nome esquisito pra usar numa pasta”, Pedro pensou, curioso. Lá, havia arquivos básicos de armamento militar, utensílios das equipes de pesquisa, nada demais. Um documento, no entanto, em texto, lhe chamou a atenção. O nome dizia simplesmente “Perthro”. Este nome pertencia à runa nórdica correspondente a letra P do alfabeto comum. Representava um cálice caído de lado, esvaziado de tudo e esperando algo que preenchesse o vazio. Também era como um copo de dados, para jogar com o destino e deixar os deuses decidirem o próximo lance da vida. Uma runa de riscos, de lances de sorte, que decidia tudo ou nada. “Oito ou oitenta”, Pedro sussurrou para si mesmo.

            Arrastou o mouse até ali, para clicar e ler, mas foi interrompido por uma vibração em seu celular. Odiava os toques de celular, deixando tudo no silencioso e só aumentando o volume do despertador e da música, quando se dava ao trabalho de ouvir. Mas, apesar disso, não sabia ignorar uma chamada. Sentia-se compelido a atender sempre que sentia o maldito “treme-treme” do aparelho, e então atendeu. Reconheceu a voz: Jessica. Há uma semana tivera uma situação impossível de tão estranha com ela na loja, e agora estava lhe devendo dois favores, um deles sendo um “encontro”. Grunhiu de tédio quando percebeu que ela queria cobrar o encontro de uma vez.

– Hey, a loja tá fechada hoje – Ela reclamou – Posso subir?

– Sabe... – Pedro suspirou, exasperado – Não acho isso uma boa idéia...

– Por quê? – Jessica parecia desapontada.

– Eu tenho mesmo que responder...? – Pedro suspirou novamente de cansaço – Quem sabe, será, que é por que não nos conhecemos? Não temos intimidade? Talvez seja você que esteja sendo muito invasiva comigo? Além do mais, é meu ambiente aqui em cima, meu território, sabe que tipo de coisa eu faço aqui, sozinho, sem ninguém olhando?

– Ah, eu sei lá... – Ela parecia contrariada com a recusa, odiava o fato de ele ser tão direto e franco – Você fica pelado aí, confortável consigo mesmo?

– O que? Quer ver? – Pedro desafiou. Ouviu um suspiro e engasgo do outro lado, e quando ouviu a respiração dela, pronta para responder, falou antes – Vou me arrumar e descer. Espere aí.

            Ouviu um gemido de protesto quando desligou o celular. Começou a pegar qualquer roupa que havia por perto, jeans cinza escuro, coturnos, uma camiseta vermelha larga, uma blusa com capuz e mangas cortas, com um zíper na frente. Jogou um desodorante simples no corpo, pôs sua boina favorita e desceu as escadas. Quando saiu pela porta lateral de entrada, a garota estava recostada à porta da loja. Vestia-se de um jeito completamente diferente agora, e ele tinha de admitir, ela estava mais bonita do que se tentasse se disfarçar de garoto.

            Jeans compridos, sapatilhas simples para andar ou correr. O jeans que ela vestia, obviamente, servia para esconder as cicatrizes. O mesmo valia para a blusinha justa de manga longa que vestia. “Justa demais”, ele pensou, vendo com surpresa que ela não vestia sutiã. Ao invés disso, usada um daqueles aparatos de silicone que aderiam à pele. Se ela queria provocar alguma reação no lobisomem, conseguiu: irritação e ansiedade. Por cima disso, usava uma jaqueta curta de tom carmesim escuro, e na cabeça, o mesmo boné. Ela realmente gostava daquele boné.

– Você esconde demais – Disse Jessica, apontando para a boina e a blusa.

– E você mostra demais – Apontou para os seios pequenos dela, que pareciam “soltos”.

– Ei! Já que não tenho tamanho pra sutiã, tenho que encontrar uma alternativa boa o bastante.

– Mande fazer alguns sob medida, oras – Pedro respondeu, novamente usando uma lógica que a irritava.

– Não sei por que eu fui...

– O que? Foi o que? – Inquiriu, ansioso. Gostava de provocar essa garota, sentia-se mais aliviado por fazê-lo, sabendo que era capaz de afetar o estado dela em segundos.

            Jessica ficou sem responder por vários minutos. Não sabia por onde começar. Queria explicar tudo para ele, mas achava difícil, por medo de rejeição ou qualquer outra coisa ruim que poderia acontecer.

– Bem, eu posso contar, mas preciso comer alguma coisa – Jessica disse finalmente.

– Taxa de açúcar baixa?

– Que? Não, caramba. Eu me sinto mais a vontade comendo doces.

– E como não engorda?

– Tenho metabolismo muito rápido, e eu costumo me envolver em muitas brigas e exercícios físicos, queimo gorduras demais.

– Sei, o lance do ratel.

– Sim. Ou preferia que eu tivesse mais “carne”? – Jessica desafiou, apertando uma pele em sua cintura por cima da blusa.

­– Você quer dizer gordura. Não, não preferiria não. Está ótima assim, magrinha feito uma tábua lisa e bem trabalhada – E passou por ela, abaixando a aba do boné dela até cobrir seu rosto – Vamos, conheço uma ótima confeitaria, baixote.

– Não faça mais isso! – Jessica rugiu atrás dele, vindo andar ao seu lado.

– Ou o que, pintora de rodapé? Vai morder minhas canelas? – O lobisomem desafiou.

– Na verdade não – Ela parecia confiante de algo – O ratel é famoso por mirar sempre nos testículos dos inimigos. Se me irritar mais um pouco...

– Tô pagando pra ver você tentar me causar um arranhão, ou chegar perto das partes baixas – Desafiou a garota.

            Novamente, deixou Jessica sem reação. Por mais que ela tentasse provocar o lobisomem, era incapaz de atingir o rapaz. Desde que vira as matérias sobre o Dia da Fúria, desenvolvera uma obsessão amorosa por ele. Mas, covarde como era para se declarar, descontava sua frustração em qualquer desavisado que puxasse briga com ela. Agora, com a chance que tinha de conhecê-lo melhor, sentia-se muito frustrada por não ser capaz de irritá-lo com provocações banais. Se bem que, quando conseguiu provocar uma explosão de raiva nele, sentiu medo (o que a deixou bastante desconcertada, dadas as circunstâncias atuais). E foi por seu comportamento imaturo e sem noção, como ela relutantemente reconheceu quando voltava para casa dias atrás. E não por que o insultara ou ameaçara bater nele, isso parecia não fazer diferença alguma para o lobisomem.

            Ele desafiava a altura, dava a outra face e esperava o contra ataque. O que quer que tenha acontecido com ele, fora duro a ponto de torná-lo resistente como aço e maleável como borracha para ricochetear qualquer coisa de volta.

            Ao que Jessica sabia, ele era apaixonado por uma garota, que morreu no Dia da Fúria, sob circunstâncias misteriosas e, pelo que contavam alguns rumores, dolorosas. Sabia-se apenas que ela fora outra vítima de Stephan Goldstein e os esquemas do pai e avô, Jonathan e Harold Goldstein. A dedicação que o rapaz pusera no último ano escolar era notável, mas quando estudou todos os dramas pelos quais passou, sentiu que cada vez que um problema lhe acontecia, ele se fechava mais e mais, como um animal numa toca. Irônico, quando se parava para pensar, que o predador máximo do mundo dos monstros tinha uma personalidade tão defensiva consigo mesmo e até mesmo pacata, dependendo da situação. Ela já conhecera lobisomens realmente maus, explosivos, agressivos e violentos, que deram bom material de luta, mas esse em questão era totalmente diferente.

            Ele não parecia querer lutar, não mais, desejando apenas um pouco de paz. E isso a deixava curiosa. Afinal, por quê? O quão fundas eram suas cicatrizes?

            Seus pensamentos, entretanto, foram interrompidos quando um grande orc cinzento esbarrou em Pedro, que esbarrou nela enquanto andavam pela calçada. O lobisomem permaneceu em silêncio enquanto ela olhava o orc cinzento se enfurecer.

– Ei, tampinha! – Sua voz rouca e profunda falou por de trás das presas com anéis de ouro enxertados – Olha por onde anda, idiota!

– Não foi culpa dele – Jessica tentou dissuadir o orc, suavizando a situação.

– Não falei contigo, pirralha magrela! Tô falando com o teu namorado otário aqui! Quem você pensa que é, malandro? – Ele colocou a grande face próxima a Pedro, que ainda permanecia em silêncio – É bom demais pra falar, não é? Tá com medinho de eu te aplicar uma sova daquelas, não é?

– Ei, sossega aí – Jessica se enfureceu, empurrando o orc – Você esbarrou nele porque quis, você quis discutir pra se fazer de fortão aqui, então toma teu rumo.

– Precisa da namorada pra se defender, tampinha? – O orc cinzento riu, e levantou a mão para aplicar um soco no lobisomem, mas foi interrompido quando ouviu a voz do mesmo.

– Se dá valor ao seu orgulho e às suas presas, sugiro recuar – Pedro disse, sorrindo.

– Desafio aceito! – Retrucou o orc, descendo o punho para socá-lo.

            O punho do orc não terminou seu golpe, pois seus dedos já não estavam mais em sua mão. Jessica arrancou-os num movimento rápido com os dentes cruelmente afiados, imitando o ataque que Pedro fizera contra Lev Bronstein no Dia da Fúria. O grande orc recuou, gemendo e reclamando de dor (ele não iria gritar e se mostrar um fraco), e se recuperou a tempo de se defender de uma sequência de chutes baixos que o pegaram na coxa direita com tanta força que ele foi forçado a recuar e, a cada chute que levava, ele se encurvava para a direta enquanto sua perna era metralhada pela força incomum da garota miúda.

            Ele ainda tentou um gancho de esquerda apenas para ter seu braço impedido por um novo chute e receber em troca um soco na face esquerda.

            Houve certa comoção das pessoas na rua, que viam e se assustavam com aquela cena incomum, mas violenta. Pedro tranquilizava a todos e dizia que sua amiga estava cuidando de um encrenqueiro que queria confusão, e conseguiu (mais por terem reconhecido a ele do que qualquer outra coisa). Isso tranquilizou os que passavam (pelo menos assim pareceu), e continuavam andando, cuidando de suas vidas.

            A luta terminou quando Jessica aplicou uma cabeçada de força tão grande que foi possível ouvir o crânio do orc abrindo pequenas rachaduras por debaixo da carne maciça. Seu nariz sangrava, seu rosto sangrava, sua mão direita, perna direita e braço esquerdo sangravam. O que é que não estava sangrando no orc cinzento, afinal?

– Some daqui, seu fraco! – Jessica ordenou depois de uma tremenda cusparada nos olhos do oponente.

– Isso não vai ficar assim! – Ele vociferou enquanto se levantava e saia correndo – Eu prometo!

            Pedro olhou para Jessica, que devolveu o olhar com o rosto corado. Ele apenas balançou a cabeça e chamou-a para continuarem andando. Ficaram em silêncio por mais alguns minutos até que ele reparou que ela queria dizer algo, ou estava dizendo alguma coisa, ele não tinha certeza. Estava prestando atenção demais à sua música, e se sentia indelicado por aquilo.

            Ela se virou, os olhos verdes intrigados pelo lobisomem, e começou a falar diretamente com ele.

– Eu quero conhecer você melhor, sabe? – Ela confessou, tímida.

            Levou pouco tempo para ela perceber que ele ouvia uma música em seus fones de ouvido e não ouvira sua voz. Ao invés de ficar irritada, notara que a letra era triste (de tão alto que era o volume). Parou para prestar atenção a musica:

I lust for after no disaster can touch

Touch us anymore

And more than ever, w hope to never fall

Where enough is not the same it was before

Come feed the rain

'Cause I'm thirsty for your love

Dancing underneath the skies of lust

Yeah feed the rain

'Cause without your love, my life

Ain't nothing but this carnival of rust

        
A música parecia bonita, de fato, mas dava ao rapaz uma expressão de pura tristeza. Aquilo mexeu com Jessica, que esperou pacientemente até a música terminar. Quando ele tirou os fones e olhou para ela, cogitou perguntar o nome da música, mas não precisou:

– Poets of the fall, carnival of rust – Pedro disse a ela, num tom monótono que tentava esconder a tristeza que aquela canção lhe trazia.

– Parece bonita... – Jessica admitiu – Será que vou poder saber mais a seu respeito?

– Pra quê? Eu nem mesmo sei o que você quer comigo.

– Então, vamos fazer assim: eu te falo o que quiser a meu respeito, e você faz o mesmo pra mim. Pode ser?

– Se me pagar um cappuccino com canela.

– Não é muito cavalheirismo de sua parte deixar uma dama pagar a conta...

            Pedro parou a meio caminho de abrir a porta da confeitaria. Checou para ver se não havia ninguém ali. Colocou Jessica contra a parede, fechando-a com ambos os braços para impedir que fugisse. Falou, em voz baixa, num tom de voz que só ela pudesse ouvir.

– Você tentou jogar feitiços em mim, dos mais simplórios de amor aos mais vulgares de atração sexual. Comprou mercadoria na minha loja, com uma identidade falsa. Jessen Hurck, um velho de uns oitenta anos ou sei lá, iria adorar ficar sabendo por que uma garota de não sei quantos anos usava o nome dele pra tentar conseguir um namorico com um lobisomem claramente perigoso de comportamento errático e cansado. E não vamos nos esquecer de que você acabou de arrebentar um orc cinzento no meio da rua, e eu precisei te acobertar, pois esses caras são os piores entre os orcs, o cara certamente vai voltar. O mínimo que você poderia fazer para me recompensar pelas dores de cabeça que me deu por causa daqueles feitiços idiotas e de todo o resto é me pagar o maldito cappuccino antes que eu mude de idéia e fale com o chefe de polícia. O que me diz?

– Er... – Ela estava realmente assustada, mas novamente os fatos jogados na cara a faziam perder qualquer argumento em que pudesse pensar. Resolveu recuar – Prefere quente ou frio? Posso pagar com chantili também.

– Odeio chantili. Doce demais. Mas é bom estarmos concordando em algo enfim, não acha? – E abriu a porta para ela.

            Estranhamente, a expressão de Jessica ao entrarem era ultrajada, e permaneceu assim por vários minutos. Quando a comida de ambos chegou, vários bolos, bolinhos, fatias de torta, e uma caneca de cappuccino quente com canela e palitos de chocolate chegou, junto com uma enorme jarra de milkshake, ela finalmente falou:

– Como assim doce demais?

– O que? O que foi? – Pedro perguntou por cima de sua caneca de cappuccino.

– Como assim não gosta de chantili por ser “doce demais”?

– Qual o problema com isso?

Eu gosto de chantili, não tem nada de errado.

– Acertou – Ele pôs a caneca calmamente na mesa – Você gosta de chantili, não eu. Eu sou um pouco exigente com doces, se o açúcar for o bastante pra fazer minha língua formigar, eu evito comer. Dá uma sensação desagradável na boca, como barras de chocolate, elas ficam azedas se você comer uma e deixar o doce ali por tempo demais na língua.

– Isso é tão esquisito... Tipo, eu sempre comi doces e nunca me aconteceu esse tipo de incômodo – E ia dizendo isso enquanto devorava várias fatias de bolo.

– Há alguns minutos atrás, você reclamava de ser uma dama forçada a pagar por um lanche depois de arrebentar um orc violento e terminou cuspindo na cara dele. Agora come feito um javali furioso. Agora diz que é uma dama... Irônico.

            Jessica corou de verdade, parando um pouco de comer quase sem respirar. Acostumada como estava a agir sozinha, quando seus pais não lhe davam bronca, se comportava como se fosse uma desleixada completa. Apesar disso, fizera toda uma produção para sair com ele, até usando perfume, e cometera um erro desses.

– Falando em pais, quantos anos têm? Usar uma ID falsa sendo maior de idade é meio idiota, não é?

– Como sabe que sou maior de idade?

– O seu cheiro. Da mesma forma que identifiquei o que você tem no meio das pernas usando o faro – Ela se irritou muito, enquanto corava, e metia um pedaço enorme de torta na boca para não xingar ele –, eu senti o cheiro da tua idade. Cada organismo vivo tem um cheiro de envelhecimento pungente, como frutas, ou árvores ou animais. Bebês, crianças, adolescentes, adultos ou idosos, todos têm um cheiro característico de envelhecimento e eu sei reconhecer alguém de longe em determinado estágio da vida, eu só não sei precisar a idade exata.

– Tenho 19 – Ela confessou, impressionada.

– E por sinal é virgem – Pedro comentou, inocente, enquanto pegava uma fatia de torta de maçã.

            A garota engasgou seriamente com tal comentário. “Como é que o faro dele consegue ser tão poderoso?”, pensou, sequer cogitando negar o fato. Claro que era virgem, seus pais a matariam e teriam uma filha substituta se não andasse na linha (Jessica sabia que não era exagero, já que sua irmã mais velha fugira antes de ser devidamente punida por algo que fizera e eles não diziam). Além disso, não queria desapontá-los como fizera sua irmã mais velha, Helena. Deserdada, desapareceu no mundo tão logo pôde cuidar de si mesma. Já nem sabia que idade tinha a tresloucada.

            Seus pais, aliás, queriam que Jessica encontrasse um marido que fosse forte o bastante para agüentar o temperamento esquisito da filha. Por vezes, Jessica agia de forma violenta, tal como mandava sua metamorfose, e os pais tinham de lidar com essas explosões de violência da forma como sabiam: como texugos-do-mel,obviamente. Aos poucos, ela soube controlar o temperamento, mas metia-se em brigas demais, até que o pai achou uma boa idéia colocar a garota em aulas de artes marciais. E funcionou muito bem, isso, até algum engraçadinho com hormônios explosivos alisar suas partes e ela avançar na garganta dele. Por conta desses incidentes imprevisíveis, a mãe sugeriu que pedissem autorização estudantil para ensiná-la em casa. “Não é o que podem fazer com ela, é o que ela pode fazer com eles”, argumentavam seus pais, quando questionados.

            E, por conseqüência de ser educada em casa, Jessica conquistou mais controle de si mesma. Apesar disso, os pais da deixavam vez ou outra sair para brigar, especialmente em bares, sob a condição de “não usar a transformação e nem ataques letais”. Ela aceitava de bom grado, é claro. Gostava de sair. E gostava de brigar.

            E, várias vezes quando saía, muitas brigas começavam por causa de flertes que abusavam dos limites. Nunca se interessara por rapazes, a mãe temia que pudesse haver algo errado pois parecia impossível que não houvesse um único rapaz lá fora no mundo que fosse forte o bastante para lidar com a garota, mas quando questionada a respeito, Jessica apenas dizia “sei lá, são todos são... Fracos, exibicionistas, mostram demais sem fazer muita coisa”. Os pais tentaram entender, e parecia assustador que a filha mais nova deles fosse mais poderosa que sua irmã mais velha a ponto de não haver um único homem capaz de superá-la, mas foi só quando o Dia da Fúria aconteceu, que entenderam. As matérias falavam de um esquema corrupto e secreto de guerra que os humanos planejavam, tudo envolvendo a onda de assassinatos de vários monstros, até mesmo seqüestros de famílias inteiras. Todos mortos. Os acusados, ou cometeram suicídio, ou foram exterminados quando vistos, estes sendo Stephan Goldstein e Harold Goldstein, que diziam boatos ser Trotsky, o antigo estrategista da União Soviética, mas nada confirmado.

            O herói que havia destruído esse risco de massacre em massa era um lobisomem de pouco mais de 25 anos, ótimo estudante, filho de um militar falecido, que era reverenciado como herói em Howlingtown: Pedro Filho de Uther, da tribo dos Filhos de Fenrir. Os pais viam a matéria de jornal impressionados, mas a filha suspirava, abraçando uma almofada grande toda vez que as fotos do rapaz apareciam na TV. Logo, compreenderam o que ela queria dizer com “exibir demais fazendo pouco”. Este lobisomem das notícias fizera muito, fazendo mais ainda, tornando-se grandioso. E a filha parecia apaixonada por ele. Aconselharam a filha a falar com ele, mas pela primeira vez, viram a faceta tímida de garotinha insegura dela, coisa que nunca acreditaram existir numa garota de corpo tão pequeno e tão violento.

            A mãe deu-lhe conselhos, sobre como falar com o lobisomem, mas ela era a “garotinha do papai”, e o pai lhe ensinou como a maioria dos rapazes decentes se comportavam. Não é preciso dizer que tudo entrou por um ouvido e saiu por outro. Se não, ela não teria tentado as bizarrices que tentou.

            Seguia o rapaz silenciosamente, descobria mais a seu respeito (ao menos a superfície), e agora, ali estava, sendo chamada de virgem (se foi um insulto ou uma piada, ela não sabia dizer). Não que não fosse, mas ouvir isso em voz alta era embaraçoso.

– Por favor, não fala isso em voz alta – Ela escondeu o rosto nas mãos, espiando com um olho em volta.

– Por quê? Isso é ruim pra você? – Ele perguntou, curioso.

– Não, é que... Você sabe – Jessica não sabia como explicar.

– Não sei, Eu realmente não sei e odeio quando me dizem “você sabe”. Mas é um detalhe interessante de se saber sobre você – E deu outra mordida numa torta de maçã, enquanto Jessica ficava ainda mais vermelha.

– Tá, que seja, vai me contar algo a seu respeito agora – Mudando de assunto ela sentiu-se mais confortável.

– Também sou – Pedro ainda não mudara de assunto, e uma confissão tão na cara como essa era, no mínimo, despudorada.

– Por que você tem que ser tão direto?

– Não gosto de sertanejo, então não fico de rodeios – Disse, inocente.

            Jessica segurou para não rir alto. Era a primeira vez em que ele agia com bom humor, pelo menos fazendo uma piada qualquer, e fora tão espontâneo que nem ele percebera que fizera. Mas quando notou que ele sorria ao vê-la tentar conter o riso, sentiu-se bem o bastante para dar uma risada controlada.

– Sabe, vou explicar a coisa toda... – Jessica sentia-se confortável o bastante para falar seus motivos – Eu sou apaixonada por você, sabe? Desde que vi a seu respeito nas matérias de ano passado.

– O Dia.

– Sim – Ela confirmou – Nunca me senti atraída por caras, sabe? Todos eles eram tão...

– Molengas?

– Sim, tipo isso. Acho que por causa de eu ser metade ratel eu exijo que o “pretendente” – Ela pôs aspas na palavra, por falta de uma palavra melhhor – seja tão violento e explosivo quanto eu. E você me pareceu o extremo da agressividade.

– Até agora eu não vi uma única demonstração sua no que tange a violência.

– Ah... – Ela corou, mexendo no cabelo – Não acho que seria bom pra minha imagem me comportar assim na sua frente.

            Isso realmente surpreendeu Pedro, afinal, a garota tinha vários ataques de pura perversão, e sequer se conheciam, para do nada dizer que “não é comportamento de dama brigar na frente de um rapaz”. Talvez, só talvez, fosse interessante conhecer ela, pensou.

– Me fale algo mais sobre você que possa me surpreender novamente, por favor – Ele pediu, calmamente.

            E conversaram, por duas horas. Comeram tudo o que tinham direito, até que decidiram sair para não prejudicar a confeitaria. Passeando pela cidade, Jessica percebeu um comportamento no rapaz: ele tendia a esconder muito o rosto, preferindo olhar outras pessoas por baixo da aba da boina, e guiar-se pelo chão. De tão acostumado estava, que sabia dizer quando um poste viria sem precisar levantar o rosto. Mas ela também queria impressionar ele, então decidiu guiá-lo até um dos parques próximos.

            Quando lá chegaram, ela pediu que Pedro ligasse o cronometro de seu celular, ele o fez, e antes que pudesse perguntar o quê ela tinha em mente, sumiu. Correu ao redor do parque como se não houvesse amanhã, esquivando de obstáculos e evitando pessoas desavisadas. Quando voltou, perguntou para ele quanto tempo fizera.

– 15 segundos e vinte milésimos – Ele respondeu, olhando o celular.

– O que?! Ah, droga, deve ter sido toda aquela comida – Jessica reclamou;

– Eu não recomendaria correr de novo, pode te dar câimbra.

– Bem, com certeza não vou tentar de novo agora, tô cansada demais...

– Mas você tem uma boa compleição física pra correr tanto em tão pouco tempo, é admirável – Pedro confessou, indo sentar-se num banco.

            Jessica sentou-se ao lado dele, mas evitou se aproximar demais para não irritá-lo. Ela pensou que seria mais prudente agir com mais pudor e cautela daqui em diante com ele, pois ele não era de todo mal, nem um pervertido como outros lobisomens. Afinal, a grande maioria deles tinha hormônios explosivos, especialmente na idade dela, mas quase todos os teriantropos tinham problemas assim. Pedro, por outro lado, parecia só usar isso como fonte de senso de humor, o que era certamente incomum.

            Preferindo ficar em silêncio, Pedro ficou a observar as pessoas na rua. Algo o incomodava, mas não sabia o que era. Aproveitou seu passeio, a garota parecia legal, muito atrevida e até mesmo incoerente além do limite, e muito aleatória. Mas parecia haver mais do que só esse turbilhão caótico e ele queria descobrir mais sobre ela. Infelizmente, algo ainda o incomodava a ponto de deixar um gosto azedo de “não foi tudo isso” em sua boca, e isso o entristeceu um pouco. Em meio aos seus devaneios, notou Jessica falando devagar e baixinho com ele.

– Desde que vi as matérias de jornal a seu respeito, te admirei... – Ela ia dizendo tímida – Você parecia legal, e tentei me matricular no Instituto Acadêmico, mas quando soube que você já não estudava lá, saí na mesma hora. Procurei seu endereço, até que um dos seus amigos, um orc de moicano legal, me deu o número. Ele luta muito bem aliás. Fiquei esperando uma oportunidade pra falar contigo, mas eu não sei o porquê de eu ter me acovardado tanto. Quando qualquer outro cara vinha falar comigo, eu não dava bola. Mas você... Eu tentei os feitiços porque queria ver se funcionavam, sabe? E quanto mais não surtiam efeito, mais eu quis tentar.

– Por teimosia? – Pedro interrompeu de repente, deixando a garota surpresa.

– É, teimosia. Como sabe?

            Pedro riu baixinho, vendo nela um comportamento que ele costumava ter quando mais novo.

– Esqueça, é só uma de minhas lembranças...

– Bem, isso até aquele dia, semana passada. Eu podia jurar que você ou ia arrancar minha roupa num rompante ou arrancar minha cabeça.

– A cabeça.

– Oh... – Jessica pareceu assustada com essa confissão – Não é fácil me deixar com medo ou me fazer sentir-me uma covarde, sabe?

– Isso porque você é uma ratel – Ele disse – E você usa muito “sabe” no final de suas frases.

– Exatamente. Te contar, certa vez quase tive problemas sérios na Zona Baixa, eu tinha quatorze anos e fui lá por curiosidade enquanto meus pais estavam no shopping. Vários insetos começaram a me agarrar, pode imaginar o que queriam – Ela corou ao deixar no ar a situação pela qual passou.

– Sim, imagino sim. Desagradável – Pedro não se interessa por coisas assim tratadas de forma banal, mas, era uma situação comum que ele via em alguns noticiários. Por mais medonho que fosse, acontecia.

– No fim das contas, eu explodi de raiva e pânico e comecei a rasgar eles com os dentes e as garras. Quando a polícia chegou, disseram que “parecia que um furação de lâminas passou aqui” – Jessica fez voz de falsete, imitando um policial, e isso conseguiu uma risada de Pedro.

– Acho que me lembro de algo assim, foi há cinco anos, teve pouca cobertura da mídia – Pedro comentou, vagando em algumas memórias – Nessa época eu já sofria do mal de qualquer moleque desde os quatorze. Paixonite aguda. Talvez eu tenha tido uma paixonite por você, mas não me lembro.

– Eu imagino que tenha gostado de algumas garotas... – Jessica parecia enciumada, apesar de feliz de saber que um “talvez” aconteceu com ele em relação a ela.

– A última foi ano passado. Não quero mais passar por aquilo.

            Jessica calou-se, pois se lembrava da história da “garota raposa, que era a melhor amiga do Lobo Negro Furioso”. Era óbvio que ele estava apaixonado por ela, mas parecia que algo pior estava escondido ali. Alguma dor, algum espinho profundo. “Vou remover esse espinho e pôr um curativo”, ela jurou para si mesma.

            Ela planejava dizer algo mais, mas viu uma aproximação estranha vindo na direção dos dois. O orc cinzento voltou, cumprindo sua promessa, e com ele uma equipe de seus amigos de aparência nada amistosa andavam juntos uns dos outros reclamando alto, gritando, estalando os ossos dos punhos, pescoços e ombros. Obviamente queriam pagar o favor que Jessica fez ao humilhar o colega.

            Quando os dois estavam cercados, começou a falação.

– Eu avisei que voltaria! Eu prometi! Agora acabou pra vocês!

– Exato! – Um dos orcs cinzentos concordou.

– Tem de ser um completo idiota pra mexer com um de nossa espécie!

– É mesmo? – Pedro perguntou sem levantar o rosto – Jessica, faça as honras por favor...

            O pedido pegou a garota de surpresa, que sorriu alegremente como uma criança a quem se dá um doce. O orc de mais cedo se afastou de pronto, mas voltou à sua posição inicial conforme avaliava a garota que se levantava. Certamente, sozinha contra dezesseis deles ela não seria um alvo mais difícil do que um orc de pele verde como demonstrara mais cedo, não é?

            Estava errado, pois foi ele o primeiro a ser derrubado com um golpe aéreo de repetidos socos e uma dupla joelhada em seu peito. O peso de Jessica era inúmeras vezes inferior ao dos orcs, mas a força bruta da garota era fora de série, as explosões de força de forma repentina lhe conferiam golpes de ferimentos graves imediatos a qualquer um que fosse o alvo. Ela fez jus ao que clamava quando conversou com Pedro: violenta, de fato, golpes rápidos e força tremenda, quase como um pesadelo da natureza encarnado em garras longas como facas e dentes pequenos, afiados e pontudos.

            Novamente pessoas ao redor se assustaram no parque, como na calçada, ao verem um caos de briga e baderna. Mas Pedro, tranquilo como se sentia, disse a todos que estava tudo bem novamente. E até que realmente estava tudo bem, com a ratel ruiva chacinando numa surra todos os orcs, até que o lobisomem viu o orc cinzento líder se levantar de fininho, sacar uma afiada dentada e se aproximar de Jessica pelas costas.

            Ela não havia visto ou ouvido a aproximação dele, ocupada que estava em aplicar uma chave de braço num dos orcs que possuía uma tatuagem de teia de aranha na careca reluzente. Quando a ominosa sombra do orc e da faca chegaram até ela, de repente, o maxilar do orc estava deslocado devido a um chute com a força de um aríete desferido por Pedro. As mãos enfiadas nos bolsos, o rosto ainda parcialmente oculto pela boina que ele vestia. Enquanto o líder orc cinzento caia, Pedro pegou a faca da mão dele (que ainda possuía um forte aperto no cabo). E o que restava do grupo de orcs baderneiros se afastaram cautelosamente, mas pouco efeito teve: o lobisomem e a ratel acabaram com cada um deles.

            A garota se sentiu muito alegre com tudo aquilo. Lutar ao lado do cara por quem sentia uma paixão crescente era como se tivessem ido ao cinema e ficado abraçados juntinhos. O rapaz lhe sorria, e isso fazia valer a coisa toda.

            Pedro se agachou um pouco, arrancou a presa com anéis dourados do orc cinzento líder e a guardou no bolso. Suspirou, espreguiçou o corpo e olhou para Jessica.

– Foi divertido... – Pedro começou a dizer, assustando Jessica – Mas eu preciso ir agora, garota dos doces.

– Mas... Mas já? – Ela estava desapontada, mas não podia alugar o rapaz para sempre.

– Sim, sim... Foi divertido, paguei minha dívida contigo – Ele respondeu mexendo as mãos nos bolsos dos jeans, guardando a presa de orc. O comentário deixou Jessica realmente chateada, mas ela não esperava pelo próximo comentário: – Dá próxima vez você escolhe o lugar, eu te convido. Te vejo outro dia – E saiu, caminhando devagar pela calçada.

            Jessica acompanhou o rapaz com o olhar, boquiaberta. Quando ele sumiu de vista, começou a dar gritinhos de alegria, e correu de volta para casa sob os protestos dos orcs caídos ao redor dela, independentemente de estar a cinco horas de distância. Correria para exaurir o corpo, sorrindo satisfeita com a pequena vitória conquistada depois de tropeçar tanto.

                                                           ****

– Que dia... – Pedro falava sozinho, enquanto entrava na loja. Desenvolvera o hábito de falar sozinho, especialmente quando cansado ou irritado. Agora, cansado, pois sentia-se estranhamente bem. Mas algo parecia errado: a porta de sua loja estava aberta, e seu instinto falou mais alto.

            Movendo-se em silêncio absoluto, subiu as escadas que ligavam a loja ao apartamento. Testou a maçaneta, a porta estava destrancada. Então deu a volta, saiu pela porta da loja, e resolveu subir pela parte de trás. Havia um beco baixo atrás da loja, com saída de incêndio, esta ligada à janela de seu apartamento. Quando subiu, foi simples destrancar a janela e entrar, fazendo barulho suficiente para assustar até mesmo a vizinhança.

– Quem diabos resolveu invadir A Toca do lobo? – Pedro gritou, olhando em volta, até reparar numa garota de cachos brancos e pernas tremulas até os pés. Não, não até os pés, até os cascos – Judy?

– O... O cor-corvo! Ele me reconheceu e me deixou entrar! – Judy estava realmente assustada, apontando para o corvo na defensiva.

– Nevasca? Como ele te deixou entrar?

– Ele sabia usar a chave.

– Eu não deveria ter ensinado isso a ele...

– Você não vai me matar, não é? – A voz dela ainda estava tremula, de puro medo.

– Que? Não vou matar você, caralho. Sossega, garota – Ele levantou as mãos num gesto de calma – Sente-se de uma vez e me conta o que veio fazer aqui. Vou fazer um chá pra você, parece uma pilha de nervos.

– Você também estaria uma pilha de nervos se alguém te desse um susto desses...

– Por invadir o apartamento de alguém? Eu nem imagino por quê alguém iria te assustar.

            A fauna engoliu em seco, contrariada. Sentou-se no sofá, cautelosa, enquanto ouvia os sons do antigo colega de escola se movendo pela pequena cozinha, fervendo água, pegando caixas nos armários e canecas na pia. Pouco depois, lhe trazia uma grande caneca de chá, com aroma doce.

– Vamos, pode beber, está morno o bastante pra não queimar a língua.

– Obrigada... – Judy respondeu, tímida, ainda tremendo um pouco.

– A que devo a honra desta invasão a domicilio?

– Vai ficar me alfinetando por causa disso? – Judy reclamou, as orelhinhas de bode mexendo furiosamente.

– Vou.

– Tudo bem... – A garota suspirou, um pouco chateada – Vou direto ao ponto. Eu preciso de um favor, estou tendo alguns problemas em casa, e não é só isso. Aconteceu outra coisa, antes desses problemas, e eu sabia que só você podia ajudar. Eu sonhei algumas vezes com a Ana – Ao ouvir esse nome, o lobisomem ficou tenso da cabeça aos pés. Odiava esse nome, odiava a quem pertencera o nome – Os sonhos eram confusos, assustadores. Resolvi consultar alguns encantamentos de visão, e...

– E...?

– Eu vi coisas nebulosas, mensagens de celular, e imagens dela apertando as mãos daquele tal Stephan... – Judy pusera a caneca de chá na mesinha, e olhou fixamente para Pedro, os olhos um pouco úmidos devido a possíveis lágrimas – Quer me contar o que realmente aconteceu com ela? Com vocês dois?

            Pedro suspirou brevemente, cansado, olhou para sua caneca de chá por alguns minutos. Ficou grato por Judy não apressar as coisas, mas não podia privar a amiga de saber do que acontecera com Ana, ano passo. Cedo, tarde, isso iria acontecer, e aconteceu de forma inesperada. “Que seja então”, ele concluiu.

– Primeiro, sobre o tal favor, eu suponho que você precise de um lugar pra ficar – Ele disse enquanto olhava para as malas junto de sua poltrona.

– É... – Judy torceu os cachos de seu cabelo lanoso e branco, envergonhada – E-eu prometo que não vai ser por muito tempo! Eu vou arrumar um emprego na minha área e alugar um apartamento, eu juro!

– Não se afobe. Se não fosse você, eu teria enxotado daqui na mesma hora. Fique o tempo que precisa, é uma companhia mais confiável do que um corvo que abre a porta sem minha autorização – Nevasca reclamou de dentro de sua casa de bonecas tingida a esmo pregada na parede – Agora, vou contar o que aconteceu. Você merece saber a verdade.

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