2 - Ela

            Ele ri, mas o tom é quase sarcástico, como se eu estivesse dizendo uma coisa absurda.

            Minha pergunta não me soa absurda porque ele está sendo seco e frio desde que chegou, e estamos agindo como dois estranhos. É quase como se Diogo não soubesse quem eu sou.

            Na verdade basicamente estou reagindo a ele, e ele está me tratando como uma estranha. Se ele pudesse ver como me sinto...

            - É óbvio que lembro daqui. – ele cruza os braços. – Não sofro de amnésia e nem tenho Alzheimer. – vejo seus bíceps tensos por baixo da camiseta cinza – Só se passaram treze anos. – acrescenta e, pela primeira vez, sinto um tom seco de rancor.

            Diogo não era assim e seu jeito atual parte um pouco meu coração – não porque ele está tentando me ferir, mas porque sinto culpa nisso.

            Começo me arrepender de tudo, de ter procurado por ele, de ter pedido por isso. Que coisa boa pode sair de nós dois agora?

            Cubro o rosto com as mãos por um instante, tentando recompor minha expressão, e subitamente sinto o metal frio da minha aliança contra a pele. Tiro as mãos, mas é tarde demais, sei que ele viu.

            - Então você se casou. – Diogo constata, amargamente. – Não que eu não possa ter visto uma nota ou outra. – ele ergue uma sobrancelha - Na verdade não vi. – confessa. – Eu não acompanho.

            Ele aponta para a minha mão:

            - Quando foi?

            - Durou cinco anos. – respondo mecanicamente, fugindo um pouco da sua pergunta oficial porque não quero falar sobre isso com ele. Nem mesmo sei por que ainda uso esse pedaço de metal sem sentido.

            - Então você tem um divórcio nas cotas? – seu tom é muito sarcástico, mas também temperado com cansaço e um peso que não sei definir.

            Suspiro, balançando a cabeça negativamente.

            - Ele morreu. – espero que a expressão dele mude um pouco, mas nada acontece.

            As pessoas costumam demonstrar um tom de pesar ou um olhar de pena quando digo que sou viúva. Diogo continua com seu olhar duro e seu tom seco.

            - É por isso que você está aqui? – novamente ele coloca as mãos dentro dos bolsos da calça, a voz cuidadosamente controlada e os olhos ferozes. – Agora que está livre você espera tirar alguma vantagem de mim? Agora que você obviamente se mantém sozinha? – a mão direita gesticula em direção aos quartos da cabana. – Aqui onde não tem ninguém para ver e julgar você?

            Não consigo dizer nada. As palavras me atingem feito tapas, mas apenas olho pelas janelas novamente: as árvores estão começando a mergulhar na escuridão da noite.

            De repente me sinto engolida pelo mundo ali sozinha com ele. Há um muro entre nós dois que parece que nunca será desfeito e isso dói.

            - Vou embora daqui. – ele anuncia exasperado diante do meu silêncio.

            Eu me viro e o vejo andando até a porta. Quando percebo já corri até ele e seguro seu braço com a mão o mais forte que consigo.

            - Não. – peço, porque não suporto vê-lo partir assim, e a alça do meu vestido escorrega deixando exposta a pele do meu ombro e a cicatriz em relevo que teimo em esconder.

            - O que é isso? – a mão dele ainda está segurando a maçaneta e seus olhos estão frios, mas a pergunta é sincera desta vez.

            Com um suspiro, solto seu braço e dou um passo para trás. É outro assunto que não quero falar com ele, na verdade talvez com ninguém mais, porque só quero esquecer.

            Mas sei que, se não começar a dar algumas respostas, Diogo vai embora desse lugar e não volta nunca mais. Algo dentro de mim não quer que isso aconteça, por mais que pareça que a nossa situação ali seja ridícula.

            - Foi ele? – solta a maçaneta e se aproxima, como se tivesse me dando mais uma chance.

            Pela primeira vez essa noite é quase o Diogo que eu me lembrava, não há frieza em seu olhar e o seu tom quase chega a ter algum calor.

            - Foi. – reajusto a alça e me afasto de novo com uma onda de vergonha, como se fosse culpa minha as coisas que aconteciam.

            - Sempre? – Diogo pergunta voltando a se aproximar.

            - Sim. – confesso sentindo o rosto quente.

            Ando até o sofá e me acomodo nas almofadas, apertando uma com força contra o peito. Meu coração bate acelerado.

            - Desde...? – ele senta também, mas longe de mim.

            - Não sei. – balanço a cabeça. – Começou aos poucos, algumas restrições e crises de ciúmes, até chegar a esse ponto extremo. Mas digo que desde os primeiros meses do casamento. – abaixo a cabeça, o pescoço quente.

            - Sinto muito. – ele está sendo gentil agora. Olho seus olhos cor de mel que me fazem pensar no outono, como sempre fizeram. – Você nunca quis ir embora?

            - O tempo todo. – assumo, prevendo a pergunta seguinte.

            - O que segurou você? – a testa está franzida.

            - Meu filho.

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