Capítulo 3

Mais uma manhã com o céu claro e desprovido de nuvens, tinha caído na cama e mal percebi o momento em que pegara no sono. Olhei em volta para o quarto bagunçado e vazio ao mesmo tempo. Desde que voltei tudo parecia cinza e vazio, estranhamente vazio. Hoje era mais um dia que todos usariam para se aproximar, era o meu aniversario. E como todos os outros eu tenho que fingir estar feliz e animado, não que eu esteja triste, ou tenha motivos para estar, e não que eu seja antipático, o problema é que não sou muito acostumado a sorrir, pois nunca tive um bom motivo para isso.

Mas como todos os dias em que acordo com disposição, me levanto e vou para a academia do condomínio. O que eu mais gosto de fazer em plena manhã é lutar, porém às cinco da manhã não se tem muitos oponentes. Por esse motivo optei pelo saco de areia mesmo. Cada soco que eu dava era um segundo de tristeza sendo descontado, meu lobo satisfaz suas alegrias de modo violento, é tudo que ele conhece, a violência, mas assim que essas coisas eram feitas não demorava muito para o vazio voltar. Um buraco na alma dele que se espelhava em meu peito, e por vezes eu apenas queria continuar matando para não sentir aquilo. Ele tentava preencher, em vão. Meu lobo é autoritário, possessivo, sanguinário, despreza a humanidade, e eu aprendi muito com ele, principalmente porque ele foi a minha única companhia desde que eu assumi o lugar de Genuíno. Meu pai morreu quando eu tinha dezesseis anos, e minha mãe logo após o meu parto, assim tive que assumir meu posto mais cedo, e fui moldado a imagem do meu lobo.

Depois de algum tempo batendo o saco, acabei o rasgando, rosnei em decepção. Peguei e joguei no chão fazendo de conta que não fui eu. Quando ia saindo da academia entra Rafael ofegante, ele coloca as duas mãos no joelho e tenta respirar, patético.

— I.. Ian...! – Ele exclamava, tentando falar, mas quanto mais ele tentava mais o folego lhe faltava.

— Isso que dá ser sedentário Rafael... – Falei tentando ir para casa, mas fui barrado por um lobo vigia.

— Genuino? – ele me chamou inquieto, parecia preocupado.

— O que quer? – Perguntei impaciente.

— Fomos atacados! – Aquilo era musica para os meus ouvidos. – Nós o capturamos, ele já está pronto para o interrogatório.

— Ótimo, estou indo para lá. – Olhei para trás vendo Rafael ainda puxando o ar com dificuldade, mas vindo em minha direção. –  Creio que foi isso que você veio me avisar, não é?

Revirei os olhos quando ele estendeu seu polegar para mim, o puxei pela gola da blusa até o lado de fora e ele caiu sentado no chão.

— Eu já estou melhor obrigado. – Rosnei e me virei para ir embora, mas ele segurou meu braço.

— O que é? – perguntei o encarando sem humor.

— Ele não é um Zeta, é um enviado.

Meu lobo se encheu de ódio ao saber disso. Corremos até uma certa parte da floresta, em meio a pinheiros altos estava minha guarda e um homem ajoelhado com as mãos presas para tras, me aproximei devagar. Ele pareceu identificar meu cheiro, pois ergueu o olhar quase de imediato. Mesmo querendo mata-lo sem perguntar nada tive que levar em consideração a observação que Rafael havia feito, ele é um enviado, e um enviado vem atrás de alguma coisa, e não parecia ter sido de mim. Parei em sua frente, me controlando para não fazer nada imprudente, mas ele começou a rir o que me deixou irado.

— Do que você esta rindo? –Perguntei rosnando. Mas ele continuou sorrindo, eu peguei em seu pescoço e o levantei até ficar de frente para mim.

—Eu não serei o único. — ele falou com deboche.

— O único a que? – questionei, esperando que sia ignorância o fixesse falar mais do que deveria.

— A vir atrás dela. – tentei não deixar transparecer o que fazia.

— Dela quem? – Perguntei apertando ainda mais o seu pescoço.

— Sua companheira. Em breve ela estará morta! – ele gritou, me deixando confuso com aquilo. Eu não tenho companheira. – Você é um idiota... todos vão estar atrás dela,é apenas questão de tempo.

Não consegui mais me controlar, meu lobo tomou conta, e minha raiva e sede de sangue fizeram com que eu perdesse a paciência. Com apenas uma mão quebrei seu pescoço. Rosnava, mas parecia ser para mim mesmo, minha cabeça estava baixa, meus ombros caídos com essa notícia eu não posso ter uma companheira, é quase impossível... E ainda se tivesse, como ele sabia disso antes de mim?... Meus pensamentos me tomam, deixei o corpo cair em minha frente, e um vento frio tomou me tomou. Não dirigi a palavra a ninguém depois do que fiz, andei lentamente até minha casa, com a postura exemplar, não deixando transparecer aquele homem que há um momento estava com os ombros curvados. Entrei e fui ao banheiro tomar um banho gelado, estava fervendo em ódio. O banho foi demorado, por alguns minutos eu apenas deixara a água escorrer sobre meu corpo, com uma das mãos apoiada no azulejo branco, e meus cabelos por cima dos meus olhos, diminuindo minha visão.

Coloquei um terno preto tradicional, coisa que eu não era muito acostumado a usar, uma blusa branca, e uma gravata azul cobalto. Os cabelos foram bagunçados por falta de paciência, não tomei café. Em ações automsticas eu acabei indo parar na empresa, nem a Mary dirigi a palavra. Minha mente estava longe, e tudo que eu tivesse de pensar teria que ser agora, a noite será minha festa de aniversario, e minha atenção terá que ser toda aos alfas que iram me prestigiar com sua presença.

{...}

Já se passava das duas da tarde, ouço a porta se abrir, era Mary, nem olhei para ela, apenas esperei que ela falasse o que era tão urgente para vir interromper o cenário fúnebre do meu escritório.

— Sr. Black. – Arqueei uma das sobrancelhas em sinal que eu estava lhe ouvindo.

— O alfa supervisor do norte esta aqui. – Levantei minha cabeça lentamente, e a olhei nos olhos, ela parecia preocupada comigo, e eu pouco me importava com ela.

— O que ainda faz aqui? Mande o entrar, ou espera que eu mesmo faça isso? – Falei em tom rude, meu dia não estava sendo um dos melhores.

Então uma imagem conhecida passou por minha porta, alto, um pouco magro, cabelos em tons de cinza, a barba por fazer, olhos profundamente negros que formavam rugas, assim que me viu abriu um enorme sorriso e se aproximou de minha mesa, sentou a minha frente, e tentou me imitar, o que quase me fez gargalhar.

— Jhefry? Quanto tempo velho amigo. – Me levantei e trocamos um cumprimento. Jhefry é meu amigo de velhas datas, ele esteve comigo me treinando quando meu pai veio a falecer, o tenho como um pai para mim.

— Ian meu garoto, como você cresceu. Atrás dessa mesa mais parecia o seu pai, tive que parar ver se reconhecia. – Rimos juntos.

— Então o que faz aqui? – Perguntei em uma falsa calma.

— Não posso dar os parabéns ao meu filho? – ele deu um meio sorriso, e logo percebi que não era bem disso que se tratava. Apontei a cadeira em minha frente e ele voltou a se sentar, me encarou serio, e alguma coisa me disse que tinha algo a ver com o ataque de hoje.

— Creio que já sabe da caçada. – Franzi cenho em sinal de dúvida, eu sou o genuíno e não estou sabendo de nada.

— Que caçada? – não sei o porquê minha voz saiu trêmula.

— A sua companheira. – sua voz soou tão natural que, por um momento, pude ver um lampejo de dor ali.

— Eu nasci para viver sozinho como todos os genuínos que me antecederam. – Respondi convencido, ou melhor, tentando me convencer daquilo. Me levantei e encarei a parede de vidro que dava uma bela vista da cidade.

- Ninguém nasceu para viver sozinho filho, tenha bastante cuidado. – advertiu. Não o encarei.

— Ainda não acredito... – quase em sussurro, admiti. Porém, logo tornei a minha postura. – Mesmo assim não me importo, eu tenho alcatéias para proteger, não tirarei minha atenção por causa de uma lobinha.

Ele riu de minhas palavras, ao notar sua aproximação o encarei de soslaio. Jhefry parou ao meu lado clmo se compartilhassemos a mesma visão, mas algo me dizia que ele não estava realmente vendo a cidade.

— O destino gosta de pregar peças Ian. – Ele apenas falou isso, e se retirou.

Eu não nasci para ter uma companheira, eu nasci para ser um monstro, assim como os outros genuínos, e monstros não amam, eles matam... companheiras eram distrações, fraquezas...

Eu não me importo...

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