Briga

Amanheceu.  Alex não dormira em nenhum momento. Levantou de sua cama vestindo ainda a roupa que usara no trabalho no dia anterior. Sentia-se sufocado. Tirou a roupa e entrou para seu banho gelado.

            Ao sair, colocou uma roupa confortável. Estava se sentindo mal ainda. Falta de ar. Sua cabeça doía.

            Ele se arrastou até o canto da cama, de onde pegou uma caixa de remédios.

            Tremia. Suas vistas estavam embaralhadas.

            Dentro da caixa, pegou um pequeno recipiente e pingou diretamente na boca dez gotas de um remédio. Lembrou do doutor falando: “não use mais do que duas gotas por dia”. Duas gotas. Não faziam efeito para Alex que, devido a tudo, tomara muito remédio e seu corpo criara resistência contra diversos medicamentos.

            Soltou o recipiente sobre a cama e se encolheu, em posição fetal, por alguns minutos. O efeito do remédio fez com que ele levantasse.

            Antes de mais nada, colocou o recipiente na caixa junto com outros medicamentos, ataduras e mais vários elementos de primeiros socorros, e colocou a caixa na sua mochila.

            Comeu um pão velho e tomou um copo de café bem forte. Se sentia um pouco melhor.

            Buscou seus óculos escuro que estavam jogados sobre o sofá. Só então pegou o celular, colocou no bolso e saiu com a mochila nas costas.

            Era cedo, mais que o normal. Resolvera caminhar até o abrigo. Sabia que andando ia se sentir melhor. Percebera que era a hora de voltar para uma academia. Fizera exercícios a vida inteira, mas, depois de tudo que lhe acontecera, desistira de tudo.

            Um vento cortava seu corpo. Não se importava. Queria somente que aquela imensa crise de ansiedade passasse.

            Depois de caminhar por quarenta e sete minutos, Alex chegou ao portão da casa onde era o abrigo. Pegou seu celular. Estava mais de uma hora adiantado.

            Subiu, sem cumprimentar ninguém. Abriu a sala e colocou a mochila dentro.

            Sentou e respirou fundo. “Tenho que me controlar. Tenho que me controlar”.

            Um barulho no terceiro andar interrompeu seu pensamento. Escutou gritos. Ouvira poucas vezes a voz de Jenifer, entretanto, podia jurar que era ela quem gritava.

            Num ímpeto de desespero, misturado com preocupação, saiu de sua sala e correu para o terceiro andar.

            Ao pisar no último degrau, viu Jenifer ser empurrada no chão pelo menino que no dia anterior implicava com ela durante a aula.

            Jenifer, caída, gritou:

            – Seu merdinha! Isso é meu!

            Ela levantou, correu e socou o olho do menino. Com o impacto, ele caiu e ela pulou sobre ele, socando com força o seu rosto.

            As outras crianças, em volta, gritavam:

            – Briga! Briga! Briga!

            O menino, maior e mais forte que Jenifer, segurou os braços dela e a jogou o chão. Jenifer bateu com a cabeça no piso. Ele, então, se preparou para dar um soco no rosto dela. Quando iniciou o golpe, Alex segurou o braço dele:

            – Parem já com isso!

            As crianças olhavam assustadas para ele. O professor gritou:

            – Todos vocês, de volta para seus quartos!

            Neste momento, ofegante, Estela chegou ao terceiro andar.

            Alex puxou o menino e entregou nas mãos dela:

            – Cuide dele. Vou ver a menina.

            Sem conseguir falar, ela acenou com a cabeça. Talvez só se dera conta de que a menina era Jenifer muito tempo depois.

            Estela olhou irada para o menino.

            – Você de novo!

            Agarrou as orelhas do menino, que estava com o olho roxo dos socos levados, e o arrastou escada abaixo.

            Alex nem se importou, queria ver como estava a menina.

            Jenifer estava caída. Sentia-se zonza. Sabia que não fizera uma coisa certa, mas, não poderia deixar que aquele menino pegasse o que é dela. Mexeu as mãos. Sentiu o casaco que Alex lhe deu. Ficou aliviada. Desmaiou.

            Alex se aproximou e viu a menina desacordada. Pegou-a em seus braços e correu para sua sala. Ao colocar a mão na cabeça, sentira que a batida ferira sua cabeça e sangrava.

            “Droga!”

            Ele empurrou a porta e entrou rápido. Colocou a menina sobre a mesa que havia na entrada, jogando todas as suas ferramentas e papéis para o chão.

            Com a mão suja de sangue, ele abriu rapidamente sua mochila e pegou a caixa de primeiros socorros.

            “Ainda bem que trouxe.”

            Pegou uma atadura, limpou a cabeça da menina e aplicou um líquido cicatrizante. Depois, fez um curativo pelo meio dos cabelos da menina.

            Controlava a respiração. Nem mesmo o remédio conseguia mantê-lo focado. Fazia um esforço imenso para não tremer e conseguir cuidar da menina.

            Pouco tempo depois, Alex limpava o sangue em suas mãos e na mesa.     

A menina ainda usava o vestido laranja e branco. O vestido não ficara sujo com o sangue.

Alex, então, percebeu que ela segurava o casaco que ele lhe dera no dia anterior.

“Então foi isso. Ele tentou tomar o casaco dela.”

Ele pegou o seu casaco, dobrou e usou para manter a cabeça da menina mais alta. Assim, o sangramento pararia e o curativo faria efeito.

De leve, tocou em seu rosto, tentando despertar a menina:

– Jenifer... Jenifer...

A menina, lentamente, abriu os olhos. Conferiu se o casaco estava em seus braços e viu Alex em sua frente. Sentira alívio. Mas, sentia medo da bronca que receberia.

Ela sentou. Esperava o primeiro grito de Alex, ou até mesmo um tapa. Se encolheu, temerosa de receber um tapa. Pela sua mente, passara a imagem de um homem, maior do que Alex, com a mão levantada, batendo em seu rosto.

Talvez pudesse sentir ainda a dor daquele tapa no rosto, queimando em seu rosto pálido.

Pensava em explicar o que acontecera, que o menino queria roubar o casaco que ele lhe dera, mas achava que não adiantaria. Acostumara a receber a culpa de todas as coisas. Ela era a responsável por toda desgraça e o motivo da infelicidade. Pelo menos era o que escutava. Do que adiantaria reclamar ou explicar? Pelo menos, o casaco estava com ela. Parecia algo simples, mas era um presente que a deixara mais feliz e, por muito tempo, não sabia o que era ficar feliz.

Fechou os olhos mais forte, esperando seu castigo.

Sentiu Alex se aproximando.

Para a surpresa dela, ele o abraçou, forte. Tão forte que podia sentir o coração dele acelerado. Seu rosto estava encostado ao dele.

Segurava as lágrimas. Não lembrava quando ganhara um abraço assim. Aprendera a ser forte, a segurar as emoções. Não queria deixar que Alex percebesse sua fragilidade. Mesmo sendo apenas uma menininha.

Alex, por sua vez, deixava as lágrimas correr. Sussurrou no ouvido dela:

– Jenifer... Você se sente bem? Me perdoe não ter chegado antes.

Era tudo que ela menos esperava ouvir. Não se aguentou. Lágrimas rolaram do rosto da frágil menina que ali estava abraçada com aquele professor que buscava uma nova chance na vida.

Ficaram por alguns minutos abraçados. Jenifer queria que aqueles momentos não acabassem. Não lembrava de sentir essa sensação boa de proteção e carinho antes.

A cabeça dela começara a doer. Não queria soltar Alex, mas a dor aumentava. Ela disse, baixinho:

– Minha cabeça está doendo.

Alex olhou o curativo. Estava no lugar. Provavelmente a pancada estava trazendo a dor para a menina.

Ele pegou um remédio na caixa e pingou cinco gotas na boca da menina. Ela fez uma careta.

– O gosto é ruim, mas vai tirar a dor.

Ela concordou com a cabeça.

Minutos depois, surpreendentemente, Estela apareceu na sala de informática:

– Com licença, Alex. Como está a menina?

Alex olhou para ela. Estava com a porta meio aberta e parecia segurar alguma coisa.

– Está bem, um leve corte devido à queda. Mas já cuidei dela.

Estela estranhou:

– Você?

Alex sacudiu a cabeça:

– Tenho várias habilidades. E, no meio de tudo que já fiz nesta vida, estudei enfermagem e me especializei em primeiros socorros.

Estela pareceu surpresa. Depois, sacudiu a cabeça.

– Alex, tenho alguém aqui que quer falar com Jenifer na nossa frente.

Ela olhou para o lado. Abriu a porta e segurava o menino pela orelha, como fizera na hora em que a confusão acontecera.

– Não é, Pedro? O que tem a dizer para Jenifer?

O garoto estava com o olho inchado do soco que recebera da menina e sua orelha estava roxa pelo tempo que estava sendo puxada por Estela. Os olhos estavam vermelhos de tanto chorar e ele fungava forte.

– Desculpe, snif, Jenifer, snif. Eu sou, snif, um covarde, snif.

A menina nem olhou para ele. Só sacudiu a cabeça.

Estela colocou o menino dentro da sala ainda puxando suas orelhas. Ela estava realmente irritada por ele ter machucado Jenifer na briga.

– Agora, Pedro, dê um abraço nela.

Ela soltou a orelha dele. Ele, envergonhado, abraçou a menina. Ela disse baixinho:

– Eu te desculpo. Me desculpe também.

O garoto ficou surpreso. Soltou a menina e voltou para perto de Estela. A expressão de raiva tinha passado. Ali, nele, restava um sentimento de paz, como quem fez a coisa certa. Ele deu um sorriso para a menina.

Estela, então, olhou para Alex, aliviada:

– Alex, obrigada por cuidar dessa menina. Ela é muito preciosa... – respirou – assim como todas as crianças desta instituição.

Ela agarrou as orelhas do menino e o levou para fora da sala.

A sirene tocou para indicar que era hora do café da manhã. Alex sorriu para a menina, e indicou para que ela fosse comer.

Sozinho, ele coçou a cabeça e a barba para fazer.

“Muito preciosa? O que ela quis dizer com isso?”

Depois do café, cada criança foi para sua sala. Jenifer fugiu para a sala de informática. Alex ficou feliz, pois poderia monitorar a menina durante todo o dia.

João entrou na sala de Estela exalando a última fumaça de um charuto. Pisava forte e resmungava como sempre.

Estela estava ainda se recuperando dos acontecimentos.

– O que houve, Estela? Por que está aí toda ofegante?

Ela respirou fundo, enquanto ligava o computador:

– Aquele menino Pedro. Ele quase machucou feio a nossa menina.

João arregalou os olhos no mesmo momento:

– Como? O que ele fez? Ela está bem?

Estela sacudiu a cabeça:

– Temos que agradecer ao nosso novo amigo, Alex. Ele chegou na hora e impediu que ela se machucasse de maneira grave.

João andou pela sala:

– Você sabe que isso não pode acontecer. Precisamos dela inteira.

Estela deu um soco na mesa:

– Eu sei tanto quanto você. Ela machucou a cabeça e Alex cuidou dela. Vamos esperar que isso baste.

João sacudiu a cabeça:

– Esse tal de Pedro, sempre arrumando confusão. E olha que quase foi ele...

Estela olhou para João:

– Ainda bem que não. Aqui daremos nosso jeito. Mas vamos focar na nossa menina. Ela é prioridade agora.

João pegou outro charuto:

– Estou preocupado somente com esse professor. Mas já consegui tudo com nosso contato. Não acredito que tenhamos problema.

Ele acendeu o charuto e soltou fumaça pela janela:

– E quanto ao plano B?

Estela olhou furiosamente para ele:

– Estou tentando terminar de resolver isso. Se não fosse Pedro, já estaria com esta carta na manga. Quanto a Alex, temos que ficar mesmo de olho nele.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo