Chegada

Alex desceu do ônibus na frente da antiga casa que se tornara um orfanato. Viu uma placa, já apagada, escrito apenas “Abrigo”.

            Era uma manhã de primavera e o sol despontava sobre o lugar exibindo a beleza daquela construção.

            A casa pertencera a um senhor milionário que morara na rua quando criança e não queria ver nenhuma criança passando pelo que passou. Equipou a casa com quartos e salas de aula. Assim, poderia dar educação de qualidade e abrigo para todos. A casa, com 3 andares, contava com 18 quartos, 6 salas, 3 cozinhas e 8 banheiros. O primeiro andar ainda contava com a administração e a sala dos professores.  A fachada lembrava uma catedral europeia do século XVII. Criara o abrigo cinquenta anos atrás, e o administrara até falecer com cem anos. Foi então que um grupo de pessoas ligadas a uma ONG assumiram a administração.

            Alex deu um leve sorriso ao olhar aquela enorme casa. Lembrara as histórias antigas de vampiros que lia. Imaginara o próprio Drácula deitado no centro daquela casa.

            Deu alguns passos e entrou sem nenhuma dificuldade. Não havia ninguém fazendo guarda na entrada. Estranhou. Era um lugar que cuidava de crianças.

            Dentro, seguiu para a administração. Uma senhora usando óculos escrevia alguma mensagem em uma antiga e enferrujada máquina de escrever.

            Olhou para o fundo do corredor e viu uma menina sentada, com a cabeça encostada nas pernas. Umas duas pessoas passaram por ela e a ignoraram.

            Alex estranhou e falou com a senhora que, em momento algum levantara a cabeça para o escutar.

            – Com licença, sou o Alex. O novo professor de informática.

            Ela levantou os olhos e respondeu sem parar de datilografar:

            – Segunda sala à direita.

            E voltou a se concentrar na carta.

            Enquanto andava, a cena da menina no chão voltou a lhe chamar a atenção.

            Entrou na sala indicada. Uma mulher obesa e um homem magro com um bigode que não era aparado há muito tempo, discutiam.

            – Não há problemas.

            – Cuidado.

            E perceberam a presença de Alex.

            – Bom dia. Sou Alex, o novo professor de informática.

            A mulher, sentada em uma cadeira giratória, olhou para ele. Alex pode observar aquela figura. Não deveria ter mais do que 40 anos. Seu rosto era enrugado e tinha uma expressão aterrorizante. Seus olhos negros eram pequenos, pequenos demais para o tamanho do rosto. E as sobrancelhas, grossas, davam um ar de maldade àquele rosto. Usava uma blusa de botões verde musgo e uma calça da mesma cor e mesmo material. Alex descobriria que ela sempre usava a mesma roupa. Um crachá de identificação, com um sorriso e um arco–íris, exibia seu nome: “Estela”.

            Na frente de Estela, uma mesa com milhares de papéis e um computador aguentava os pés do homem de bigode.

            Esse, magro demais, pele muito branca, exibia um bigode com marcas de queimado, provavelmente do cachimbo que estava em suas mãos. O rosto comprido e as orelhas grandes faziam com que parecesse um personagem de desenho animado. Na cabeça, um chapéu parecendo com o usado por soldados que escondia parte da calvície. Poucos cabelos lisos apareciam em sua cabeça. Usava terno preto e botas. Assim como Estela, tinha um crachá de identificação escrito “João”.

            Estela observou Alex por frações de segundo e começou seu discurso:

            – Olá. Bem-vindo ao nosso abrigo. Aqui nosso objetivo é que todas as crianças sejam felizes. E, claro, que possam encontrar uma família que os acolha.

            Alex olhou para aquele discurso que nada combinava com a figura ali sentada.

            – Obrigado. O doutor me disse que já havia informado da minha chegada.

            – Sim, meu querido. Bom, eu sou Estela, a diretora geral. Esse é João, meu marido. Nós estamos comandando aqui há três anos.

            Alex esboçou um leve sorriso. Ela prosseguiu:

            – Fique à vontade para conhecer nosso espaço. Sua sala é no segundo andar. Ela está fechada há um ano. Tivemos um problema com o antigo professor, que acabou se mudando daqui. Creio que você vá precisar revisar todos os computadores antes de começarem as aulas.

            Alex, imaginando isso, havia levado ferramentas em sua mochila.

            – Obrigado, diretora. Eu farei isso agora.

            Ele deu um passo para sair da sala e virou novamente:

            – Estela, uma pergunta. Ali no fundo do corredor tem uma menina abaixada, sozinha. O que houve com ela.

            João tirou os pés da mesa, como quem estava desconfortável. Estela respondeu com muita tranquilidade:

            – Aquela é a Jenifer. Ela é um problema. Não aceita regras e arruma confusão com todos. Está ali porque a professora de hoje teve um forte conflito com ela. Vai ficar ali até que algum professor resolva aguentar esta menina.

            Alex achou aquilo surreal.

            – Entendi. Bom, estou indo para minha sala.

            Ele fechou a porta e deu cinco passos. Chegou ao lado da menina e, em frente, era a escada para o segundo andar.

            Pensou em subir direto. Não, não iria se envolver logo no primeiro dia. Mas, não conseguiu. Sentou ao lado da menina.

            – Oi, soube que seu nome é Jenifer.

            A menina virou o rosto e olhou para ele. Lágrimas escorriam de seus olhos. Ela tinha em torno de sete anos. Usava um vestido fino, sem mangas, listrado nas cores branca e laranja. Estava sujo e com um pequeno rasgado. Nos pés, tinha um chinelo antigo. Seus cabelos estavam soltos. Iam até o meio das costas. Eram castanhos bem escuro.

            Ela tinha ódio no olhar. Olhou para Alex, ainda chorando.

            – Vá se ferrar.

            Após se recobrar do susto de uma resposta tão grosseira, Alex suspirou e olhou novamente para ela. Sentiu pena. Tinha vontade de abraça-la forte. Talvez encontrara ali sua primeira missão.

            Continuou uns minutos ao lado dela. Tentou novamente:

            – Eu soube que você terá que ficar aqui até algum professor resolver lhe chamar. Mas, pelo que vi, nenhum deles está disposto a isso.

            A menina apertou mais forte o rosto nas pernas. Alex prosseguiu:

            – Eu acabei de chegar aqui e preciso de alguém para me ajudar na sala de informática. Soube que terei trabalho nos computadores.

            Ele se aproximou um pouco e falou baixinho:

            – Que tal ir comigo? Acho que é melhor do que encarar aqueles dois.

            Apontou para a sala da direção, onde Estela e João continuavam a discutir.

            A menina levantou a cabeça, surpresa e olhou para Alex. Concordou com a cabeça, ainda com cara amarrada.

            Eles levantaram e seguiram pela escada.

            Assim como todo o prédio, a sala de informática era grande. Comportava 20 computadores, mesas e cadeiras.

            Alex abriu a porta e acendeu a luz. Por um momento, ficou espantado. Estava diante de vários computadores obsoletos e completamente empoeirados. Sabia que teria trabalho.

            Ele apontou para uma cadeira e Jenifer sentou. Depois, Alex colocou a mochila sobre a mesa e tirou duas máscaras cirúrgicas:

            – Bom, usaremos isso. A poeira pode nos fazer mal.

            Colocou, cuidadosamente, a máscara na menina. Notou que seus braços estavam marcados, arranhados de unha. Pensou em perguntar, mas sabia que não teria a resposta ainda. Preferiu esperar.

            Durante a manhã inteira, Alex e Jenifer limparam os computadores. Em nenhum momento a menina disse alguma coisa. Apenas fazia aquilo que ele pedia para ser feito.

            Num determinado momento, uma sirene alta tocou. Alex se assustou:

            – O que é isso?

            A menina, de cabeça baixa, disse:

            – Eu... tenho que ir. Hora do almoço.

            E seguiu em direção à porta. Alex a interrompeu:

            – Ei, Jenifer!

            A menina olhou para ele, que disse:

            – Obrigado por me ajudar.

            As bochechas da menina ficaram coradas e os olhos encheram de lágrimas. Ela sai correndo pelos corredores.

            Alex ficara mais alguns minutos na sala. Fizera uma lista de peças que precisaria. Passaria a tarde na cidade em busca das peças e só retornaria no dia seguinte.

            Passou pelo refeitório, onde se apresentou para as duas cozinheiras, que, pelo visto, não se interessaram em saber quem ele era. Estavam preocupadas em servir o macarrão feito em uma enorme panela.

            O professor contou 57 crianças comendo. A maioria conversava com amigos. No fundo, sozinha, estava Jenifer.

            Ele passou pela menina e fez um leve carinho em seus cabelos. Ela continuou de cabeça baixa. Depois, Alex saiu.

            As cozinheiras comentavam algo sobre ele. Não gostaram de sua presença ali.

            Se ele tivesse voltado no abrigo à tarde, teria encontrado a menina sentada na porta da sala de informática, sozinha, durante toda a tarde. Porém, Alex comprara as peças e fora de táxi para casa. Era noite quando chegou com aquela caixa cheia de componentes que seriam trocados no dia seguinte.

            Ao entrar em casa, seu celular tocou. Era o doutor:

            – Meu amigo Alex, como foi seu primeiro dia?

            Alex sorriu ao ouvir uma voz conhecida:

            – Doutor! Bom falar com você. Olha, aquela Estela e aquele João são bem estranhos. Eu entrei e saí do lugar sem nem mesmo me pedirem nada.

            O doutor coçou a cabeça:

            – Hum. Temos que ficar de olho neles.

            Ele prosseguiu:

            – E o que é aquela mulher na administração usando máquina de escrever? De que lugar ela saiu?

            Os dois riram juntos. O doutor continuou:

            – E as crianças?

            Alex respirou e lembrou da menina sentada no chão:

            – Bom, encontrei algumas. Fui ao refeitório no lanche. Tive que sair para comprar peças. Os computadores estão destruídos.

            O doutor gritou:

            – Destruídos? Mas eu mesmo levei dez computadores novos semana passada!

            Alex refutou:

            – Novos? Não mesmo. São todos obsoletos. Tive que comprar várias peças para conseguir que funcionem amanhã.

            O doutor respirou, pensativo:

            – Hum. Algo está errado. Vou descobrir o que é.

            O jovem professor suspirou e disse o que remoera o dia todo:

            – Sabe, me chocou uma coisa hoje, doutor.

            – O quê?

            – A forma como trataram a menina Jenifer. Ela estava sentada sozinha de castigo.

            O doutor parou por uns segundos:

            – Jenifer? Não recordo deste nome na minha lista. Um minuto. Estou ligando o meu computador.

            Ele ficou em silêncio por um tempo. Logo voltou:

            – Tem certeza que é Jenifer? Não tem nenhuma criança com este nome aqui. E tenho o registro da semana passada das 56 crianças.

            – Doutor, eu contei 57. Tive no almoço delas.

            – 57? Não me falaram nada. Tem certeza mesmo que é Jenifer?

            – Sim, a própria Estela me disse o nome da menina.

            O doutor pensou por um tempo:

            – Isso é estranho. Eu tenho que ser informado de qualquer criança que entre ou saia. Mas, me diga, o que achou desta menina?

            Ele sorriu:

            – Fiquei louco por ela. Eu mexi com ela e ela me xingou.

            O dois deram gargalhadas no telefone. Logo depois desligaram. Ambos ficaram preocupados com a menina que não constava nos registros.

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