02: Boas vindas

Eu nunca entendi o motivo das pessoas se afastaram de mim, ou basicamente, porque ninguém nunca tentou aproximar-se de mim. Ou tentou e o meu medo e timidez não me deixaram ver, geralmente não sou tão tímida, mas só quando estou escrevendo ou não estou fantasiando uma vida que não é minha, fora desses requisitos, eu sou um desastre. Eu não sou uma adolescente muito jeitosa, o meu cabelo não é tão bonito quanto os das outras garotas, o meu corpo é esquio e desengonçado, a minha pele tem sardas e a maioria das pessoas, inclusive os meus pais, nunca ouviram a minha voz.

No meu antigo colégio, o meu apelido era bruxinha silenciosa. Pois quando se aproximavam de mim, os meus colegas sempre me encontravam lendo os livros que a minha avó costumava me dar no Natal. No ano novo de 2012, ela me deu um livro de feitiços para fadas, eu adorei o presente, mas lembro de ter tido sérios problemas por sua causa. Um livro nunca fará mal as pessoas, mas o que sai da boca de muitos é capaz de acabar com uma vida toda.

Não... Eu nunca tive um caldeirão ou fiz feitiços e nem nada. Eu era uma garota como qualquer outra, exceto que eu gostava de contos de fadas e histórias de mestres de feitiços. O meu desenho favorito era o clube das Winxs, e eu também tinha um fetiche por Harry Potter. Eu decorava as músicas de desenhos e os cantava sempre sozinha, no intervalo do colégio, no banheiro do colégio e quando estava sozinha em casa. Eu não me lembro de reparem em mim. Mas não foi apenas essas coisas que me fizeram ter esse apelido, o fato das minhas orelhas serem um pouco maior do que a dos outros, também ajudou as meninas a me chamarem assim. No quinto ano, uma garota chamada Julia, pregou chicletes no meu cabelo e disse que a goma tinha parado lá por pura magia. Lembro-me de ter sido forçada a cortar o cabelo, e que essa Julia, ao lado de mais duas garotas, começou a me perseguir. Eles nunca pegaram tão pesado comigo, havia outras pessoas que sofreram muito mais do que eu, mas eu sempre me senti oprimida por conta disso. As outras pessoas tiveram pais que as escutaram, porque sempre que a Julia se levantava, eles visitavam a escola e reclamavam sobre o comportamento dela. Entretanto, na minha casa, eu era uma filha perfeita, não reclamava, não sentia e não falava. Sempre quando o meu pai ou a minha mãe participavam de um lugar público e falavam sobre mim, recebiam elogios e diziam que eu era a mesma pessoa em casa. Tanto os meus pais, como os meus orientadores, nunca me conheceram de verdade. Eu podia ser educada e gentil no colégio, quieta e boa aluna, mas ninguém estava cem por cento interessados em saber sobre as coisas que aconteciam fora da escola.

Você já parou para pensar sobre o que torna as pessoas aceitáveis dentro de um determinado ambiente? De acordo com o meu pai, a escola é uma pré-universidade para a idade adulta, é aonde os perdedores são separados dos vencedores e que se você não pode sobreviver a isso, você certamente, não nasceu para vencer. O que ele não sabe é que a sua filha nunca foi aceita em nenhuma dessas classes.

Eu sou aquele tipo de pessoa que existe em todos os lugares, mas quase ninguém percebe e quando percebem, eles esquecem e se comportam como se você nunca tivesse existido. Você vive entre eles, atravessa as mesmas coisas, sente as mesmas dores, mas por algum motivo, do qual eu não sei, pessoas como eu são invisíveis.

Com passos largos, caminhei até o meu armário e destranquei o cadeado com as chaves que a diretora havia me dado. Desloco alguns colantes do meu caderno, escolho um bom lugar e os colos.

Fadas.

Infantil demais para uma garota de 15 anos? Talvez seja, mas é o que eu gosto. Às vezes eu acredito mais em contos de fadas do que em pessoas reais. A vida real sempre me machuca e é aterrorizante pensar nela sem rosas e asas coloridas.

Ainda tímida com as pessoas me encarando, pego o meu livro para aula de inglês e continuo andando pelo corredor. Para a maioria das pessoas, o primeiro dia na escola nova é um dia em que eles se enchem de perspectiva, vestem roupas novas e tentam fazer amigos, mas para mim, não há nada de tão especial nisso. Quero dizer, eu já senti essa euforia que eles sentem, mas eu parei de sentir quando me mudei para a minha quarta escola. Agora, eu nunca espero nada do que o normal. Se é que, pessoas rindo de você ou dizendo coisas sobre a sua vida, seja algo que possa ser chamado de normal. Na verdade, você já parou para pensar no que se tornou normal para você?

Havia um gramado entre os blocos e notei as pessoas sentadas lá, eram tão irreais, que por um momento, eu pensei que estava em um desses filmes universitários ao em vez de uma escola.

Fiquei em frente à escada e reparei em um dos casais.

Eu sempre me pergunto: “Por que algumas meninas se comportam de certa maneira apenas para chamar a atenção dos meninos? Será que não percebem que há um mundo além de ter um cara para beijar e te exibir para os amigos idiotas dele?”.

Naquele gramado, havia uma garota loira, o seu namorado colocava uma mão nas suas coxas e olhava para as amigas dela, ela usava roupas coloridas e eu podia dizer que era da equipe de torcida. O seu namorado, o valentão, usava a roupa da equipe de basquete e praticamente engoliu-a em seus beijos. Ele fazia aquele tipo de cara machão, era popular, estava com pessoas legais, então, achava estar certo em tratar a namorada daquela forma.

Coloquei os meus pés no primeiro degrau da escada e ouvi-o gritar:

 “O que está olhando estranha? Teu namorado não te dá umas amassadas assim?”. Eu olhei para a garota loira, que atropelou seus braços atrás de seu namorado e sorriu para mim como se aquilo fosse um elogio para ela. Virei os olhos, endireitei a postura e continuei no meu caminho. Aquilo me deixou frustrada e eu comecei a andar sem prestar atenção no mundo ao meu redor.

Quando eu estava próximo da sala, um garoto passou correndo pelo corredor e esbarrou em mim. Os nossos corpos caíram no chão, e por um momento, foi como se eu o visse em câmera lenta, tudo havia congelado dentro de mim. Como aquilo havia acontecido? Os olhos dele encontraram com os meus, as minhas mãos suaram e o medo tomou conta dos meus sentidos. O rapaz se levantou, afastou-se de mim e deu risadas do que havia acontecido.

 “Cara, você é louco.” O Seu amigo de cabelo raspado e pele morena bateu no ombro dele, vendo-me encostada no chão. Levantei-me, organizei o meu material e prossegui com o que eu estava fazendo. Aquele garoto havia esbarrado em mim e eu senti a respiração dele, o seu corpo... Eu nunca havia estado tão perto de alguém daquela maneira.

Com os meus pensamentos perturbados pelo medo de me tocarem, eu me aproximei da porta da frente da sala e respirei fundo.

O meu futuro naquela escola dependia da grande entrada, seria lá, aonde as pessoas analisariam quem eu sou, ou basicamente, quem eu seria para elas.

Dei três batidas na porta, o professor me viu e mandou-me entrar. Caminhei trêmula até a sua mesa, aonde entreguei o meu papel e o esperei me mandar sentar.

“Pessoal, essa é a nossa nova aluna, Kristen.” Ele disse, devolvendo-me o papel. “Por favor, queira se sentar ao lado de alguém, estamos fazendo uma temática em dupla.”

Quando ele disse isso, ouvi sussurros sobre mim e percebi que as pessoas se juntaram. Como imaginei minha imagem não agradou ao jure, eu era a mesma garota de sempre. A garota estranha e sem amigos.

Eu puxei um fio de cabelo de trás da minha orelha, peguei a minha mochila e sentei-me numa carteira vazia perto da janela. No decorrer da aula, eu me mantive espremida entre a minha carteira, tentando fingir que não estava escutando o que diziam sobre mim.

Cabelo estranho... Esquisita... Magrela... Orelhas pontiagudas.

As pessoas não se importam com o que você sente, antes mesmo de conhecê-lo, eles o apontam e lhe dão etiquetas. Eles são céticos, acreditam apenas no que vem ou no que lhes convém, e eu, ou quem a minha aparência afirmava ser para eles, não os agradou.

Naquela aula eu escrevi um poema e o meu professor disse que havia gostado, ele perguntou se eu o permitiria colocá-lo no jornal da escola e eu disse com a cabeça que sim.

Antes de sair da sala pude ver o garoto que havia esbarrado em mim, ele estava ao lado do amigo e me encarou de volta quando eu o encarei. O amigo dele passou por mim e derrubou os meus livros no chão.

Uma música2 tocou na minha cabeça.

And our people talk to me

But nothing ever hits, so People talk to me

And all the voices just burn low

Agora, eu era visível, mas não da maneira que eu imaginei que seria.

2. Tradução da música Yellow Flicker Beat, (Lorde):

E nossa gente fala comigo

Mas nada nunca b**e, então

As pessoas falam comigo

E todas as vozes apenas queimam baixas.

Cris Santos

Escute Yellow Flicker Beat, Lorde. Você já foi o centro das atenções?

| 4
Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo