III | Sangue?

Mais um. Perdemos mais um. Nem mesmo me convenci de que Max se sei. 

O grande Maxfield.

Meu irmão. Por que?

Então Dylan também não está mais aqui.

Para onde os levaram?

Quem os levou?

Como...?

Agora somos dezesseis. 

Dezesseis garotos perdidos. 

Os garotos de Raven town. 

Perdidos. 

Que lindo fim esse é. 

Seria mais fácil se nos prendessem. 

Max, te vejo em breve, eu sei. 

Dylan...

Estaremos todos juntos outra vez, eu sei. 

Charles Freeman disse: Por que temer a morte? Essa é a mais bela aventura da vida.

Então, eu juro que, assim que não houver mais por quem chorar, viverei essa aventura como um lunático.

Mas, até lá, ainda estamos desaparecendo, ainda estamos indo e indo e indo... Alguém voltará de lá, seja lá onde isso for...?

Somos Garotos de Raven Town. Que triste Raven Town.

- Duece Ephraim


***



- Maxfield - a palavra ecoou por todos os lados. Lincoln a pronúncia como quem pronúncia espectro, fantasma, morto-vivo ou demência, mas ele substituiu por Maxfield. 

Duece estava farto de ouví-lo pronunciar o nome de seu irmão assim. 

Ele sumiu, sim Max sumiu, mas não morreu. Duece sente isso, sente que ele ainda está por ali, lendo seus quadrinhos e comendo batata frita - talvez numa dimensão estranha, qual nenhum deles seja capaz de ver. 

Todos os outros tem plena consciência de que, tanto Dylan quanto Max, estão mortos. Menos Duece. Afinal, como eles estariam mortos? Maxfield estava falando com o Scott! Telepatia deve ser um tipo de poder que ambos receberão assim que... Puf! 

- Eu já não aguento mais isso! - talvez fosse a milésima vez que Eden pronúncia essas mesmas palavras. Duece tinha quase certeza de que isso faria parte de mais uma das músicas instantâneas e fragmentadas que Eden faz quando está nervoso, mas, depois de ouví-lo dizer tantos impropérios e recitar maldições para cada pedra que conseguisse ver, lhe caiu a ficha de que aquilo nunca seria a letra de uma música. 

Ouvia-se um burburinho ao fundo, falavam de coisas como "louco", "sem controle" e "fora de foco" - Lincoln havia subido no teto do ônibus e agora filmava tudo lá de cima fazendo barulhos estranhos com a boca e tentando descrever o desespero nos olhos de Johann.

Parecia que ninguém mais estava pensando em Dylan e Max. Dylan e Max estavam desaparecendo na memória de cada um deles. Dylan e Max estavam se tornando verdadeiros fantasmas. Duece não podia deixar que isso acontecesse, não à Dylan e Max. 

O garoto se ergueu da calçada mal iluminada. Estava decidido a encontrar uma resposta para aquilo antes que fosse tarde de mais - ou antes que ele também sumisse. 

- Duece? Não está com fome? Não quer comer nada? - Vincent sacudiu um pacote de batatas fritas, isso só fez Duece odiá-lo por um segundo. 

- Não, obrigado. Eu tenho que fazer isso! 

- Que? - Vincent cuspiu um bocado de batata. 

Duece respirou fundo, extasiado.

- Nada, nada, nada... - ele negou meio enfurecido, meio deprimido. - Se eu não aparecer, pode dizer que também sumi.

- Ei! Duece? Espera! 

Duece já havia começado a correr, mas conseguia ouvir Vincent gritando para os outros e os outros gritando para ele parar. Não havia nada que o fizesse parar, ele estava movido à uma droga forte de mais: o medo.

***

O beco onde Maxfield desaparecera era preenchido por um amontoado de latas de lixo e uma casa de cachorro sem telhado e com buracos nas paredes. Ratos subiam em sacolas plásticas e arrastavam cascas de laranja para um pequeno buraco na parede, uma comunidade de baratas gigantes rodeavam o que parecia um bife com fritas embrulhado em papel alumínio. 

O odor de comida apodrecida e algo morto eram predominantes, fazendo Duece quase se arrepender de ter voltado àquele lugar. No entanto, a lembrança do irmão o fazia querer permanecer ali, mesmo com a ânsia ardente lhe subindo a garganta. 

- Aguente só um pouco - sussurrava para si mesmo. - Só mais um pouco. 

O garoto tentava lembrar-se de toda a cena. 

Maxfield subiu nas caixas de madeira para ver do outro lado do muro.

- Dá para ver o cemitério daqui! - ele gritou, ninguém havia se importado com aquela informação. O cemitério poderia ser visto em boa parte de Raven Town. 

- Algum sinal de vida? - Carlisle sorria enquanto falava, era o único a parecer animado com aquilo. Talvez ficar sozinho, na cidade, por tanto tempo, vendo todos sumindo ao seu redor, tenha fritado parte de seu cérebro. - Uma criança? Um cachorro...? A esse ponto aceito até mesmo um pombo! 

Lincoln inspecionava as latas de lixo. 

Duece não se lembrava do que estava fazendo. Talvez pensando, ou tentando girar no dedo indicador a bola de basquete que havia encontrado na segunda esquina. 

- Não há nada aqui - disse Max. 

- Olha direito, Ephraim! - gritou Carlisle, fazendo uma cara de nojo ao saber o que quer que havia dentro de um grande saco verde de lixo. 

- Já olhei essa merda por tempo de mais! - Max parecia exausto até mesmo para escolher o xingamento certo. - Não é como se alguém fosse aparecer enquanto eu pisco os olhos. Essas coisas são simplesmente impossíveis! 

Carlisle revirara os olhos, lançando uma casca de banana nas costas de Maxfield. 

- Ah, então... uma cidade ser pulverizada é totalmente normal, mas alguém aparecer do nada é impossível? Qual é, Max? Não venha me falar de física e essa droga toda agora! 

- Vá se ferrar! 

Mesmo exaltado, Max continuou observando as ruas, os quintais visíveis e o cemitério. Mesmo achando uma tolice, ele parecia querer acreditar que o impossível aconteceria e, com a sua sorte, isso provavelmente aconteceria enquanto piscava. 

O odor estava deixando Duece tonto, mas ele precisava fazer aquilo. Não por si mesmo, mas por Max, por Dylan, por todos os outros que desapareceram. 

Ele subiu nas caixas, imitando o Ephraim mais velho, e encarou o cemitério que surgia ao longe.

Duece não conseguia se lembrar do momento exato em que o irmão desaparecera. Não houve nenhum barulho, nenhuma luz ou últimas palavras. Todos haviam se distraído por um instante, apenas, e, num piscar de posso, o impossível aconteceu: Maxfield Ephraim desapareceu. 

Todos se encararam por um instante desconcertante. Lincoln subiu nas caixas e pulou o muro gritando por Max, como um bêbado. 

Nenhum sinal, nenhum rastro... Nada. Nada para confirmar, ou negar, a presença de Maxfield. Nada que confirmasse ou negasse a presença do culpado pelo sumiço de Maxfield. 

Do outro lado da cidade, dentro daquele mesmo cemitério, que Duece avistava com olhos sufocados em lágrimas, Dylan também sumia.

Se havia um culpado por trás do impossível, esse seria transcendente a qualquer ser humano, transcendente à nível de um deus. Do contrário, sem armas, drogas, fumaça tóxica ou garrafas cheias de coquetel molotov, seria impossível. 

Duece pulou o muro.

A noite estava silenciosa, o brilho da lua cheia fazia os corregos parecem rios de prata. O Ephraim mais novo guardou aquela noite na memória, mesmo sabendo que todas as próximas noites serão igualmente vazias.

Ele andou pelas ruas desertas, pulou cercas e muros e invadiu os quintais que entraram em seu caminho... Duece estava extasiado, movido pelo medo, a curiosidade e a raiva. 

- Merda - disse ele ao tropeçar em alguma coisa e cair de cara no chão terroso. 

Seus joelhos reclamaram quando ele tentou se erguer. Podia sentir o sangue quente escorrendo por sua face. O corte acima da sobrancelha iria deixar uma bela cicatriz, mas, de que adiantaria reclamar? Ninguém o iria ouvir, não havia o que ser feito. 

Xingando a si mesmo, Duece se pôs de pé e encarou frustrado e inebriado o que lhe fizera cair: uma mala grande, estacionada no gramado umedecido. 

- Como não vi essa coisa? Merda! - ele chutou a mala o quando pode, descontando toda a sua raiva, toda a frustração, o medo... A perda. 

Lágrimas se misturaram ao sangue, densas e cortantes. 

Duece pegou a mala do chão, era mais pesada do que pensava, mas não importava. Ele, traçou uma linha até a parede mais próxima, recitou um último impropério, concentrou sua força naquilo. Seria o último golpe para a pobre bagagem. 

A lona negra estava úmida, algo molhava seus dedos. Duece deixou a mala cair... 

- Sangue? 

Inspecionando seu próprio corpo, atrás de um outro corte, qual ele não tivesse percebido, Duece finalmente percebeu que àquele sangue na mala não era seu. Sob seus pés, havia uma grande poça vermelha e insossa, manchando seus tênis e lambuzando a grama.

Quem quer que estivesse aqui estava pronto para ir embora, pensou ele, encarando a mala mais uma vez. Quem quer que fosse o dono daquele sangue, sabia, com certeza sabia, o que estava por acontecer.

Louco e extasiado, Duece correu de volta para o ônibus. Em suas mãos, seu sangue se misturava com o sangue de outrem. Ele se sentia feliz por sua descoberta e triste pela mesma coisa. 

Atravessou quintais, correu por ruas, reconheceu casas à penumbra e o vestido azul de Danna estendido num longo fio de plástico azul. 

O céu recebia cores sortidas de acordo com que o sol se arrastava para o mesmo. 

Quando Duece chegou próximo ao ônibus, todos estavam acordados, parecendo "altos" e em completo silêncio. 

Não era preciso ninguém dizer o que acontecera para que ele soubesse. 

Sua descoberta pareceu insignificante perante o sumiço de mais um amigo.

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