Capítulo 9 - O Sequestro

   Catarina não me contou nada sobre o homem que ela tinha desenhado, inclusive quase me fez perder a cabeça por alguns instantes, quando seus olhos me cativaram por um bom tempo.

   Assim que saio do Hospício percebo que minha respiração está diferente, claro, fui acusado de ter abandonado meu filho que eu nem sabia que tinha. Pelo menos para Catarina eu tenho um filho, ela deixou claro que não sonhou com a mãe da criança, mas que tentaria.

   Dirijo por mais tempo do que costumo dirigir, pois meus pensamentos voam dessa vez.

   Tento ao máximo me concentrar na estrada, mas eles parecem ter vida própria colocando momentos da minha vida que já vivi na minha cabeça. Por um lado eu até que pensei ser uma boa ideia porque assim tenho tempo de pensar em quem poderia ser a mãe do meu filho, de acordo com Catarina, mas o problema é que não chego nem na metade e me sinto horrorizado por ter vivido de maneira tão desrespeitosa com todos ao meu redor, incluindo meus pais (Mais pela a minha Mãe).

   Almoço tranquilamente em uma lanchonete na companhia de um livro, quando uma garota senta brutalmente a minha frente. Ela parece estar cansada e seus olhos carregam uma expressão de medo e a apesar da vermelhidão, brilham de expectativa assim que encontram os meus. Sem contar que demostra estar carregando o corpo cansado contra sua vontade.

   Ela sorri para mim e coloca um dedo sobre os lábios pedindo para que eu fique em silêncio, então deita no banco ficando completamente imperceptível a quem entrar na lanchonete.

  Só depois que um garoto enraivecido entra às pressas, que meu cérebro começa a raciocinar. Todos os clientes o encaram por um prevê minuto enquanto ele fica na frente da porta apenas a observar com certeza a procura de alguma coisa... ou a procura de alguém. Assim que ele se retira bufando a garota volta a se sentar no banco agora com uma expressão de alívio e um sorriso forçado nos lábios.

   Somo um mais um, tão lerdo que suspeito ter tomado alguma coisa que afetou meu sistema, e concluo que a garota está fugindo dele e teve algum sucesso com isso. 

     — Moça, poderia me dizer o que faz aqui? — Pergunto, evitando dizer que descobri o verdadeiro motivo.

     — Desculpe, eu não queria ser grossa. Mas eu precisava muito de ajuda e não me importo de quem seja — Faço com que ela perceba com um olhar confuso que eu não entendi o que ela queria dizer com tudo isso — Aquele homem que entrou, era meu namorado e eu estou fugindo dele. Hoje mais cedo ele me trouxe para cá e eu estava no carro, ele me deixou sozinha durante duas horas e depois de um tempo eu consegui tirar as minhas amarras e chegar até aqui... eu vi você e de todos na lanchonete pensei que você pudesse realmente me ajudar, parece que você é o mais sensato daqui.

     — Se tivesse me falado antes eu já teria ajudado, mas... — Passo meus olhos pelo seu corpo e noto o quanto ele é magro — você já comeu hoje?

     — Não, e eu me negaria a comer qualquer coisa até que aquele desgraçado esteja preso.

     — Não se prive de algo que ele pôde muito bem ter privado você durante muito tempo. Aceite a minha ajuda extra em lhe oferecer um almoço digno, ok? — Pergunto e com certa relutância ela concorda.

   Assim que a garçonete chega lhe peço o cardápio mais uma vez. Ela me encara indignada, então explico que eu não sabia que teria uma companhia no almoço e que uma amiga havia chegado de surpresa. No começo me encara novamente como se não quisesse saber, então traz o cardápio e anota o pedido da garota, que eu ainda não sei o nome.

     — Não quero incomodar, mas qual é o seu nome?

     — Meu nome é Pilar Davis. E eu sou de Kingston City.

     — Você está bem longe de casa. Pilar, eu sinto muito pelo o que você tenha passado — Ela sorri em resposta agradecida, mas parece preocupada — Pode me chamar de Ian.

     — Fico feliz por ter encontrado alguém que possa me ajudar, sinto falta da minha casa.

   Pilar conversa abertamente comigo sobre seu namorado que a havia sequestrado e sua expressão durante o relato foi de raiva à ódio, mas assim que seu almoço chega ela sorri como se precisasse exatamente daquilo para ser feliz. Pergunto se ela gostaria de ligar para a sua família, ela fala não ser uma boa ideia porque seus pais iriam querer fazer alguma coisa o que atrapalharia muito as investigações que ela quer que acontecem logo.

   Terminando sua comida, ela me agradece e diz que me pagaria cada centavo, mas eu me recuso, não preciso do dinheiro dela só preciso saber que ela ficará bem depois.

   Peço para a viagem uns doces para que ela coma depois e decido que a levarei para a delegacia para que faça a denúncia. No começo ela quase desisti e não deseja mais nada, apenas se esconder do homem.

     — Sabe que ele não vai deixar você em paz, né? — Insisto. Ela não se preocupa com isso. — Sua família e amigos devem sentir a sua falta, não?

     — Acho que sim. Eu sumi por 4 meses se não me engano.

     — Levarei você para a delegacia e lá você dirá o que aconteceu, depois poderá voltar para sua casa, tudo bem?

   Ela sorri e concorda.

   Dirijo com o rádio desligado e sem perceber, mesmo com a menina ao meu lado, Catarina não me sai da cabeça por causa do que havia acontecido comigo duas vezes na presença dela. A garota não se importa porque não se passaram 5 minutos que eu comecei a dirigir e ela cai no sono, dormindo ao meu lado no banco do passageiro com os cabelos negros cobrindo uma parte o eu rosto.

   O dia está nebuloso com uma brisa fresca, as folhas caiem sem parar com apenas um toque do vento. O sol está se escondendo entre duas nuvens carregadas e o cheiro de terra molhada já impregna o ar enquanto me aproximo da delegacia.

   Paro no estacionamento do grande departamento de polícia, no qual há muitas pessoas que entram e saem, outros conversam e comem próximos a seus carros, como se ninguém dependesse deles para nada.

   O prédio por ser grande parece ter no mínimo 3 andares, suas paredes eu tenho certeza de que são recém pintadas e a porta da frente feita de metal pintado de dourado e vidro.

   Assim que entramos passo meus olhos durante alguns minutos pelo lugar, há uma recepcionista de pele escura muito bonita, seus cabelos são cacheados e estão presos em um coque alto. Ela parece estar entretida em algo, mas não fica muito tempo e se levanta dando o lugar para uma outra mulher que abre uma revista no momento em que senta na cadeira.

   Revirando os olhos aproximo-me do balcão onde a mulher lê a revista. Seus olhos se elevam por alguns minutos e ela começa a mastigar rapidamente algo que está em sua boca.

     — Em que posso ajudar? — A mulher pergunta.

   Pilar treme ao meu lado enquanto olha o grande prédio, e seus vários andares.

     — Senhor, eu não tenho o dia todo.

     — Vim apenas acompanhar a garota, ela quer fazer uma denúncia.

   Pilar continua a tremer e não abre a boca, então a mulher que havia acabado de sair aparece com olhos brilhantes, já tendo uma ideia do que a garota não quer falar. Ela caminha até Pilar com um sorriso amigo.

     — Oi, como é seu nome? — A mulher negra pergunta, dando a volta no balcão e se aproximando.

     — Pilar Davis — Ela alivia sua tremedeira.

     — De onde é Pilar? — A policial continua seu questionário.

     — Eu sou de Kingston City e eu vim fazer uma denúncia a um sequestro.

     — Você está muito longe de casa, não se preocupe levaremos você de volta assim que possível, mas antes poderia me acompanhar?

   Pilar concorda em seguir a policial que noto a pouco vestir uma farda azul bem passada. Assim que ela é levada sento-me no banco que há de frente para o balcão onde a recepcionista continua a mascar seu chiclete e ler sua revista calmamente.

   Volto a ler meu livro que Pilar me interrompeu a ler hoje mais cedo, mas logo meus pensamentos voltam à o momento em que toquei Catarina, aquela cena de uma mulher parecida com ela na cama com um homem que tinha meu sobrenome. E ainda tem também as vozes que me diziam claramente para me afastar dela.

   Catarina pode até me dar medo, mas não está nos meus planos abandonar minha paciente. Claro que qualquer pessoa deve estar pensando que realmente não consigo deixar "ela" em especial, mas eu não consigo negar que há muito mais do ela deixa transparecer.

   E também alguma coisa que me faz ser atraído por ela, seus olhos prateados são como um diamante bruto afiado diretamente apontado para mim e que podem me machucar. Mesmo assim não posso deixá-la sem saber tudo sobre ela e é por isso que não vou deixar as coisas assim, eu preciso antes decifrar os segredos por trás daquele precioso silêncio. Esse silêncio tão profundo que me hipnotiza.

     — Sr. Ian, — A policial está de volta ao balcão — Pilar não sabia seu sobrenome então nos disse que se chamava Ian — Concordo — Obrigada por traze-la até nós, ela me disse que estava com medo de acabar voltando para as mãos dele.

     — Claro entendo perfeitamente o que ela deve ter passado e gostaria de ficar por dentro do que irá acontecer com ela.

   A policial pede para que eu a acompanhe e sem pestanejar a sigo para uma sala clara com uma enorme janela aberta, sofás de couro preto e vários papéis sobre a escrivaninha. Pilar está enrolada com um cobertor sobre o corpo magro.

     — Pilar será levada para o hospital, fará alguns exames para que saibamos o que o ex namorado fez com ela, depois terá que passar por um psicólogo e vê se ficou com um tipo de trauma mental causado pela situação.

     — Eu suspeitava que isso fosse acontecer, eu trabalho uma vez por semana e pode estar sempre me avisando pelo o que ela está passando e se caso ela quiser alguém para conversar podem me chamar também.

     — Claro que sim, tentaremos manter contato. Eu o trouxe porque ela pediu para que o chamasse.

   Concordo e ela assente lentamente enquanto fecha a porta se retirando. Pilar levanta seus olhos e me encara por um prevê momento esperando que eu me aproximasse dela. Sua tremedeira não está mais lá, suas mãos estão debaixo do cobertor cinza velho que parece ter sido usado por muitas outras pessoas. O que me deixa ainda mais triste.

     — Ian, eu não sabia seu sobrenome por isso apenas disse o primeiro — Seus olhos parecem estar aflitos.

     — Não tem problema, se precisar de mim pode me encontrar quando quiser, deixarei meu número com eles para que me liguem — Falo.

   Ela concorda.

     — Eu sou Ian Price, formado a pouco tempo em psicologia, por isso quis ajudá-la.

     — Obrigada, mesmo sem me conhecer.

   A porta é aberta e acompanhada de um homem robusto a policial de pele escura entra na sala com um sorriso encantador, o homem contém uma expressão séria que não deixa vacilar de maneira nenhuma, seu olhar pesado que analisa não só nós dois como também a sala em que nos encontramos.

   Afasto-me de Pilar para deixar que ela seja vista pelo capitão de polícia, que descubro ser pela farda que veste. Ela não se permite olhar por ele, parece ter medo de quase todos os homens depois do que aconteceu. A policial entende a reação da garota, então se aproxima dela e ajuda Pilar a se levantar.

     — Senhor? — O policial pergunta para mim sem tirar os olhos da Policial ao lado de Pilar.

     — Price. Ian Price — Respondo sem rodeios.

     — Sr. Price obrigado por ajudar a senhorita Davis e sei que a policial Lilton o avisou do que irá acontecer com ela — Não era uma pergunta, mas concordo mesmo assim — Se o senhor desejar pode se retirar quando quiser, assim que tivermos notícias a recepcionista ligará para você.

   Ao lembrar da mulher na recepção seguro uma risada que prendo na minha garganta. Se for para esperar por aquela mulher tenho certeza de que nunca saberei o que acontecerá com Pilar.

     — Ou eu posso ligar e dizer detalhadamente todo o ocorrido, não tenho nenhuma objeção contra isso faço de bom grado — Pilar sorri ao ouvir o que a policial Lilton ao seu lado diz.

     — Claro, esperarei para ter notícias dela. E Pilar se precisar não se esqueça de me ligar — Tiro do meio do meu livro um cartão meu que uso para marcar as páginas do livro — Aqui está meu número.

     — O senhor é psicólogo? — A policial Lilton pergunta, com um sorriso enorme na boca quando lê o cartão.

   O cartão era para ser usado quando eu abrisse meu consultório, mas como está sem utilidade agora eles servem para marcar páginas.

     — Sou sim, mas eu preciso ir tenho um relatório meu para fazer, tchau e boa sorte Pilar.

     — Obrigada Doutor. — Ela diz sorrindo e com o rosto aliviado.

   Saio do departamento de polícia sem preocupação, sei que ela deve estar em boas mãos. Contudo eu não estou em mãos muito boas. Preciso marcar em um bloco de notas que não esteja usado o que vi quando toquei Catarina e preciso escrever detalhadamente o que sonhei também, farei um tipo de lista para saber tudo o que já aconteceu comigo enquanto estive com ela e depois tentarei chegar a minhas próprias conclusões sobre o que ela é e o que está fazendo em um Hospício sendo que não é louca. Pelo menos eu acho que ela não é louca.

   Posso tentar fazer um teste, como Liam sugeriu que eu fizesse, primeiro preciso levar essa ideia até a senhora Del Monte e se ela aceitar a ideia deixando Catarina sair pelo menos um dia para fora daquele manicômio, tenho certeza de que descobrirei mais sobre ela dessa maneira.

   Volto para casa dirigindo mais devagar do que necessário recebendo vários xingamentos e buzinas ofensivos. Ao chegar em casa me lembro olhando para casa da frente do que eu precisarei fazer na noite seguinte. O jantar das minhas vizinhas. Não sei se poderei ir... na verdade, eu não quero ir.

   Também preciso pensar no desenho que Catarina me mostrou que estava meu suposto filho com minha avó que faleceu a muito tempo atrás. E se for realmente minha avó, qual será a minha reação? E como Catarina conseguiu saber sobre ela? Ou como ela soube que aquela mulher era a minha avó?

   Desço do carro, entro em casa direto para o andar de cima para tomar um banho. Após o banho faço o que pensei escrevo em um dos meus cadernos em branco o que aconteceu quando toquei ela e como foi o sonho em que ela estava muito bonita e falava sobre uma peste que havia chegado em Santis Lorde.

   Lembrando da peste minha curiosidade aumenta e ligo meu laptop, que fica sobre minha escrivaninha no consultório, para pesquisar sobre "a peste" de Santis Lorde. Fico feliz em dizer que apareceram vários resultados e que em um deles encontrei uma estória que dizia sobre uma família. A família Braga.

                                                             # # # # #

  Família Braga.

   "Há muitos anos atrás Santis Lorde era uma cidade onde a Luz era sempre bem-vinda e os pássaros cantavam, as flores floresciam e havia sempre uma brisa reconfortante vinda de outras regiões. Santis Lorde e nenhum dos seus habitantes não esperavam e nem faziam ideia de que um dia isso chegaria ao fim. Um fim drástico e doloroso, pois durante uma noite onde a Luz não pôde se defender, apareceram duas pessoas que carregavam em suas costas a escuridão densa e fedorenta, com odores peculiares nunca sentidos em lugar nenhum na terra.

   A mulher tinha uma pele pálida, lábios arroxeados e cabelos escuros quase que sem vida e nem brilho, sua pele continha enormes cratera onde se escondiam insetos noturnos e nojentos. Ao longo dos fios de seu cabelo se moviam minhocas gosmentas que não a atrapalhava em nada.

   O homem completamente mais assustador do que a mulher tinha ao redor de seus braços fortes enormes raízes de uma árvore a muito tempo morta, mas que não estava realmente morta pois elas se movimentavam quando ele queria. Sua língua tinha um aspecto nojento e uma cor estranha, seus olhos eram negros e não havia uma fresta branca. No contorno deles havia mais raízes tornando seu olhar mais amedrontador......"

                                                               # # # # #

   A história não tem continuação, porque tinha sido retirada da página, mas ao final do site há um nome, o nome de um livro onde talvez estivesse a história completa.

   Procuro em outros sites e não encontro continuação da estória, além de imagens que descrevem o corpo e as fisionomias do casal que tinha destruído Santis Lorde. Decido então procurar pelo livro em que diziam estar todas as informações possíveis para que o mistério seja descoberto. Descobrirei o que era essa praga.

   Encontro um site de uma livraria na cidade de Santis Lorde, me entristeço em saber que apenas irei na próxima semana. Eu não posso ir apenas para buscar um livro.

   Então me lembro da ideia de Liam novamente e decido ligar mais tarde para marcar um dia com a senhora Del Monte, na sua sala é claro, depois de propor a ideia irei ver esse livro e talvez o comprar se essa livraria realmente existir e se ainda funcionar o que acho pouco provável. A cidade é sempre tão escuro e submersa na neblina densa que a rodeia, nunca vi alguém por lá. Ela é praticamente uma cidade fantasma.

   Assim que termino minha pesquisa tento fazer meu jantar para uma pessoa já que ninguém além de mim saboreia a minha comida. Mas admito que é difícil fazer comida para uma pessoa só, porque sempre sobra. Ouço minha campainha tocar e com relutância vou atender.

   Do outro lado da porta encontro Hayley chorando, ela está vestida com roupas muito bonitas de sair, mas não parece muito contente com essa saída.

     — Ian, lembra quando você me disse que se eu precisasse de alguém que me escutasse eu poderia contar com você? — Ela pergunta, me pegando de surpresa.

   Concordo.

     — Você estava falando sério?

     — Claro que sim, quer entrar?

   Afasto-me abrindo espaço para que ela passe, mas ela nega com a cabeça e começa a soluçar.

     — Não. Se não se importar eu gostaria de falar aqui fora.

   Lembro-me do meu jantar...

     — Se você aceitar jantar comigo...

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