Capítulo 6

Era o começo de mais um dia e isso já não estava me agradando. Me levanto ainda meio sonolento, e me arrasto até o banheiro. A água do chuveiro está mais fria que de costume. Já vi que vou ter um péssimo dia.

Como de costume, tomo café com a minha mãe, que ultimamente eu quase não vejo devido ao seu trabalho no Banco, que faz com que ela não pare em casa.

Assim que termino, pego as chaves da moto, os capacetes e saio de casa. Posso ter acordado de mal humor, mas tenho certeza que no momento em que ver Valentina, vou ser o cara mais feliz do universo.

E é exatamente isso que acontece no momento em que ela sai de casa. Ela usa uma calça preta rasgada, uma blusa de mangas longas, que eu tenho quase certeza que é pra esconder o braço enfaixado e uma jaqueta jeans por cima.

Não consigo conter o sorriso que quer rasgar meu rosto.

— Por que você tá sorrindo assim, aconteceu alguma coisa? — Ela pergunta assim que se aproxima.

— Eu vi você, e isso já é o suficiente pra me deixar sorridente o dia inteiro. — Digo sem pensar. O que???

Valentina me encara supresa, e começa a ficar vermelha.

— Essa é uma nova estratégia pra me fazer gostar de você? — Ela brinca. — Não vai dar certo.

Abro um sorriso travesso como resposta.

— Então... vamos? — Ela pergunta, desviando o olhar e pegando o capacete da minha mão.

— Como quiser, ruivinha.

....

Valentina está diferente hoje. Um diferente bom. Por incrível que pareça, nós não brigamos nenhuma vez, ao contrário, não paramos de rir durante as aulas. Posso dizer que realmente estamos nos dando bem, e isso é um bom sinal... eu espero.

Agora ela está me contando da sua antiga escola em Seattle, onde morava antes. Parece que ela tem muitos amigos espalhados por lá, muitas lembranças marcantes e eu confesso que me sinto meio inútil; não tenho nenhuma história tão emocionante pra contar assim, então apenas ouço enquanto ela fala sem parar.

Bernardo me encara confuso, eu mal dei atenção pra ele hoje. Apenas lanço um olhar de "conversamos depois" e ele parece entender. Já Camila não parece nada feliz, pelas poucas vezes que olhei pra ela, seu olhar parecia que ia criar um buraco na minha testa. Ignorei.

O sinal do intervalo tocou, e nós dois saímos juntos da sala. Sentamos em uma mesa afastada de todo o barulho e começamos a almoçar com tranquilidade.

— Nem acredito que não brigamos pela última fatia de pizza hoje. — Valentina comenta. — É um avanço.

— Estamos progredindo, se dê um pouco mais de crédito.

— O que é isso, o jardim infantil? Vamos ganhar estrelinha por bom comportamento?

Nos encaramos por meio segundo e começamos a rir como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do mundo.

— Hey... — Levantei os olhos pra ver de onde vinha a voz familiar.

Camila estava em frente à nossa mesa, com uma bandeja cheia de salada. Eca.

— Acho que eu seria uma companhia muito boa pra você naquela mesa, não acha? — Ela aponta o lugar, olhando fixamente pra mim, ignorando totalmente a presença de Valentina.

— Ele agradece imensamente a sua oferta, mas nós já terminamos o almoço, e Helinor, você não ia me pagar um café? — Valentina virou pra mim, com os olhos fixos nos meus. Franzo o cenho, completamente confuso, mas na nossa conversa visual ela acaba vencendo.

— É... eu vou sim. — Olho pra Camila, que está visivelmente enciumada e com a raiva estampada em seus olhos. Contenho um sorriso.

— Então vamos! — Ela pega em minha mão, me arrastando pra fora da mesa, deixando pra trás uma loira cheia de ódio.

Fico boquiaberto com a naturalidade da ruiva de irritar os outros. Ela continua me puxando pra fora do refeitório, sem me dar chances de ter reação alguma.

— Ei, espera um pouco. — Faço ela parar. — Pra onde estamos indo?

— Ué. Você tem que me pagar um café, lembra? — Ela revira os olhos, impaciente. — Vamos logo.

— O quê!? Foi você quem inventou isso... eu não sei de nada.

— Eu te livrei da Camila e é assim que você me agradece? Para de reclamar e vem logo, antes que o sinal bata. — Ela continua me puxando pelo corredor, como se eu fosse uma criança. Acabo cedendo e a sigo até a cafeteria que tinha ali perto.

Valentina é uma teimosa que enquanto não consegue o que quer, não desiste. Ela me fez comprar um café enorme com várias coberturas e agora está tomando igual uma criança feliz. Sorrio com a cena. Ver ela feliz me deixa feliz.

Pouco tempo depois decidimos voltar pra escola. Caminhamos em silêncio, algumas pessoas passam por nós apressadas pra ir até as suas respectivas salas, quase derrubando todos pela frente. Entramos na classe, ainda sem o professor, com todos os olhares em nossa direção. Não me importei, mas senti Valentina ficar nervosa.

— Por que tá todo mundo olhando pra gente? — Ela sussurra.

— Eu não sei. — Sussurro de volta. — Deve ser a minha beleza chamando atenção como sempre.

Ela apenas revira os olhos.

Sentamos em nossas respectivas mesas, lado a lado e voltamos a jogar conversa fora. Não demorou muito pra eu sentir o perfume doce tão conhecido.

— Heitor, nós podemos conversar? — Camila pergunta se debruçando sobre minha mesa. Fico desconfortável.

— Agora não, Cami.

— Não vai demorar. — Ela insiste. — Tenho certeza que sua amiguinha não vai se importar de dar uma passeada pelo corredor, né fofa? — Agora ela encara Valentina.

— Eu não me importo. — Ela diz calma. — Mas ele sim.

Sorrio, concordando.

Antes que ela possa continuar com o show, o professor chega, encerrando qualquer conversa. Respiro aliviado, mas Valentina me dá um chute na canela, me fazendo dar um sobressalto.

— Se você não conversar com ela e acabar com isso, eu te dou uma surra. — Ela esbraveja.

— Com ciúmes, ruivinha?

— Só nos seus sonhos.

....

No fim das aulas, quando Valentina me larga pra atender o telefone, Bernardo corre até mim com os olhos brilhando.

— Me conta tudo. — Ele sentencia.

Franzo o cenho.

— Você venceu a aposta!

— Que aposta, cara? Isso ficou no passado.

— Ah, então tá só se divertindo? — Ele abre um sorrisinho.

— Não, não é nada disso. — Olho na direção da ruiva, que conversa animada com alguém ao telefone. — Nós somos amigos.

— Amigos? Você não é amigo de nenhuma garota.

— É, mas isso mudou. — Respiro lentamente. — Ela é diferente.

Bernardo me encara boquiaberto, como se não acreditasse no que ouviu.

— Ei, Helinor... — Ela vem em nossa direção com um largo sorriso, mas franze o cenho ao ver a expressão do meu amigo. — Você está bem?

— Ótimo. — Bernardo sussurra. — Deixa eu ir embora.

E ele vai, sumindo em meio aos vários outros estudantes.

— Ele é assim mesmo. — Explico. — O que você ia me dizer?

Ela sorri de novo.

— Tem planos pra hoje á noite?

Finjo pensar.

— Deixa eu ver, acho que vou... isso mesmo, dormir como um bebê.

— Mudança de planos. Vamos à um lugar. — Ela diz com uma animação contagiante, me arrastando pra frente da escola.

— E pra onde nós vamos? — Pergunto, começando a me interessar.

— Vem comigo e você vai descobrir. — Ela dá um sorriso misterioso.

— Então...? — Pergunto quando chegamos na entrada da escola.

Ela ia falar, mas um carro preto parou na nossa frente. Me assusto,  mas Valentina abre um sorriso de orelha a orelha. Um casal sai do carro, provavelmente possuem a nossa idade.

— MIRANDA! — Valentina corre em direção à garota.

— Minha garota! — As duas se abraçam e eu viro uma planta.

— Não acredito que você veio. — Valentina se solta do abraço pra abraçar o garoto que com um sorriso amigável nos lábios.

— Vim ver a minha ruivinha preferida. — Ele afirma, abraçando ela com força.

— Helinor, deixa eu te apresentar meus melhores amigos. — Ela finalmente parece lembrar da minha existência.

— Miranda, Alex..esse é o Heitor, o maior playboyzinho daqui. — Ela ri da cara indignada que eu faço.

— Eu não sou...

— Então, você é o namorado da minha amiga... — A garota se aproxima de mim, me analisando.

— Miranda?! — As bochechas de Valentina coram furiosamente.

— Então você é o namorado da minha ruivinha! — O garoto moreno se aproxima de mim e meus músculos ficam tensos com o olhar ameaçador que ele me lança.

— Eu... eu não... eu não sou namorado... dela. — Engulo em seco.

— Vocês podem parar com isso? Quem foi que disse que eu namoro com o Helinor?... Meu pai! Foi ele, não foi? — Valentina deduz e os dois apenas riem.

— Prazer em conhecê-lo, Heitor, por mais que você não seja namorado dela... Ainda. — Miranda fala de forma tranquila.

— Obrigado... eu acho. — Sorrio desajeitado e Alex aperta a minha mão. Se eu fosse paranóico, diria que ele estava tentando quebrá-la.

— Tudo bem, já chega de apresentações. Vamos logo, que o Simon tá esperando a gente. — Valentina diz impaciente.

— Aonde vamos? — Pergunto confuso.

— Vamos à uma festa! — Ela anuncia, comemorando.

— O tio Léo nos mata se descobrir. — Alex fala em um tom preocupado, mas as duas nem ligam.

— Nós dois vamos na sua moto, pode ser? — Ela pergunta.

— Pode sim. — Respondo automaticamente.

Com esse olhar doce, eu já não consigo negar nada a ela.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo