Um lugar onde você pertença
Um lugar onde você pertença
Por: Nina Vianna
01

—Espero que dessa vez você aprenda, Sophia. – Carmen disse antes de abrir a porta.

—Duvido muito. –dei uma risada baixa e quando estava prestes a entrar a mulher me puxou de volta.

—Estou falando sério menina. Já é a quinta vez em menos de duas semanas que você vem parar na detenção. – seu olhar era sério —O que você quer da sua vida afinal?

—Você não vai querer saber. –puxei meu braço me livrando de seu toque e entrei na sala.

Tive a grande surpresa de encontrar o novato sentado em uma das carteiras da fileira do meio. Ele mal chegou na escola e já está na detenção? Depois eu sou o mal exemplo e a encrenqueira.

—É bom vê-la de novo, senhorita Mason. – o diretor falou com ironia tirando minha atenção do revoltado recém-chegado, apenas acenei para ele e me sentei na fileira atrás do garoto —Daqui a duas horas estarei de volta. Não se esqueçam que estarei de olho nas câmeras.

Assim que o velho saiu coloquei os pés sobre a mesa e peguei o celular junto dos fones, o volume estava no máximo e fiquei olhando para o nada lembrando da briga que me levou a mais um dia de castigo.

(Flashback on)

—Olá esquisita, sozinha como sempre, não é? – a risada esganiçada de Gabrielle fez meus tímpanos doerem.

—Qual é a tua gralha? Meu ouvido não é penico. – falei tampando meus ouvidos.

A garota ficou irritada com minha atitude, como sempre, chegando ainda mais perto e agarrou meus cabelos fazendo-me gritar de dor. Gabrielle começou a rir e aquilo era o que ela queria, me humilhar, uma vez que ninguém jamais conseguiu ou sequer pensou em fazer.

—Então, cadê a valentona do colégio que b**e em todo mundo? Não vai se defender? Por que não chama o papai e a mamãe pra te defender? Ah é mesmo, você não pode porque não tem pai e mãe.

Meu coração disparou ao mesmo tempo em que a raiva me consumia por dentro. Aquela garota havia passado dos limites.

Com um movimento de mão a joguei no chão e sem dar a chance para revidar me sentei em cima dela distribuindo socos, t***s e arranhões, tudo que ela fazia era tentar se defender e gritar por ajuda.

—Cadê a valentona que estava me humilhando até agora? – as palavras saíram em tom raivoso.

As pessoas a nossa volta gritavam por ajuda, alguns correndo de um lado a outro procurando alguém para nos separar, mas não se meteram. Não havia um aluno ali com coragem o suficiente para se meter em meio a uma briga que eu estava envolvida.

(Flashback off)

—Ei. Do cabelo roxo. – o novato me tirou dos devaneios quando puxou um dos meus fones e ficou me encarando —Acho que agora você consegue me ouvir.

—Qual é a tua? Quem é você pra fazer isso? – perguntei de forma rude o olhando com o cenho franzido.

—Charlie Mitchell, e você roxinha? – revirei os olhos desviando a atenção dele —Nossa, grossa você hein.

—Me erra garoto. – ditei guardando os aparelhos na mochila, mas pude ouvir o tal Charlie rir baixo e notei quando saiu de seu lugar para se sentar ao meu lado.

Ok, tenho a impressão de que estava ao lado de um possível idiota.

—Agora falando sério, qual seu nome? – sua fala era calma e me olhou com um pequeno sorriso de canto.

—Sophia.

Os olhos do garoto estavam atentos em mim e tinha que admitir que eram lindos olhos, o tom de castanho era intenso e me vi perdida em seu olhar.

O silêncio que se instalou acabou quando meu celular tocou indicando uma notificação e o peguei vendo uma mensagem de Jack.

Estamos saindo. Apareça na janela se quiser carona.

Peguei a mochila indo até a janela e dei uma risada baixa aos ver meus amigos com uma escada, joguei a mochila para eles e resolvi deixar um pequeno recado para o diretor no quadro negro.

Foi ai que me lembrei de Charlie, quando o mesmo deu risada do que eu havia escrito.

—Vai cumprir o castigo todo ou tá a fim de dar no pé?

Seus olhos percorreram a sala como se estivesse em dúvida do que fazer, mas não demorou a se levantar com a mochila nos ombros e me seguir escada abaixo.

—Pronta pra ir? – Jack perguntou me devolvendo a mochila.

—Claro, mas só preciso fazer uma coisa. – me afastei tirando de um dos bolsos um convite —Charlie.

—A roxinha resolveu falar comigo? – disse virando-se para mim, o sorriso estampado na cara.

—Não, vim falar com seu umbigo. – ele riu ainda me olhando e maneou a cabeça —Só queria te dar isso, espero que apareça.

Lhe entreguei o papel e sem esperar uma resposta ou reação voltei aos meus amigos, no caminho para o carro todos olhavam com desconfiança para mim.

—Arrumou um amigo novo? –Scoth perguntou sorrindo de lado.

—Já te mandei ir pro inferno hoje?

Todos deram uma risada entrando no carro logo partindo, eu apenas olhava o lado de fora com o pensamento longe. Por alguns instantes fiquei pensando no novato e em seus olhos cor de chocolate, a lembrança de seu sorriso me fazendo sorrir também.

(...)

Eu tinha em mente que chegar em casa e passar pela porta da frente me traria alguns problemas, principalmente por eu ter fugido da detenção, mas não havia o que ser feito e me esconder só iria piorar tudo.

E do jeito que eu imaginei aconteceu, vovó Mary estava de pé no meio da sala de braços cruzados e com as feições sérias.

—Você foi parar na detenção e fugiu dela de novo, não é? – sua voz tinha desapontamento e estava tão séria quanto suas feições.

—Oi pra você também, vozinha linda. – tentei ser o mais engraçada possível apenas para fugir daquele assunto, mas com dona Mary irritada era impossível tal feito.

—Não estou para brincadeira, Sophia. – aquilo poderia facilmente ser confundido com um grito, tanto que fiquei assustada —Seu avô e eu fazemos de tudo para você e seus irmãos e é assim que você retribui? Entrando em brigas sem motivo e fugindo da detenção?

Naquele momento não consegui dizer nada, estava sem saber o que fazer sobre sua reação de fúria repentina, mas a acusação de entrar em briga sem motivo foi demais pra mim. Apenas dei uma risada, baixa e forçada, respirando fundo.

—Sabe vó, eu tenho duas coisas pra dizer a senhora. – olhei em seus olhos sentindo os meus já marejados e ela percebeu isso com a proximidade que havia nos colocado —Primeiro que eu não pedi por nada disso, mas se engana a senhora se pensa que não sou grata porque sei que se não fosse por vocês dois, sabe-se lá onde estaríamos hoje. Só que se não quiserem mais ter esse trabalho, não tem problema, não vou forçar ninguém a me aturar.

O olhar dela mudou da seriedade para a surpresa.

—E segundo, mas não menos importante, se aconteceu alguma coisa errada tenha em mente que a culpa não é minha. Não desconte em mim seja lá o que tenha acontecido, do mesmo jeito que eu não desconto em nenhum de vocês o que acontece comigo lá fora.

Arrumei a mochila no ombro e fui para meu quarto, no corredor estavam meus irmãos, cada um na porta de seu devido quarto. Peter parecia preocupado com algo, e Mandy tinha os olhos cheios de lágrimas.

Vê-los daquele jeito acabava comigo.

Suspirei pesadamente e me tranquei no cômodo, joguei a mochila sobre a cama e sem conseguir mais acabei desabando em lágrimas.

Chorei pelo passado que tive. Chorei pela briga na escola. Chorei pelo sofrimento dos meus irmãos. Chorei por me sentir fraca.

Meu corpo já não aguentava mais, meu psicológico menos ainda. O que mais tinha que ser feito para me livrar das coisas ruins que aconteciam?

Respirei fundo passando as mãos pelo cabelo e rosto, me levantei concentrando em apenas me arrumar para ir ao trabalho, mas quando já estava pronta saí do quarto dando de cara com Peter.

—Que foi? – perguntei arrumando a bolsa no ombro.

—A gente precisa conversar. – o garoto parecia preocupado e aquilo me deixou curiosa.

—Sobre?

—Mamãe esteve aqui e veio atrás de você.

Engoli em seco sentindo a fúria já se espalhando pelo corpo, mas respirei fundo vendo a aflição misturada ao medo nos olhos do mais jovem.

—Se ela bater aqui de novo sabe o que fazer e principalmente para onde mandar ela ir. – Peter assentiu fazendo-me sorrir de lado enquanto colocava os óculos escuros —Agora vou indo. Cuide de tudo pra mim e não se preocupe com essas coisas.

O garoto me deu um breve abraço e logo sai de casa.

Uma coisa que eu não conseguia era ser dependente dos outros, por isso me desdobrava em dois empregos para sustentar não apenas a mim e meus vícios, mas também ajudar com algumas despesas da casa.

(...)

Fim do expediente, finalmente.

Depois de atender o último cliente ajudei Scoth a arrumar tudo e fechar a loja.

—Que tal uma bebida pra esquentar o sangue? – o garoto perguntou parando em frente minha casa.

—Obrigada, mas dessa vez vou recusar. Amanhã vou para o restaurante e preciso me manter sóbria. – rimos baixo e ele concordou.

Nos despedimos e dei um aceno rápido antes dele sair com o carro. Estava sozinha e com aquela sensação ruim de abandono de novo, mas notei que estava sendo observada e olhando em volta franzi o cenho quando identifiquei de onde vinha o olhar que tanto me incomodava.

Charlie estava no quintal da casa do lado e quando nossos olhares se encontraram ele sorriu de lado. Revirei os olhos maneando a cabeça e entrei em casa, todos estavam assistindo TV e para não atrapalhar apenas acenei dando um cumprimento coletivo enquanto ia para meu quarto.

Já no banheiro deixei que a água quente descesse por meu corpo e junto a ela as lágrimas que não consegui segurar, foi então que comecei a ferir meu corpo mais uma vez.

Eu não me orgulhava nem um pouco daquilo, sabia que era um ato de covardia comigo mesma, mas era o único momento que me sentia bem e livre de tudo que me atormentava. E depois daquele momento terminei meu banho fazendo os curativos logo em seguida.

Resolvi passar um tempo sentada na sacada olhando as estrelas e fumando um cigarro. Como em todas as noites desde que aquilo se tornou rotina pensei como seria acabar com tudo de uma vez, imaginei como seria a vida de cada pessoa que me conhecia se eu não existisse mais.

No mesmo instante pensei em meus irmãos, no quanto eles sofreriam com minha partida e a coragem se esvaiu de mim. Eu não conseguia deixá-los sozinhos.

E mais uma vez, dessa sem nem perceber, comecei a chorar, mas agora de uma maneira mais sôfrega que pelo visto chamou a atenção de alguém, e esse alguém acendeu a luz do quarto vizinho.

Charlie.

Nossos olhares se encontraram e o dele trazia preocupação assim como suas feições.

Pela primeira vez em todos esses anos não me importei que estivesse me vendo daquela forma, fraca e vulnerável, apenas baixei a cabeça abraçando minhas pernas me deixando levar pelo choro até que cada lágrima levasse minha dor embora.

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