Porto Cristal é uma metrópole costeira deslumbrante, um centro de poder e riqueza, erguendo-se majestosa à beira do Oceano Atlântico. Suas torres de vidro e aço arranham o céu, refletindo o sol que beija suas praias douradas, a um nível superior as de suas vizinhas litorâneas. A cidade é um caldeirão de culturas, um polo financeiro onde fortunas são feitas e desfeitas com a mesma velocidade que as marés mudam. O clima é ameno na maior parte do ano, mas os invernos podem trazer névoa persistente e ventos gélidos vindos do mar, cobrindo a cidade em um manto cinzento que parece espelhar as crises que ocasionalmente a abalam.
Patrick Hawksmoor estava parado diante da vasta janela de seu escritório, no topo de um dos arranha-céus mais altos de Porto Cristal. O Edifício Ícaro é um testemunho da grandiosidade e do poder da HS Company, empresa da família Hawksmoor. Sua arquitetura é uma fusão impressionante de aço e vidro, que reflete o azul do oceano distante e o dourado do sol poente, tornando-o um farol de luxo e modernidade no centro urbano. Ao adentrar seus vastos saguões, a opulência se revela em cada detalhe. O olhar perdido na paisagem noturna da metrópole. As luzes da cidade cintilavam abaixo, um mar de indiferença para a tempestade que se formava em seu interior. A notícia havia chegado há minutos, enquanto jantava com o pai, Arthur, ele estava afastado devido a um problema no coração. Havia passado por uma cirurgia, sua mãe, Eleanor, seus irmãos, Liam e Leon, e sua futura cunhada, Jéssica, namorada de Leon. Ainda estava aguardando os detalhes, foi um golpe seco e inesperado: Victor Rollsbrook, seu sogro, estava falido. Patrick era a personificação da elegância e do controle. Alto e esguio, sua postura impecável, parecendo talhada para ternos de corte perfeitos que sempre vestiam seu corpo atlético sem um único vinco. Seus cabelos castanhos bem penteados e com um brilho discreto, emolduravam um rosto de traços fortes e angulares. Mas eram seus olhos, de um azul penetrante como as águas profundas do Oceano Atlântico em um dia claro, que mais cativavam ou intimidavam, marca registrada da família. Raramente demonstravam emoção, mantendo uma distância calculada que refletia a mente estratégica e analítica que ele possuía. Sua formalidade era quase uma segunda pele, manifestando-se em cada gesto contido e em sua voz baixa e controlada, que raramente se elevava além de um tom ponderado. A falência da Rollsbrook S.A. era um terremoto cujas ondas se espalhariam, ameaçando a estabilidade da própria HS. O acordo de casamento, selado há dois anos com Isabel Rollsbrook, agora parecia uma âncora prestes a arrastar seu império para as profundezas. Com um suspiro que mal conseguiu conter, Patrick pegou o telefone e discou. A voz de Gerald, seu assistente, atendeu no segundo toque, sempre eficiente, sempre presente. _ Gerald, preciso de todos os detalhes, Patrick disse, a voz controlada, mas a tensão evidente em cada sílaba. _ Tudo o que sabemos sobre a situação financeira da Rollsbrook. E, mais importante, como isso pode nos afetar. _ Senhor Hawksmoor, já estou compilando os relatórios, Gerald respondeu, a voz calma e profissional. _ Parece que a aposta de Fernando em um projeto de tecnologia da informação de alto risco foi a gota d'água. Ele perdeu tudo, e a empresa não resistiu. Fernando. O nome ecoou na mente de Patrick, uma irritação latente. O elo fraco da família Rollsbrook, o irresponsável que agora arrastava a todos para o abismo. Patrick fechou os olhos por um instante, a imagem de Isabel piscando em sua mente. Mais de quinze dias. Faziam mais de quinze dias desde a última vez que a vira. Seus olhos verdes, um tom profundo como as folhagens da Mata Atlântica, um contraste gritante com a frieza que geralmente os habitava quando encontravam os dele. Raramente havia emoção ali, apenas uma polida indiferença que ele conhecia bem. O casamento deles era uma transação, um mero artifício contratual que unia duas famílias poderosas, não dois corações. Ele sabia que Isabel cresceu em um ambiente onde o amor era uma abstração, substituído por expectativas e estratégias. Victor, o patriarca, era uma mente afiada, e Lívia, a madrasta, uma mulher tão ambiciosa quanto ele, que assumiu seu lugar na dinâmica familiar com uma eficiência quase robótica, sem qualquer afeto materno por Isabel. Patrick entendia a casca protetora que ela havia desenvolvido. _ Quero todas as opções possíveis, Gerald, Patrick disse, voltando sua atenção para a crise iminente. _ Entendido, senhor. Darei prioridade máxima, Gerald garantiu, antes de a ligação ser encerrada. Patrick voltou para a janela, as luzes da cidade parecendo ainda mais distantes, ele não permitiria que a HS fosse arrastada para o mesmo destino. O relógio digital na cabeceira da cama de Isabel marcava 01:15 da manhã quando o toque estridente do telefone quebrou o silêncio pesado do pequeno apartamento. Não era o seu celular, mas sim o aparelho fixo, uma relíquia quase esquecida que só tocava em emergências ou quando seu pai, Victor, queria ter certeza de que ela atenderia. Isabel se sentou abruptamente na cama, o coração batendo descompassadamente no peito. Uma névoa fria da manhã de Porto Cristal esgueirava-se pela janela entreaberta, parecendo antecipar o peso da notícia que estava por vir. Com um suspiro resignado, ela tateou no escuro até encontrar o fone. _ Alô?, a voz dela saiu mais rouca do que esperava. Do outro lado da linha, a voz de Victor Rollsbrook era um fio de desespero mal contido, algo que Isabel raramente ouvia. A rigidez e a astúcia habituais de seu pai haviam sido substituídas por uma urgência quase febril. _ Isabel, minha filha, ouça, Victor começou, sem rodeios. _ É o fim, a menos que... a menos que você nos ajude. Isabel sentiu um calafrio. Ela já desconfiava que algo grave havia acontecido, seu pai nunca ligava. _ O que aconteceu, pai?, ela perguntou, tentando manter a voz firme, mesmo enquanto a mente corria para as piores possibilidades. _ A Rollsbrook... estamos falidos, Isabel. Fernando nos arruinou. Aquele idiota, com suas apostas imprudentes!, a raiva e o desespero se misturavam na voz de Victor. _ Não há mais nada, Isabel, nada. Um nó se formou na garganta de Isabel. Falidos. A palavra ecoou, pesada e final. _ Eu preciso de você, Isabel, Victor continuou, a voz agora mais suplicante do que imperativa. _ Você precisa interceder por nós com Patrick. Ele é a nossa única esperança. A HS é forte, sólida. Ele tem os recursos, a influência... Ele pode nos salvar. Isabel piscou, tentando processar as palavras do pai. Patrick. O casamento deles, uma formalidade, um contrato frio de negócios, agora se tornava a tábua de salvação para a família Rollsbrook. A ironia era cruel. Mais de quinze dias desde que o vira pela última vez, e agora ela seria a ponte para a fortuna dele. Seus olhos verdes, geralmente opacos pela indiferença, cintilaram com uma emoção complexa que ela não conseguia identificar, uma mistura de choque, talvez um lampejo de raiva fria, e uma pontada de algo próximo ao desamparo. _ Ele não tem obrigação de fazer isso, pai, Isabel retrucou, a voz ainda rouca de sono e agora, também, de incredulidade. _Nosso casamento é um... _ Cale-se! Victor a interrompeu, a voz se elevando novamente. _ É a sua família, Isabel! O nome Rollsbrook. Você é uma Hawksmoor agora, use isso! Você tem que fazê-lo entender a importância da aliança, da reputação... Ele precisa nos financiar, precisa ajudar a reestruturar a empresa. Vá até ele e faça o que for preciso! Isabel fechou os olhos. A pressão era imensa, sufocante. Ela, que sempre navegou pelas águas frias da família com uma casca protetora, agora se via exposta, forçada a implorar. A ligação foi encerrada, deixando Isabel em meio ao silêncio gélido do apartamento, o telefone ainda em suas mãos.