6 Histórias de Fantasma

O lugar estava exatamente como eu me lembrava. Pelo campo a fora, podia ver algumas poucas macieiras que resistiram ao tempo, carregadas de maçãs vermelhas que despontando por entre as folhas esverdeadas, caminhei naquela direção e peguei uma delas, mordendo-a depois de lavar, relembrando com nostalgia seu sabor doce.

"É bom estar em casa novamente..." Pensei comigo mesma, suspirando.

De repente, me lembrei de uma única amiga que tive naquela época, seu nome era Júlia e éramos praticamente unha e carne, mas havíamos perdido o contato de alguma forma. Fiquei me perguntando como ela estaria, imaginando que provavelmente pela idade, já estaria casada e talvez até com filhos.

Sorri, pensando comigo mesma que deveria procurá-la, e então, resolvi entrar no antigo casarão. Subi a curta escadaria de madeira, tendo dificuldade por causa das dores que ainda persistiam, e empurrei as portas, adentrando na sala de entrada em seguida. Tudo ainda permanecia no mesmo lugar, coberto por lençóis brancos, dando um ar fantasmagórico ao ambiente empoeirado, e além disso, somente o silêncio.

Imediatamente, comecei a limpeza, sabendo que seria uma excelente forma de manter minha cabeça ocupada por enquanto. Eu estava no meio do nada, há quilômetros de distância de qualquer outro ser humano, tinha todo o suprimento de que precisava e teria todo tempo do mundo para decidir o que fazer a partir daquele momento.

Durante minha limpeza, entrei no quarto da minha avó depois de quase cinco anos de sua morte, e as memórias inundaram a minha cabeça imediatamente. Sorri com nostalgia enquanto observava sua cama de madeira maciça, e de repente, lembrei do baú onde ficavam suas roupas, e que nunca tive permissão para xeretar.

Curiosa, resolvi abrir as antigas trancas, e ao olhar para dentro, me deparei com uma caixa feita de madeira, com detalhes trabalhados de forma delicada, era linda, e para a minha surpresa, estava cheia de jóias, que não pareciam réplicas. Além disso, havia duas pinturas em tela, enroladas sem a moldura, mas quando as desenrolei, percebi que eram de tirar o fôlego, pareciam ser do mesmo autor, e pela dedicatória, entendi que realmente foram feitas para ela. Ainda sem poder acreditar no que via, continuei olhando os objetos escondidos dentro do baú, encontrando mais alguns itens interessantes como diários e roupas que, só de tocar, já podia imaginar que fossem de corte fino, pareciam muito caras.

Eram todas em tamanhos pequenos, inclusive os sapatos que encontrei no fundo, provavelmente a minha avó havia usado-os quando muito jovem, o que era muito estranho pois, até onde eu sabia, meu avô era um pequeno agricultor, e a família da minha avó não era rica.

Então, de onde havia vindo tudo aquilo?

Pensando que poderia achar uma resposta, abri os diários e li suas anotações, percebendo que eram todas em italiano, seu idioma natal. Ela havia me ensinado sobre sua terra natal, incluindo a língua, então,eu conseguia reconhecer algumas frases:

"Ele era perfeito, com aqueles olhos negros e afiados..." Ela descrevia em letras delicadas e muito bonitas. De início, pensei que estivesse se referindo ao meu avô, mas logo percebi que não ao ler o trecho seguinte que dizia: "Sua esposa não parece saber de nada."

Quase ri ao perceber que provavelmente minha avó amou um homem casado. No fim das contas, a maçã realmente não caia muito longe do pé, pois, ao que parecia, todas as mulheres da minha família se apaixonavam pelo homem errado. Passei mais algumas páginas e notei cartas de amor, todas devolvidas. Fiquei em dúvida se tinha o direito de abri-las, parecia muito íntimo e eu não tinha certeza se queria ler aquilo.

De repente, as dores de cabeça recomeçaram, apertei as têmporas, chiando de dor e senti meu estômago se revirar. Por causa disso, decidi apenas guardar tudo por hora. Eu ainda tinha meus próprios problemas para resolver, e o que menos precisava naquele momento, era tentar desvendar as aventuras amorosas da minha avó.

Levei comigo apenas as pinturas, planejando colocar molduras nela e as expor na sala de estar. Peguei os medicamentos prescritos pelo médico, e tomei dois deles, foi quando enfim, me lembrei do bebê, me questionando se aquele remédio poderia prejudicá-lo. Não havia sintomas, exceto pelos leves mal-estares, mas isso facilmente poderia ser explicado como sequelas da concussão.

As memórias, ainda nebulosas, retornavam à minha mente, lembrava da chuva, do medo e da dor, porém, isso era tudo, não lembrava de mais nada, por mais esforço que eu fizesse.

De repente, ouvi passos e alguém bateu gentilmente na porta de entrada, olhei naquela direção e para a minha surpresa, me deparei justamente com a antiga amiga que pensei mais cedo, sorri com a coincidência e me levantei, pronta para cumprimentá-la.

– Vi movimentação na casa... - Ela comentou parecendo desconcertada.

– Ah, sim... estou me mudando! Respondi me sentindo acanhada também.

Estranhamente, uma distância incômoda havia se formado entre nós e eu não conseguia lembrar o motivo. Na verdade, de alguma forma, eu havia esquecido muito sobre os momentos que passamos juntas, e me perguntei se aquele ar estranho entre nós se devia a isso, talvez a alguma mágoa que deixei nela.

– Entre, por favor... - Pedi, depois de alguns segundos de silêncio constrangedor.

Ela concordou, mas quando se aproximou, me observando com mais clareza, seus olhos se arregalaram, provavelmente ao me ver toda machucada.

– Meu Deus! Exclamou e, enfim, quebrou a distância entre nós, tocando meu rosto com as duas mãos. – O que aconteceu com você?

– Foi um acidente de carro... - Expliquei soltando um suspiro e tentei lhe sorrir. – Estou bem agora, só com as memórias bagunçadas.

– Suas memórias estão bagunçadas? Júlia repetiu, rindo também.

Ela parecia realmente feliz com nosso reencontro, porém, havia algo de estranho em seu sorriso, algo oculto, que não consegui identificar o que era. No entanto, de uma coisa eu tinha certeza, havia algo em seu semblante que dizia: "que bom mas, só pra você."

No fim, conversamos mais algumas trivialidades e ela me convidou para jantar em sua casa, já que, eu nem havia terminado de limpar a minha ainda. Não falei sobre Wolfgang ou sobre meus motivos para ter retornado ao interior depois de tanto tempo, e fiquei feliz em descobrir que eu estava certa pois, ela realmente havia se casado com um professor local e tinha uma filhinha.

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