Capitulo 2

Mara bebeu o último gole de café em meio a esses pensamentos, lavou o copo e depositou-o sobre o escorredor de louças. Pegou outro copo limpo, abriu novamente a garrafa térmica e mais uma vez derramou café no copo. Então abriu o armário, alcançou a lata de leite em pó instantâneo e o açúcar, colocou uma colher de cada um dentro do copo com café e mexeu com a mesma colher até a mistura ficar homogênea; apossou-se de um pãozinho, abrindo-o com uma faca de serra e passando margarina com a mesma faca nas duas partes do pão. Esticou o braço, alcançando a sanduicheira, abrindo-a e acomodando-as duas partes do pão lá dentro, fechando-a e introduzindo o plugue na tomada acendendo uma luz vermelha na parte de cima da sanduicheira.

Ficou aguardando aquecer o pão, ouvindo alguns estalinhos, até que uma luz verde acendeu-se indicando que o pão estava pronto. Depositou as fatias de pão em um prato e em passos lentos atravessou a cozinha, entrando no estreito corredor, passando pela porta do banheiro, até que empurrou lentamente a porta do quarto à frente. A janela dormira aberta por causa do intenso calor que fazia nos últimos dias e agora através dela o imenso clarão entrava, deixando o ambiente totalmente iluminado na parede ao fundo havia um pequeno guarda-roupa de solteiro de quatro portas com um espelho no centro. Mara pôde se ver de corpo inteiro refletida nele, e olhou para seu rosto por um instante. Rosa tinha razão, ela parecia mesmo uma pantera negra. Com seus fartos seios, a cintura fina, seus glúteos, suas coxas e pernas, nos seus trinta e oito anos, ela ainda era uma bela mulher, semelhante a uma índia. Mesmo assim, sabia que nunca amaria outro homem – um grande amor só se vive uma vez, pensava ela. Na cama de solteiro embaixo da janela estava sua porção de felicidade nesta vida. Depositou o copo de café com leite e o prato com as fatias de pão sobre a mesinha escolar, arrastou a cadeira e sentou-se, apoiando o cotovelo direito sobre a mesa e o rosto nas costas da mão fechada. Ficou por um longo tempo olhando Gabriel deitado de bruços, ressonando o mais tranquilo dos sonos.

Vestia apenas shorts, deixando os músculos das costas braços e as pernas bem peludas a mostra, o imenso corpo de pele clara estendido por toda a pequena cama deixava a impressão de que além de extremamente minúscula, ela de desintegraria a qualquer momento sob o peso do imenso corpo. Os cabelos negros encaracolados acomodavam-se em um corte masculino; não, ele não era mais o seu pequenino Gabriel, agora ele tinha vinte anos, era um belo moço – na verdade, já era um homem.

Mara sentiu-se orgulhosa de si mesma, por ter enfrentado tudo e todos que lhe foram contrários, e agora a natureza a recompensava pelo seu imenso esforço.

Foi há vinte e um anos, quando ela estava com apenas dezessete anos e ainda cursando o segundo grau no colégio próximo a residência alugada de seus pais na vila esperança, um bairro do outro lado da cidade. Eram os dias de sua juventude, dias sem nenhuma preocupação; ela se divertia com as amigas na escola, nos intervalos dos recreios era comum elas estarem conversando e rindo, como se a vida fosse eternamente uma brincadeira, apesar das dificuldades financeiras. Seu pai, o Sr. José, trabalhava em uma empresa de construção civil como pedreiro, sua mãe Dona Abigail era, como se diz, trabalhadora do lar, e com muito esforço seu pai conseguia pagar o aluguel, as contas, e cobrir as despesas do mês. Sua mãe, por sua vez, administrava aquele pouco com uma precisão incrível a ponto de deixar qualquer economista com inveja. Ela era filha única e os dias eram alegres. Ao voltar da escola, por volta do meio-dia, ela almoçava e ajudava a mãe nas tarefas domésticas. Sua mãe aproveitava para costurar para os vizinhos que a procuravam pedindo confecções de calça, camisa, vestidos ou simples reparos como troca de zíperes, barras de calça e afins. Às vezes a mãe saía para entregar as encomendas ou comprar materiais para suprir sua pequena oficina de costura que ficava em um canto na minúscula sala. À noite ela ajudava no jantar e as duas esperavam pelo pai. Normalmente assistiam às novelas na TV, depois seguiam para seus quartos, para um merecido descanso, e à espera de um novo dia.

Em um intervalo de recreio sentada em uma mureta que separava o pátio da quadra de futebol, Mara estava rodeada por suas amigas, a maioria à sua frente. Alguém contou uma piada e ela estava com as demais rindo, e de repente Mara percebeu que as meninas pararam de rir, e olhavam sérias para alguma coisa as suas costas. Ela também parou de rir e perguntou.

– O que foi?

– Alguém as suas costas! – Responderam entre os dentes.

– Meu Deus, se aquilo for real, eu daria toda minha vida em troca de apenas um minuto de felicidade! – Completou outra.

Mara desejou olhar, mas estava de costas, sem saber o que realmente estava acontecendo. Preferiu esperar que alguém lhe dissesse o motivo, ou ao término do recreio então ela se levantaria e veria o que estava causando tamanho alvoroço entre as moças. Mara ficou ali apenas ouvindo; elas insistentemente olhavam, esperando serem vistas, e conversavam entre si dizendo:

– De onde será que ele veio?

– Não sei, mas que vou descobrir, ahhh vou!

Mara entendeu que falavam de um rapaz novo na escola.– Ele não é lindo?

– Meu Deus, lindo é pouco!

– Olha o cabelo negro encaracolado! – Exclamou outra.

– Olha o rosto, que boca, é perfeito! – Concluiu outra.

– Mas parece muito sério, ou tem namorada, ou ainda não percebeu que estamos olhando!

Mara ficou imaginando como seria o rapaz, mas depois pensou, besteira, essas meninas se encantam com todos os rapazes novos na escola, depois perdem o interesse. Estavam assim quando o sinal tocou, avisando que o intervalo do recreio ter minara, até que Mara levantou-se lentamente e se virou. Nisso, levou um choque que lhe estremeceu todo o corpo; as pernas falsearam, por pouco ela não caiu, e um arrepio percorreu sua espinha. Seus olhares se encontraram, realmente ele era lindo, mas não foi isto que a surpreendeu. Parecia que o mundo não existia ao seu redor, apenas os dois e nada mais. Depois de um bom tempo, ele se virou e seguiu para sua classe, ela foi caminhando lentamente ainda impactada com a situação, não conseguia pensar em nada. Nas próximas aulas, ela via os professores na frente da classe, mas não conseguia entender o que eles falavam, ela estava em meio a um turbilhão de emoções, estava estranha, nunca sentira aquilo. Com extrema dificuldade terminou as aulas, recolheu seus materiais da carteira e saiu seguindo as meninas, os passos eram lentos, a cabeça estava distante no trajeto para casa. Não fosse uma de suas amigas, ela teria sido atropelada; sem perceber que o sinal ainda estava fechado, ela entrou na pista, um carro vindo em alta velocidade buzinou e sua amiga a puxou pela blusa de volta para o meio fio. Só ai perceberam que ela estava desligada e algumas amigas perguntaram o que estava acontecendo, mas Mara só respondeu que estava tudo bem.

Em casa, quando estava ajudando nos afazeres domésticos, sua mãe também percebeu que ela estava desligada, mas apenas se limitou a perguntar:

– O que é isto, menina? Parece que está no mundo da lua! A noite ela passou em claro, deitada de costas, olhando o

teto, de vez em quando seu rosto se movia em um pequeno sorriso, no fundo ela não sabia se ria ou chorava, ela apenas sentia aquela estranha nostalgia.

Pela manhã, sem que ela tenha pregado os olhos um minuto só que seja, o relógio despertador disparou, indicando que era o momento de se levantar. Ela foi até o banheiro para sua higiene pessoal, voltou ao seu quarto, vestiu seu uniforme escolar, sua mãe a chamou para o café da manhã e ela rumou para a escola. Tudo parecia normal para as pessoas, mas para ela tudo estava estranho. No intervalo do recreio, ela sentou-se na mesma mureta, ficando novamente rodeada pelas mesmas amigas, as conversas giravam em torno do rapaz. Mara apenas ouvia calada, e uma amiga brincou com ela dizendo:

– Ei, Mara, você não diz nada? Até parece que não gosta de garotos!

- Deixe-a em paz, um dia ela ainda vai nos passar para trás! Retrucou outra amiga.

Voltaram às aulas, ao término foram juntas novamente para casa; isso durante toda a semana. Mas na sexta-feira, ao término das aulas, Mara saiu como de costume seguindo suas amigas, desceram as escadarias, chegando ao pátio, começaram a atravessá-lo em direção ao portão, quando uma das meninas que estavam á frente disse entre os dentes:

– Ei, meninas, se preparem, porque o galã está no portão, e parece que está esperando para falar com alguém do nosso grupo!

Mara nem se importou com isso, e elas continuaram cami-nhando. Próximo ao portão, voluntariamente formou-se uma fila indiana tendo Mara na última posição. Foram passando pelo portão, com o rapaz ao lado, e quando Mara foi passar ele esten-deu o braço, bloqueando a passagem. Quando ela parou e olhou, ele automaticamente abaixou o braço, e disse:

– Posso falar com você um minuto?

Como ele já havia abaixado o braço, ela percebeu que ele não estava forçando uma situação, fez aquele gesto apenas para lhe chamar a atenção, separando-a das demais amigas, mas deixando-a livre caso ela não aceitasse um diálogo, pois a passagem estava aberta novamente. Pensou por um momento então disse:¶¶– Tudo bem!

Então ele perguntou se ela aceitaria que ele a acompanhasse até a sua residência. Como ele não estava se impondo, mas apenas pedindo, ela resolveu aceitar. Seguiram caminhando lado a lado, ele começou um diálogo dizendo o seu nome, Alfredo, o bairro que morava antes, a escola que estudava; que seus pais precisaram se mudar, porque a casa que moravam era alugada, e o proprietário pediu que eles a desocupassem para um filho que iria se casar. Na procura por uma nova casa não encontraram no mesmo bairro, encontram esta que eles haviam alugado, por isso ele precisou mudar de escola; também falou que às vezes fazia um bico nos finais de semana servindo em um Bar-lanchonete. Assim, chegaram à casa de Mara, quando ele apenas se despediu seguiu o seu caminho, sendo acompanhado pelo olhar de Mara; ele foi ficando cada vez menor, até sumir à distância.

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