Pantera Negra
Pantera Negra
Por: Bianque
Capitulo 1

Mara retirou uma caneca de alumínio de uma das quatro bocas de seu belo fogão branco, derramando-a o restante da água que nela fervia sobre o pó de café que estava no coador sobre o bule na pia de granito da cozinha. Ficou olhando até que toda a água filtrou, deixando apenas uma borra de pó de café úmido dentro do coador. Tirou o coador de cima do bule, despejou o café em uma garrafa térmica até enchê-la e fechou-a com tampa. Ainda do bule, despejou um pouco em um copo de vidro e começou lentamente a degustá-lo em pequenos goles, olhando pelo vitrô aberto da cozinha, vendo apenas o muro que separava a edícula alugada da casa dos proprietários à frente, seus pensamentos iam muito, mas muito além daquele pequeno espaço físico entre ela e o muro. Não havia pressa; era manhã ensolarada de domingo, era seu abençoado dia de folga, uma merecida folga depois de uma semana cansativa de trabalho.

Há muitos anos Mara trabalhava como empregada doméstica. No mesmo emprego, para a mesma família, não era um trabalho bem remunerado, mas ela sentia-se agradecida, ela era uma mulher digna. Foi há muito tempo, ela tinha apenas dezoito anos, quando dona Zilda de quem ela era inquilina, também há muitos anos; Dona Zilda e seu esposo Sr. Joaquim, além de proprietários, eram como pais para Mara. Foi dona Zilda que a levou e a apresentou para aquele trabalho, depois de uma viagem de quarenta minutos por diversas ruas, contornando praças, parando em inúmeros pontos em um dos sacolejantes ônibus circulares.

Elas desceram no centro da cidade em meio a enormes edifícios com diversas lojas nos térreos. Um extenso viaduto elevado acompanhando toda a extensão de uma enorme avenida prendeu a atenção de Mara por alguns instantes; ouvia-se apenas o barulho do intenso trafego dos veículos lá em cima. Ela naquele momento sentia-se totalmente dependente de dona Zilda, naquela imensa selva de concreto com enormes edifícios. Dona Zilda, por sua vez, mostrava-se cada vez mais amável com ela, andando à frente pelas calçadas, desviando-se de inúmeros pedestres que vinham no sentido contrário com movimentos rápidos pela direita ou esquerda, sempre defendendo a si e sua estimada bolsa que estava sempre á frente do corpo, semelhante a uma esquiadora desviando-se dos obstáculos. Sempre falante, explicando a Mara o caminho, os detalhes, onde se deveria ter mais cuidado, os locais onde deveria se evitar passar para evitar assaltos e outros tipos de constrangimento. Mara a seguia o mais rápido possível, imitando suas mudanças bruscas de posição na calçada, evitando colidir-se com inúmeras barraquinhas, postes, camelôs e sacos de lixo que jaziam amontoados nas calçadas esperando alguém para recolhê-los; sempre procurando ouvir e memorizar tudo que Zilda a estava explicando. Ela sabia que sua vida a partir daquele momento dependeria – e muito – de memorizar aquelas explicações.

Depois de muitos quarteirões, Mara já estava extremamente ofegante; a sudorese se mostrava excessiva, os músculos de suas pernas latejavam, parecia que pegariam fogo a qualquer momento. Pensava nunca chegaremos a esse abençoado lugar, parece até mesmo o fim do mundo quando Zilda parou em uma esquina com um movimento brusco. Esperando o sinaleiro abrir para atravessarem a rua, ela olhou em direção ao próximo quarteirão, esticou um braço apontando com o indicador em riste e disse: “É lá, Mara”.

Mara olhou para onde ela apontava e, em meio a diversos edifícios uma única residência no estilo colonial, como um oásis cravado no meio de um imenso deserto, viu. Um gradil de ferro separava a propriedade da calçada, sendo sustentado de espaço em espaço por colunas de tijolos à vista, um portão social e um portão para entrada de veículos. A residência estava recuada do gradil uns seis metros, e entre ambos ficava um belo jardim com inúmeras qualidades de flores, serpenteadas por pequenos cor-redores de pedra em placas de arenito vermelho, deixando um aspecto de boas vindas. Era uma residência de dois andares na cor branca, com diversos planos assimétricos, emoldurada com belas cornijas. O telhado em diversas caídas deixava a casa esti-losa; na parte de cima uma enorme sacada com um peitoril de ferro, enquanto na parte de baixo havia uma enorme sala com uma vidraça desde o piso até o teto, um estreito corredor à es-querda entre a casa e o muro, e outro bem largo à direita com calçamento em placas de arenito vermelho, deixando o acesso dos veículos até o fundo da propriedade, onde havia uma edí-cula em dois andares com garagem e lavanderia no térreo e o quarto da empregada residente em cima.Zilda destrancou e empurrou o portão social, deixando a passagem livre. Depois que passaram, Zilda trancou-o nova-mente, sendo assistida de perto por Mara, e ambas entraram pelo corredor largo dos veículos. Mara olhou de soslaio e viu as enormes janelas de madeira com duas folhas brancas no segundo andar, indicando serem dos quartos, e, embaixo, viu outro enorme vitrô com características de pertencer à cozinha. Contornaram a casa e Mara olhava ao fundo o canil e os varais quando Zilda destrancou uma porta que dava para maior cozinha que Mara já havia visto em toda sua vida. Azulejada até o teto, com uma pia modelo ¨u¨ fixada nas paredes com portinhas

deslizantes que tocavam o piso, um enorme armário de madeira branco fixado nas paredes por cima da pia, uma porta á direita de acesso ao porão-adega, uma extensa mesa de madeira com seis cadeiras, uma geladeira e um freezer vertical, tudo na cor branca; outra porta de vidro deixando acesso à enorme copa que estava mobiliada com uma mesa de madeira rodeada por dez cadeiras, um enorme lustre de cristal preso no teto bem próximo à mesa, deixando a impressão que cairia a qualquer momento, outra porta de acesso à sala de visitas, um corredor de acesso ao escritório e uma escada de madeira tendo um corrimão sustentado por balaústras trabalhadas de acesso ao segundo andar, onde estavam os quartos.

Zilda pegou no armário duas xícaras de porcelana desenhadas e os pirex, colocando-os sobre a mesa da cozinha. Dispôs ali também uma garrafa térmica com café que a empregada residente já havia preparado e uma jarra de leite, bem como uma cesta de vime com pãezinhos e um pote com margarina retirada da geladeira, dizendo:

- Senta, Mara, vamos tomar café, que o dia vai ser bem movimentado, talvez não haja tempo para almoçar!

Já estavam bem adiantadas no café quando se ouviu o ruído da porta de acesso a copa sendo empurrada. Logo em seguida, entrou na cozinha uma mulher de uns trinta e cinco anos. Sua pele era morena clara e ela vestia um uniforme azul e branco com um chapeuzinho branco na cabeça, completando o uniforme; tinha uma bandeja de madeira com copos vazios e sujos, guardanapos amassados, segurada com as duas mãos. Parou por um instante, olhando as duas à mesa, e então disse:

– Bom dia, Zilda! É esta a moça?

– Bom dia, Rosa! É, sim! – Respondeu Zilda.

Rosa deixou a bandeja pousar sobre a mesa e ficou olhando de frente, sem tirar os olhos de Mara. Abaixou-se até debruçar o corpo sobre a mesa e aproximou o rosto o máximo possível do de Mara, e, bem séria, disse:

– Esses seus cabelos negros escorridos, as sobrancelhas expressas quase se unindo, os olhos negros bem fundos e seu rosto redondo, me deixa impressão de estar diante de uma pantera negra! Eu vou chamá-la de pantera negra! – Deu um sorriso largo e continuou – Não se assuste, é assim mesmo, para as empregadas domésticas falta apenas um grau para loucas e meio para médicas, você ficará assim também! Franqueou a Mara outro belo sorriso.

Mara já estava sentindo-se desconfortável, mas logo percebeu que Rosa na verdade só estava brincando. Ela era uma figuraça, logo se tornariam amigas íntimas.

Já estavam se levantando quando ouviram a porta da copa sendo empurrada novamente. Viraram-se para olhar e viram entrar na cozinha uma mulher na casa dos cinquenta anos, ainda muito bela, alta, a pele branca semelhante à porcelana, os olhos turquesa, os cabelos louros em desalinho, o roupão felpudo Branco de mangas longas com um cordão amarrado na cintura e pantufas nos pés, tudo isto, indicando que ela acabara de acordar, deu alguns passos sentou-se a cabeceira da mesa, limpou a garganta depois disse:

– Bom dia, Zilda! – É essa a moça?

– Bom dia, dona Maria! – É, sim!

– Bom dia, Menina! Qual é o seu nome? – Indagou dona Maria, olhando diretamente para Mara.

– Mara!

– Muito bem Mara, seja bem-vinda, esta é a nossa família!

– Há tempos que a Zilda me pedia para ser substituída, mas eu  não gosto de ficar trocando de empregada constante mente – Veja a Zilda e a    Rosa , estão aqui há mais de quinze anos! Então ficamos assim, Zilda vai te ensinar como é a limpeza de toda a casa, exceto a cozinha, por que as refeições e a limpeza da cozinha é trabalho da Rosa. Depois que você aprender certinho o trabalho, a Zilda virá apenas dois dias na semana para lavar e passar as roupas. Combinado?

Mara estava se sentindo extremamente pequena diante daquela mulher, não só pela estatura, mas pelo jeito leve, solto, dinâmico da patroa. Mara viu que ela estava olhando atenta para seu rosto, por certo esperando a sua resposta. Procurou algumas palavras, mas parecia que seu dicionário fora roubado, então com muito esforço conseguiu balançar a cabeça afirmativamente e dizer:

– Tudo bem! – As palavras saíram piegas. Dona Maria então tomou a dianteira, dizendo:

– Zilda, o Alberto já está saindo do quarto, e vocês podem começar, porque o dia hoje vai ser pequeno para tanto trabalho!

Já se passaram vinte anos, trabalhando na mesma casa, fazendo o mesmo serviço, o mesmo trajeto. Dona Maria e seu Alfredo agora estavam bem velhinhos e parecia serem parte da sua família. Rosa nunca a chamou pelo nome, sempre a chamava de pantera negra. Agora Rosa falava constantemente em se aposentar.

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