Chase

Eram quase cinco da tarde quando cheguei no hospital. Eu olhei ao meu redor e vi os corredores frios, o chão parecia estar oscilando sob meus pés e tinha quase certeza de que, em algum momento, eu iria desabar. Voltei a atenção para o vidro que me permitia ver meu pai. Ele estava deitado no leito. Os aparelhos o mantinham respirando, e a minha própria respiração parecia pesada, como se eu estivesse me afogando. Levei a mão até o vidro. Toquei-o. Meus olhos passaram pelo quarto branco, o leito, os aparelhos, uma cadeira do lado da cama. Vi Kathryn sentada lá, massageando a têmpora. Quando ela percebeu que eu estava a observando, me olhou de canto e sorriu timidamente. Eu suspirei, o vidro embaçou. 

Me dirigi à porta e abri, entrando no quarto. Enfiei as mãos nos bolsos e me aproximei. Meus olhos caminharam até ele na cama. Parecia relaxado, de algum jeito. Os olhos fechados, expressão tranquila no rosto. Isso me fez sorrir. 

— Oi — ela disse, se ajeitando na cadeira. — Os médicos disseram que ele continua na mesma. — Olhou para mim. — Você está bonito. 

Eu a encarei, e por mais que soubesse que a nossa relação não era das melhores, tinha que engolir meu orgulho bobo e me convencer que ao menos um de nós queria o melhor para o papai. Kathryn colocou uma mecha de cabelo rebelde atrás da orelha e levantou, passando as mãos na roupa. Ela se aproximou, e eu parei do lado do leito. 

— Você acha que um dia ele vai acordar? — perguntei. 

Aquelas palavras eram como veneno. Passaram queimando ao longo da minha garganta, me asfixiando aos poucos. Eu olhei Kathryn e ela deu de ombros. O sorriso morreu. Notei que vestia uma jaqueta de couro marrom, o vestido preto por baixo, e as longas madeixas loiras cobriam os ombros. Ela cruzou os braços e se aproximou. 

— Não sei — disse, balançando a cabeça. — Mas espero que sim. 

Eu assenti lentamente, sentindo seu olhar em mim. Eu perguntava como tudo isso chegara até aqui, e não gostava nenhum pouco da resposta. A verdade é que era injusto, de toda forma. Injusto para nós. Não para ele. Era irônico que nós fôssemos as únicas pessoas a controlarem sua vida, de modo que ele necessitasse da nossa boa vontade, coisa que nos negligenciou a vida inteira. Mas quando eu o via ali, esquecia de que ele era aquele homem terrível que costumava ser. Agora ele era só Thomas Ward, o meu pai. Tão frágil, tão… Pacífico. 

Kathryn apoiou a mão no meu ombro e repousou a cabeça delicadamente. Eu a olhei, tirei a mão do bolso e passei-a por suas costas. Senti sua respiração lenta, calma. Diferentemente de mim, ela sabia que haviam opções para aquilo, e por mais que eu quisesse que tudo permanecesse do jeito que estava, esperançado, ela tinha razão. Não que eu fosse dizer isso a ela. 

— Você está bem? Não conversamos muito ontem — eu disse, inclinando a cabeça. — O Paul sabe que está aqui? Aquele cara me odeia. — Minha voz se manteve firme, embora eu estivesse começando a derreter. 

Ela assentiu. 

— Ele não te odeia. Você é chato. Só isso. — Ela riu. Isso me fez rir também. — E desculpa por ontem. Eu estava irritada demais. 

Ontem tivemos nosso almoço. Ela sempre fazia questão de almoçar comigo às quartas, um dia antes de virmos para o hospital ver como o papai está. Parece que a cada almoço temos menos o que falar. Eu falo sobre o meu emprego; ela sobre o marido. Nunca estivemos tão separados quanto agora, e isso me deixa mal. Fico mal por pensar que ela não tem o apoio de que precisa, fico mal por pensar que Paul a cobra demais, fico mal por pensar que sou um péssimo irmão. 

— Não estava — afirmei. — Eu te irritei, como sempre. Olha, eu sei que não sou perfeito e na verdade, acho que não quero ser, mas foi injusto o que disse sobre… — as palavras morreram na minha boca. Ela se remexeu no meu abraço. Kathryn pegou meu braço e o apertou. — Eu sou um idiota. 

Eu sou realmente um idiota. Kathryn sempre dizia que, de algum modo, o que aconteceu com o papai refletiu em mim, mas a verdade é que me tornei a pessoa que mais odiava. Eu me odeio por isso. Sinto remorso por mim mesmo, e isso é patético. Todos os dias eu vivo a mesma merda. Todos os dias me motivo para ser um dos melhores, mas a verdade é que faço parte dos piores. Ontem, durante o almoço, Kathryn me contou que havia tido um aborto espontâneo. Era o quinto. Eu nem sequer disse nada. Dei de ombros e continuei comendo. Mais cedo, quando cheguei no trabalho, me deparei com o peso de seu choro ecoando na minha cabeça. Eu rabisquei em papéis e tentei afastar aquilo da minha mente, mas não funciona de modo algum. Eu deveria tê-la confortado. Eu sei o quanto é difícil para ela encarar esse assunto. O marido dela, Paul, está a ameaçando. Seis tentativas. Foi isso o que ele disse. Se ela não ficasse grávida, ele iria se separar dela. 

Kathryn me contou como ele sempre a protegia, como sempre estava por perto, mas suas pressões para que engravidasse a atormentam desde o começo do casamento. Ele era um cara legal, atencioso e carinhoso, mas a ideia de não ter um filho o destruía por completo. Ela sugeriu adoção, porque todas as vezes que o pior acontecia, mal podia aguentar a decepção no olhar do marido, mas Paul não quis. Ele disse que queria um filho do próprio sangue, que não seria homem de verdade se não pudesse ter um filho. Eu o odiei desde o dia que teve a audácia de dizer isso a ela. Paul não falava mais comigo, porque eu costumava dizer que ele era um babaca. Kathryn quase não me via, porque ele não permitia que isso continuasse. Eu, o próprio irmão dela, me sentia impotente quanto a isso. Eu queria protegê-la, mas Paul me negava até isso.

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