CAPÍTULO 3

Fascinada pelo ídolo — 1985

Nem tinha se refeito do deslumbramento por Cláudio Lins, Isabela arrumou outro ídolo para chamar de seu: Ricky Martin, o integrante caçula dos apoteóticos Menudos. O grupo, criado em Porto Rico em 1977, era uma boy band latina que se tornou uma verdadeira febre mundial e enlouqueceu fãs-mirins dos quatro cantos do planeta.

Em 1985, o avô de Belinha, Otávio, quis fazer uma surpresa para as netas e comprou ingresso para o show que aconteceria no estádio do Vasco da Gama, em São Januário. A menina e a irmã, Valentina, estavam no céu: usavam faixas temáticas na cabeça e entoavam, sem parar, a dançante “Não se reprima”.

“Canta, dança, sem parar

Sobe, desce, como quiser

Sonha, vive, como eu

Pula, grita, ô, ô, ô...”

Chegando lá, uma enorme confusão quase transformou o sonho em pesadelo. Havia mais de 80 mil pessoas amontoadas, desesperadas pela abertura dos portões, que causaram um empurra-empurra de efeitos catastróficos. Vários presentes foram pisoteados e imprensados na parede, ficando machucados e lotando os ambulatórios locais. Uma moça e uma menina não resistiram: faleceram bem ali, no meio desordenado daquela multidão.

As notícias do ocorrido logo ganharam destaque nas televisões e levaram os pais de Belinha, Maria e Jorge, a uma angústia interminável. Ninguém sabia a identificação das vítimas nem conseguia precisar o número de feridos. Os celulares não existiam. Não havia nada que pudesse ser feito, a não ser esperar e pedir misericórdia a Deus.

Ivana, a avó, acendeu todas as velas da casa e improvisou um altar no meio da sala. Jogou os joelhos no chão e deu início a uma súplica incessante.

Apesar de todo o caos, Otávio conseguiu entrar no estádio com as netinhas. Posicionou-se no fundo do campo e ainda teve que investir em binóculos para as pequenas tentarem ter um vislumbre dos seus adorados meninos. Belinha ficou o tempo todo nas costas do senhor, com o objeto na mão, mas nada conseguiu enxergar. Voltou para casa exausta, frustrada, descrente.

Encontrou uma mãe com pressão alta, um pai completamente sobressaltado e uma avó em prantos. Demorou para capturar a magnitude do que tinha acontecido e, de verdade, não chegou nem perto de ter esse entendimento.

No dia seguinte, voltaria aos seus LPs, programas de televisão e videoclipes, sonhando acordada com o seu Menudo preferido.

Dez anos mais tarde, vibrou com a carreira-solo do grande ídolo e passou a ser tiete de um Ricky Martin crescido, sexy e muito envolvente. Ouvia o CD, pesquisava todas as palavras em espanhol e bailava ao som de “Maria”.

“Un, dos, tres

Un pasito pa'delante María

Un, dos, tres

Un pasito pa' atras”

Soube que haveria um show em uma casa de espetáculos na Barra da Tijuca e ficou radiante com a nova chance de ver, de pertinho, o cantor.

— Valentina, acabei de ouvir no rádio que o Ricky Martin vai se apresentar no Metropolitan. A gente tem que ir, irmã — contou a menina, sem conseguir disfarçar a emoção com a descoberta.

— Jura? Que legal! Será que a mamãe vai deixar? Eu quero muito ir — comemorou a outra, já idealizando a roupa que usaria na ocasião ilustre.

Juntas, convenceram Jorge e Maria, aventurando-se em uma noite que reservava muitas surpresas, mas nenhuma que elas realmente desejavam.

Bela colocou um vestido vermelho-sangue e, apesar dos 15 anos, exagerou na maquiagem. Achava que, se chamasse bastante atenção, Ricky a notaria na plateia. Valentina também caprichou no visual, fazendo escova e delineando os olhos castanhos.

Quando o show começou, tentaram permanecer na posição privilegiada que tinham guardado por horas. Primeiro, vieram empurrões e, depois, começaram as cotoveladas. Foram sendo jogadas para trás, misturando-se à multidão de maneira involuntária.

— Bela, empurra de volta — gritava Valentina.

— Não consigo, Val. Elas são muito fortes — se queixava Isabela. — Vou tentar ir pelo canto para tirar foto — afirmou, já pegando a mão da irmã e a puxando consigo.

Mal sacou a máquina fotográfica de última geração, uma relíquia recebida em seu aniversário, e Bela foi atingida por um safanão que lhe tirou o equilíbrio. Valentina tentou mantê-la de pé, mas falhou na sua tentativa de sustentar o peso da irmã.  Isabela foi jogada ao chão, espatifando-se no piso junto com a sua tão estimada câmera. Antes que pudesse reagir, recebeu pontapés e pisões violentos, que chegaram a arrancar pequenos pedaços da sua pele sensível.

Machucada, suja e com o vestido rasgado, reergueu-se, desolada. Não tinha mais energia nem clima para assistir à apresentação.

Reuniu os cacos do seu equipamento e foi embora, xoxa, ao lado da irmã. Morria, pela segunda e derradeira vez, a oportunidade de estar cara a cara com Ricky Martin.

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