02 - Duas esmeraldas observam a caçadora

            Quando ele tirou o elmo, mostrou-se como o homem mais bonito que Aria já havia visto. Ele era jovem, nobre e belo, com cabelo preto e curto que ondulava levemente nas pontas, a pele lisa e bronzeada, os lábios cheios e rosados, seu rosto parecia ter sido esculpido à mão. Suas roupas pareciam ser de tecido fino e caro. As botas de couro macio combinavam com as luvas. Ele usava uma armadura protegendo-lhe o torso. Também usava um manto azul escuro, iguais àqueles que Aria tanto via os soldados de alta patente de Armendor usando, porém os que os soldados usavam eram verdes, simbolizando a cor do reino.

            Mesmo estando montado a cavalo, o jovem parecia ser bem alto. Mas o que mais chamou a atenção de Aria eram seus penetrantes olhos verdes. Era como se houvessem incrustado duas esmeraldas em seu rosto. Aria olhava-o hipnotizada, assim como o rapaz também parecia hipnotizado por ela. Por um momento ele piscou e toda aquela tensão presente no ar foi dissipada.

            – Obrigado por ter nos salvado desta emboscada, milady – ele disse. – Meu nome é Tumen. Qual é o seu nome?

            – Nomes são para nobres – respondeu Aria. – E eu não sou uma lady.

            – Desculpe-me – ele disse parecendo envergonhado. – Não tive a intenção de ofendê-la.

            – Não me ofendeu – disse Aria.

            – Quem eram aqueles homens? – ele perguntou.

            – Vejo que não são daqui – Aria disse. – Nós os chamamos de Gatunos. Eles moram na floresta. Atacam e matam sem piedade, e vocês, sem sorte, acabaram de atravessar o território deles. Se atravessarem a floresta novamente, tomem cuidado, eles são muito perigosos.

            – Obrigado pelo aviso – disse o homem atrás do líder –, mas não pretendemos passar por aqui tão cedo, mas lembraremos.

            Aria olhou para os homens que acompanhavam o jovem líder. Um a um eles foram tirando seus elmos. Suas expressões eram de puro cansaço, com resquícios de dor e pesar. Alguns apresentavam hematomas nas partes expostas da pele, além de arranhões e cortes. Um deles usava uma atadura na cabeça.

            – Se não for ousadia de minha parte – disse Aria –, poderiam me dizer se está havendo uma guerra em algum lugar?

            – Realmente houve uma batalha – disse o rapaz de olhos verdes. – Mas, não é necessário se preocupar. A guerra não chegará aqui.

            – O que me parece – começou Aria cautelosa –, a julgar pelo estado em que se encontram, vocês estão fugindo da batalha. Vocês são desertores?

            – Isto sim é ousadia garota – gritou um dos homens. – Ponha-se em seu lugar. Você não sabe com quem está falando!

            O homem encarou Aria. Ele parecia ser o mais velho entre os cinco que estavam ali, e também usava um manto azul escuro. Assim como Tumen, o jovem rapaz, o homem transmitia autoridade e quando ele falou os outros cavaleiros, com exceção de Tumen, encolheram-se em suas montarias. Ainda assim Aria encarou seu olhar, sem ao menos piscar.

            – Sir Rúmil – chamou o jovem, que parecia estar se divertindo com a situação. – Isso não é necessário. – Ele então se voltou para Aria – Não estamos fugindo, a batalha acabou. Viemos a Armendor apenas em busca de conselhos. Por sinal, acredito que estamos chegando à Cidade das Árvores. Antes de sermos emboscados havíamos perdido a trilha. Poderia nos mostrar como voltamos a ela?

            – Se seguirem adiante logo encontrarão um riacho – explicou Aria. – Sigam pela margem que em breve chegarão à Cidade das Árvores.

            – Agradeço senhorita – o jovem sorriu para Aria. – Homens, em frente.

            – Sim – responderam em uníssono.

            E então partiram. Aria voltou ao local onde havia deixado sua caça e depois foi embora para casa.

            A casa dos tios de Aria ficava afastada da Cidade das Árvores. Fora construída em um descampado próximo à orla da floresta. Era uma casa de tamanho médio, porém oferecia conforto, e pertencera ao avô de Aria, pai de seu pai, e agora pertencia ao seu tio. Aria mal havia chegado e a tia já a esperava no celeiro, aguardando a caça recém-abatida.

            – Que bom que chegou, Aria. Já ia preparar o almoço. O que trouxe hoje? – perguntou a tia.

            Tia Célia era morena, tinha cabelo castanho, olhos dóceis e com ar de quem fora muito bonita na juventude. Ela cuidava de Aria como uma mãe desde que ela havia perdido o pai, e como Aria nunca chegara a conhecer sua a mãe, tomara a tia como uma.

            – Uma corça – disse Aria. – Estava seguindo o rastro dela.

            – Mesmo para uma caçada de uma corça você demorou mais que o natural – disse tia Célia enquanto ajudava Aria a levar a corça para a cozinha. – Aconteceu alguma coisa?

            – Gatunos. Atacaram um grupo de viajantes e fui ajudá-los – Aria não quis contar que eram cavaleiros voltando da guerra, tia Célia não iria gostar. – Eles estavam perdidos e foram atacados.

            – Você não está machucada, está? – perguntou tia Célia.

            Uma jovem saiu da casa e foi ajudá-las. Era Anne, prima de Aria. Assim como a mãe, Anne também tinha os cabelo castanho e olhos carinhosos. Era como uma irmã mais velha para Aria, a diferença de idade entre as duas era de dois anos.

            – Mãe, ela nunca voltou machucada de nenhuma caçada – disse Anne. - Ela sabe se proteger, não se preocupe.

            – Tudo bem – concordou tia Célia –, você tem razão, Anne. Venha Aria, ajude-me com esse almoço. Vá guardar suas coisas, se limpar e depois volte aqui. Daqui a pouco seu tio chega do trabalho. Parece que hoje ele vai receber mercadorias novas. Anne, me ajude a limpar este animal – gritou a tia.

            Aria foi até seu quarto que ficava no segundo andar da casa. Ela dormia junto com a prima, mas logo teria o quarto somente para ela, já que Anne estava noiva do filho de um comerciante conhecido de seu pai e logo iria se casar. Guardou seu arco e sua aljava, lavou o rosto e as mãos numa bacia com água e voltou para a cozinha para ajudar a tia.

            A corça abatida foi limpa, a pele retirada e a carne foi cortada. Tia Célia separou o pedaço que iria cozinhar e os outros pedaços foram salgados para que conservassem. Como eram poucas pessoas para se alimentarem, a carne poderia durar por uma semana ou mais. Aria não precisaria caçar durante esse tempo.

            Logo o almoço estava pronto e não demorou muito para Palomir chegar. Tio Palomir era mercador, vendia especiarias, temperos e ervas culinárias, importava e exportava para vários lugares. Ele era alto, bem ágil, tinha cabelo preto, olhos castanhos, trabalhava o dia todo na Cidade das Árvores. Ele sempre voltava para casa na hora do almoço. Tia Célia pôs-se a servir a comida e todos se sentaram à mesa.

            – Uma corça! – exclamou tio Palomir quando viu os pedaços que estavam salgando e a pele do animal. – Há tempos que não temos algo assim à mesa, não é Aria? Há quantos dias a estava caçando?

            – Dois dias – respondeu Aria. – Ela provavelmente foi deixada para trás. Estava ferida e não conseguiu acompanhar o bando.

            – Até hoje me impressiono com suas habilidades, minha menina – elogiou Palomir. – Teríamos muitas despesas se você não caçasse para nós.

            Aria sorriu para o tio. Ele sempre dizia isso a ela quando voltava com uma caça grande. Mas o tio tinha razão. Havia época em que o dinheiro sobrava e eles esbanjavam de um conforto ou outro, algumas roupas novas, vinhos de boa safra, barris de cerveja. Porém quando faltava dinheiro precisavam racionar todos os gastos e era nessa época que as caças de Aria faziam toda a diferença.

            – Aria, onde está Águia? – perguntou tia Célia. – Não a vi hoje.

            – Também não a vi, não estava no celeiro junto com Ganis. Deve ter saído para caçar.

            – Célia, meu bem – chamou o tio. – Hoje chegarão mercadorias à cidade. Todas elas serão depositadas no armazém. Teremos muito para descarregar, creio que só terminaremos amanhã, por isso não venho almoçar em casa. Agradeceria se alguma das meninas levasse o almoço para mim amanhã.

            – Posso fazer isso, tio – disse Aria. – Estava mesmo precisando ir à cidade. Tenho algumas ferramentas danificadas e vou levar ao ferreiro para consertá-los. Então eu levo seu almoço.

            – Levar a um ferreiro? – perguntou Anne. – Você mesma não consegue consertá-las?

            – Eu poderia – respondeu Aria. – Mas estou sem material e não pretendo danificar mais ainda as poucas ferramentas que possuo na oficina.

            Anne assentiu. Aria possuía outra habilidade além do arco e flecha. Ela aprendera com o pai a moldar metais e o fazia tão bem quanto qualquer ferreiro. Depois da morte de Faronil, Aria tomou a oficina do pai para ela, e ali ela fazia o que tivesse vontade ou o que precisasse.

            Após comerem, tio Palomir voltou à Cidade das Árvores e a tia e as meninas arrumaram a casa. Depois Aria seguiu para o celeiro e levou Ganis para fora. Quando estava montando, uma ave voou na direção da garota. Aria estendeu o braço e a ave pousou. Uma bela águia-imperial já adulta gorjeou para a garota.

            – Onde esteve, Águia? – perguntou Aria.

            Aria olhou para as garras da ave e viu resquícios de uma presa abatida.

            – Caçando? – e a ave gorjeou em resposta. – Estou indo dar uma volta, o que acha de irmos àquele lugar?

            Águia alçou voo novamente e seguiu adiante com Aria cavalgando atrás dela.

            – Acho que isso é um sim – Aria sorriu.

            Era um costume a garota sair de casa e voltar somente quando o sol se punha. Os tios não se preocupavam, pois sabiam aonde ela ia, e Aria sabia se cuidar sozinha. Não havia perigos. O dia já estava quase ao fim quando Aria foi até sua oficina, pegou as ferramentas estragadas, guardou-as num alforje e voltou para casa. Ao chegar, o tio já havia voltado do trabalho. Aria foi se lavar em seu quarto e se preparou para o jantar.

            À noite, enquanto dormia, sonhou com aqueles olhos verdes. “Onde eu já os vi antes?” No sonho dois pontos verdes observavam Aria que se encontrava no escuro. Uma voz masculina ecoava em volta dela.

            – ... É claro que acabei me perdendo. Foi sorte eu tê-la encontrado...

            Aria respondia – ... Posso ajudá-lo a sair da floresta agora.

            – Eu agradeço – dizia a voz.

            Então os dois pontos verdes se apagaram e Aria não escutou mais nenhuma voz. Ficou sozinha na escuridão.

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