Capítulo 5

Durval

Dormir, foi algo impossível...

O resto da noite foi uma completa perda de tempo, não consegui me concentrar na minha busca por Diones e nem mesmo terminar as planilhas dos novos armamentos que chegariam em poucos dias, minha mente está no meu quarto, ou melhor dizendo, em uma jovem inesperada.

Como uma garota tão jovem veio parar em um lugar como esses? Não compreendo os motivos para ela estar naquele beco, isso está tirando minha paz.

Suspiro pesadamente rolando meu charuto entre os dedos, fumo com calma, observando o sol adentrar meu escritório a cada segundo que se passa.

Meus pensamentos voam tentando compreender como Alfie a abordou. Meu sangue corre mais rápido em minhas veias ao imaginar aquele corpo pequeno e magro tremer de medo e chorar em desespero.

Solto uma lufada de fumaça, tamborilando meus dedos sobre a mesa com certa impaciência.

As imagens que vem à mente agora é o corpo de Alfie dependurado por correntes para pagar pelos seus erros. O desejo de ver o desespero refletido em seus olhos me consome lentamente.

Ele jamais deveria tocar em uma mulher inocente. Jamais.

Os músculos do meu ouvido se retesam em atenção quando uma batida receosa faz com que analise a porta com curiosidade.

Suspiro imaginando que seja ela.

— Entre. — Ordeno.

Sou surpreendido por uma figura que não quero ver no momento. Meu corpo tremer ao ver Alfie passar pela porta de cabeça baixa, colocando o relatório da noite sobre minha mesa.

— Ordenei que ficassem fora da casa principal. — O encaro colocando meu chapéu sobre a mesa.

— Deduzi que o senhor quisesse os relatórios o mais rápido possível. — Ergue o olhar com cautela.

— Ordenei que não quero ninguém dentro desta casa enquanto a senhorita permanecer embaixo deste teto. — Volto a colocar meu chapéu apertando o charuto entre os dedos com uma força exagerada.

— Às suas ordens, senhor. — B**e continência.

— Pode se retirar.

— Com licença. — Alfie sai me deixando imerso em meus pensamentos.

Depois de alguns minutos digerindo com calma a minha irritação, leio os nomes dos homens que não conseguiram fazer mil flexões com eu havia mandado. A numeração é maior do que eu esperava, mas a maioria chegou a oitocentos, alguns a seiscentos e um baixo número parou nos quatrocentos.

Trinco o maxilar vendo que estou deixando os meus homens muito à vontade e isso me mostra que tem alguns homens precisando de treino, afinal se seus corpos estão fora de forma, como querem ganhar uma batalha?

— Impossível. — Vocifero com desdém.

Morreriam facilmente e não sou o tipo de homem que desperdiça vidas de graça em uma batalha. Meus homens são importantes e suas vidas são preciosas. Somos uma família, vivemos uns pelos outros e não aceito brigas internas.

Cada um conhece seu devido lugar e sabe que eu sou o chefe. Eles me respeitam, pois dei oportunidade para cada um deles quando não tinham nada. Os tirei das ruas e ofereci um bom emprego em troca de lealdade. Não os obriguei. A escolha foi exclusivamente deles.

Volto minha atenção para as folhas deixadas por Alfie em minha frente e começo a lê-las com calma, na tentativa de entender o que aconteceu.

Enviei três dos meus homens atrás de Harry que não me entregou o dinheiro do malote de drogas que recebeu há dois meses atrás. Ele estava enrolando para pagar e percebi que não pagaria, pois já havia gastado o dinheiro com suas prostitutas, além de estar atolado em dívidas.

Odeio saber que mulheres se submetem a essa vida, mas quem sou eu para julgá-las?

Elas escolhem os caminhos que lhes convêm. Ainda assim, preferia que tudo fosse diferente, mas infelizmente nem tudo nesse mundo são flores e eu não consigo proteger a todas por mais que eu tente.

Suspiro vendo que esses pensamentos estavam começando a me irritar mais do que deveriam, então volto minha concentração para o papel escrito a mão focando meus pensamentos ali.

Como ordenei a morte de Harry caso não houvesse dinheiro, ele foi levado ao beco norte, mas se recusou a dar o dinheiro. Sendo assim, seria morto, porém a pequena jovem intrometida se assustou com o que estava prestes a presenciar e acabou fazendo mais barulho do que deveria ao derrubar uma pilha de caixas de madeira com restos de verduras do restaurante Takashi.

Jogo os papéis sobre a mesa passando as mãos no rosto.

Isso só pode ser uma grande brincadeira, apago meu charuto sentindo o peso da responsabilidade cair sobre os meus ombros de forma inesperada.

Não somente Alfie, mas os seus companheiros também erram ao abordar a nossa mais nova inquilina. O relatório não me convence em nada e isso está cada vez mais estranho do que eu gostaria.

Talvez a jovem que eu nem mesmo sei o nome saiba me explicar melhor o que houve. Me levanto abruptamente pronto para encontrá-la e tirar todas as minhas dúvidas, mas a insegurança começa a se instalar em meu coração e os olhos opacos de Lana invadem minha mente me deixando atordoado.

Balanço a cabeça apoiando as mãos sobre a mesa do meu escritório.

O que estou fazendo? Como posso permitir uma mulher nesta casa? Ela pode ser uma policial disfarçada. Nego com veemência o absurdo que acabei de pensar.

Impossível. Uma policial jamais seguraria uma arma daquela forma, muito menos escolheria uma arma sem projéteis, essa é uma possibilidade completamente descartada.

Vendo que era quase sete da manhã resolvo ir até o quarto acordar uma certa senhorita que deverá ir embora ainda hoje, já que nem mesmo deveria estar aqui.

Bato na porta do quarto e não recebo respostas, tento uma segunda batida e também não recebo respostas. A preocupação de que ela esteja machucada domina meus pensamentos e quando vejo já entrei sem esperar sua confirmação.

Olho por todo quarto e o vejo limpo, arrumado e vazio, acabo franzindo as sobrancelhas ao notar que ela não estava ali.

Seria realmente perfeito saber que ela fugiu e minha vida solitária voltaria ao normal, mas ela jamais conseguiria passar pela segurança sem ser pega em uma armadilha, na verdade, ela nem mesmo chegaria nas armadilhas, pois assim que colocasse os pés para fora da porta, meus homens a abordariam sem pensar duas vezes. As ordens são para não colocarem os pés dentro da casa principal, já lá fora o perímetro é todo deles.

Coloco as mãos dentro do bolso do meu sobretudo e desço as escadas à procura dela. Assim que coloco meus pés nos primeiros degraus, posso sentir o cheiro de bacon frito recender pela casa.

Me esgueiro pela casa até chegar na cozinha. Parando na porta cruzo os braços ao observá-la com minhas roupas largas virando com talento os bacons na frigideira.

Um estalo em minha cabeça faz com que me apoie no batente e a dor iminente faz imagens do passado surgirem como visões reais. Meu peito infla e o vazio dentro dele aflige minha alma ao perceber sobre a mesa ovos mexidos, café e bacon.

Por Deus, somente Lana faz esse tipo de café da manhã.

Suspiro profundamente fechando os olhos e quando os abro novamente, olhos castanhos curiosos me fitam com a frigideira na mão.

— Espero que não se importe, mas estou usando sua cozinha. Peguei o que encontrei de saudável e dentro da validade em sua geladeira. — Ela faz uma careta colocando duas fatias de bacon em cada prato.

Me mantenho em silêncio examinando aquele café da manhã com cuidado, me sentindo nostálgico demais para opinar em algo que ela diga.

— Eu não sei se você já tomou café da manhã, mas eu preparei um prato para você. — Faz silêncio abaixando o olhar, mas logo suas pupilas se voltam para mim decididas. — Para agradecer. — Suas bochechas brancas assumem um tom avermelhado e rapidamente ela desvia o olhar do meu.

— Estou sem fome... — Não era totalmente verdade, mas observar esses pratos me trazem lembranças dolorosas.

A decepção se estampa em seu rosto fino.

— Eu não coloquei veneno, fique tranquilo. — Ela ri constrangida, colocando a frigideira sobre a pia de granito escuro.

— Não tenho tanta certeza. — Acabo rindo do seu comentário.

— É um agradecimento e um pedido de desculpas por tentar atirar em você com a primeira arma que vi pela frente. Por favor, aceite. — Ela observa os pratos envergonhada e ao mesmo tempo entristecida.

Esquadrinho suas ações: cabeça baixa, olhar perdido no chão, ombros deprimidos e mãos inquietas. Uma verdadeira posição de submissão. Ela realmente se sente culpada pelo ocorrido de horas atrás. É tão fácil ler seu corpo com um único olhar.

A estudo com calma, me mantendo em silêncio, sua inquietude faz com que repense na oferta do café da manhã.

Como recusar um pedido de desculpas tão sincero?

Às vezes, saber ler o corpo e os gestos de uma pessoa te coloca em grandes desvantagens, principalmente quando a sinceridade é o que prevalece em um ser que deveria ser impuro, mas é mais angelical do que se pode imaginar

— Fale algo, por favor. — Sua voz embargada e seus olhos lacrimejantes me fazem respirar profundamente.

Seus olhos cristalinos procuram as expressões em meu rosto, mas o chapéu a impede de ver a maioria delas. Com calma, inclino meu rosto permitindo que ela fite meus olhos.

Eu não deveria ceder, mas simplesmente não consigo me esquivar de um pedido tão inocente como esse.

— Eu aceito suas desculpas e me juntarei a você. — Caminho até a bancada me sentando de frente para ela, olhando para o prato mais do que deveria.

Seus lindos olhos ainda com lágrimas se enchem de vida, como se aquela fosse a melhor notícia de sua vida, mas as imagens de Lana tiram todo o meu foco do ambiente à minha volta.

— Está tudo bem? — Ela toca minha mão e instintivamente a recolho.

Perdido em meus pensamentos vejo ela recolher sua mão e segurá-la contra o peito assustada. Aperto os talheres com força sentindo minha respiração se desestabiliza ao ver Lana em minhas lembranças passear pela cozinha com um grande sorriso no rosto segurando a xícara de café nas mãos.

— Me desculpa. — Uma voz baixa quebra meus pensamentos me trazendo de volta a realidade.

Abaixo a cabeça fechando os olhos até sentir minha respiração se estabilizar, seguro o chapéu entre os dedos o posicionando sobre a bancada para estudá-la melhor.

— Dessa vez sou eu quem pede desculpas, criança. Não estou acostumado com presença feminina na minha cozinha, muito menos na minha casa. — Sorrio provando o bacon com um pedaço de ovos mexidos que por sinal estava muito bom, porém desce pela minha garganta com o gosto amargo de lembranças dolorosas.

Um pequeno sorriso surge em seus lábios dispersando seu olhar assustado. Me intriga como pequenos gestos fazem com que ela sorria tão facilmente.

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