Capítulo 4.1

Assim que passo pelas portas, a coloco sentada sobre a cama e ela se assusta ao tocar o colchão macio, ela abraça o próprio corpo na tentativa de se cobrir.

Retiro a venda de seus olhos e piscando incontáveis vezes ela fixa seus lindos e intensos olhos castanhos escuros em mim, embora eles estejam cheios de medo e insegurança.

Inclino levemente minha cabeça para o lado observando aquele mar de águas escuras em minha frente.

Algo neles me intriga.

Quando fixo meus olhos dentro dos seus os vejo refletir a minha alma em uma furiosa tempestade.

Aquilo de certa forma me assusta, mas tomado pelo impulso levo minha mão para tocar sua testa machucado e em resposta ela se encolhe se afastando.

— Não! — Grita em desespero. — Eu não quero... por favor, não! — Se encolhe ainda mais tentando esconder seu corpo pequeno e desnutrido com os braços.

Me afasto sorrindo.

— Não vou abusar de você criança, já disse que não sou esse tipo de homem, na verdade, esse tipo merece morrer. — Afirmo pensativo coçando o queixo.

Ela arfa tocando o tornozelo direito ao sentir dor.

— Se me permitir posso colocá-lo no lugar, somente se me permitir. — Ergo as mãos em rendição.

Ela me analisa incerta e trêmula, mas estende a perna em minha direção com grandes olhos negros preocupados.

Me aproximo com calma e me abaixo segurando seu tornozelo com cuidado, assim que o toco ela se retrai segurando minha mão ao sentir dor.

A observo por debaixo do chapéu e ela recolhe sua mão, desviando os olhos do meu rosto.

— Fecha os olhos. — Ordeno.

Ela obedece, fechando com força e antes que consiga pensar coloco seu tornozelo no lugar. Em resposta recebo um gemido de dor enquanto se contorce em minha cama me fazendo rir.

— Doeu! — Ela reclama irritada me encarando com uma expressão brava.

Aqueles olhos tempestuosos me atingem como um raio me deixando um tanto quanto perdido, mas logo me recomponho.

— Eu disse que colocaria no lugar, não que não doeria. — Me levanto novamente caminhando até o closet.

Pego uma das minhas camisas e uma calça de moletom que com certeza ficará grande para ela, mas eram as únicas peças que provavelmente lhe cairiam melhor.

Ao voltar a encontro novamente encolhida sobre cama acariciando o pé dolorido.

— Esse é o meu quarto, mas pode tomar um banho que depois cuidarei das feridas da sua testa e dos seus punhos. Não se preocupe, não entrarei no banheiro e nem ficarei no quarto, não é do meu feitio abusar de garotas inocentes. — Sorrio ao ver aqueles olhos semicerrados me observarem duvidosos.

Ergo uma sobrancelha cruzando o braço, mas esqueço que ela não pode ver meu rosto com clareza devido à baixa luz do quarto e o chapéu que encobre minha cicatriz.

— As armas nessa casa ficam espalhadas por qualquer lugar, então não se assuste e não tente usá-las. Vou preparar algo para você comer e amanhã te levarei para sua casa. Ao contrário do que deve estar pensando, não te sequestrarei e nem obrigarei a ficar aqui para encobrir meus rastros ou não manchar meu nome. Muito pelo contrário, amaria saber que você correu até a polícia para me entregar. Eles são somente um bando de desocupados que não servem nem mesmo para proteger um palmo diante de seus narizes. — Suspiro vendo que havia falado mais do que deveria, mas vejo que minhas palavras a deixaram assustada o suficiente para saber que ela não tentaria nada imprudente, pelo menos não dentro desta casa.

— Eu não irei à polícia. — Diz com uma voz baixa.

— Bom, isso é realmente uma pena. — Franzo o nariz sabendo que ela não pode ver.

Ela se encolhe ainda mais desviando seus olhos para o colchão.

— Tome seu banho que voltarei em meia hora. — Antes que ela possa confirmar saio do quarto a deixando mais à vontade.

Sigo para a cozinha sentindo minha cabeça latejar, eu não esperava ter que cuidar de uma criança, uma criança que de alguma forma mexe com a minha cabeça.

Aqueles olhos me deixam completamente atordoado, ela não é nem um pouco parecida com Lana, mas consegue me desarmar de uma forma incrível. Mulheres e seus poderes sobrenaturais, não importa o que eu faça, nunca conseguirei entender o encanto natural que emana de suas almas.

Deus, ela deve ter quantos anos? Vinte e cinco no máximo?

Abro a geladeira e faço uma careta ao encontrá-la praticamente vazia somente com algumas comidas industrializadas, enlatadas e provavelmente vencidas.

Realmente necessito com certa urgência de uma cozinheira.

Acabo pegando as panquecas congeladas que eu havia comprado ontem — era a comida mais recente que havia na geladeira — e esquento no micro-ondas.

Tão prático e rápido... A vida também deveria ser assim, observo as panquecas girarem dentro do micro-ondas enquanto meus pensamentos voam no passado.

Por perceber que ela estava abaixo do peso acabo preparando também um lanche frio com alguns poucos ingredientes que encontrei na geladeira.

Coloco tudo em uma bandeja junto com um copo de água, pois não tinha nada além disso para beber e volto a subir as escadas novamente batendo na porta.

Como não recebo resposta, entro rapidamente no quarto deixando sua comida sobre a cama e acabo sorrindo ao ouvir o barulho da água.

Saio para que ela possa ter a liberdade de se movimentar sem medo.

Não posso culpá-la, afinal ela é completamente inocente, apenas tenho que consertar os erros dos meus homens, que às vezes, me colocam em situações bem complicadas.

Volto para o meu escritório decidido prosseguir com minhas investigações sobre Diones, embora não tenha a mínima vontade de continuar lendo os papéis sobre a mesa, pois aquele corpo frágil e machucado não para de visitar meus pensamentos.

Estou preocupado demais com a pequena criatura em meu quarto e acabo perdendo toda a concentração.

Sem contar que ter alguém além de mim nesta casa é completamente estranho. Preciso levá-la embora o mais rápido possível, este lugar é perigoso demais.

Depois de meia hora me culpando e tentando achar um meio de não ser grosseiro, resolvo voltar para o quarto para cuidar dos seus ferimentos, bato na porta e espero resposta.

— Posso entrar? — Pergunto em um tom de voz alto, porém suave.

Depois de alguns segundos recebo a confirmação.

Passo pelas portas e sou surpreendido por mãos trêmulas que seguram uma das minhas armas apontadas em minha direção.

— Você acabará se machucando. — Afirmo. — Tem que segurar com mais firmeza.

Ela aperta as mãos na arma fixando seus olhos em meu rosto a procura dos meus olhos que estão cobertos pelo chapéu.

— Eu disse firmeza e não força. — Acabo sorrindo após tocar a aba do meu chapéu o puxando ainda mais para baixo impedindo que me analise.

Corro os olhos pelo quarto e vejo que ela comeu toda a comida que eu trouxe, pelo menos se alimentou bem. Faço uma careta ao me lembrar que a comida poderia não estar tão boa assim. Talvez não tenha se alimentado tão bem quanto deveria.

Caminho em sua direção e receosa ela se encosta na parede com a arma apontada em minha direção.

— Quando se empunha uma arma, deve-se fazer suas exigências. — Ela arfa e seus olhos se enchem de lágrimas.

— Eu... eu... eu... — gagueja trêmula.

— Você me fará um grande favor acertando meu peito. — Sorrio enquanto caminho lentamente. — Um enorme favor. — Me aproximo o suficiente para a arma encostar em meu peito.

Ela tenta recuar, mas a parede a impede.

— Mas antes de me atingir, deve destravá-la. — Lentamente seguro sua mão passando seu dedo na trava da arma. — Agora você pode atirar. — Ergo o chapéu deixando que ela encare meus olhos.

Aqueles lindos olhos castanhos se arregalam ao observar minha cicatriz, mas ao contrário do que imaginei ela não recua, apenas me observa fascinada. Seus olhos me analisam minuciosamente e seus lábios entreabertos soltam lufadas de ar enquanto empunha minha arma desleixadamente.

— Atire! — Ordeno em um tom grosseiro.

Ela se assusta com o tom da minha voz e quase deixa a arma cair no chão.

— Atire criança! — Uso um tom áspero a instigando enquanto forço meu peito contra a arma, aproximando meu corpo do seu.

Ela é pequena e a proximidade permite que eu sinta o cheiro do meu sabonete em seu corpo, seus cabelos recém lavados caem molhados sobres os ombros, as gotículas de água que escorrem das pontas formam pequenas manchas arredondadas na camisa que lhe emprestei.

— Atire. — Rosno irritado próximo ao seu ouvido.

Ela fecha com força as mãos trêmulas na arma e em seguida fecha os olhos, assustada e intimidada com a aproximação.

— Agora! — Elevo o tom da minha voz e acerto a parede ao seu lado com a mão a assustando.

Seus dedos se fecham no gatilho várias vezes, mas as balas não saem.

Sorrio ao vê-la soltar a arma no chão e pressionar as mãos nos olhos enquanto as lágrimas escorrem por seu rosto livremente. Fico tentando a acariciar seus cabelos para confortá-la, mas apenas a estudo com calma.

— Escolheu uma arma sem balas, minha querida. Da próxima vez não erre na escolha, por favor. Eu realmente ficarei grato se acertar meu peito. Agora deite-se e durma que amanhã a levarei para casa. — Falo com calma me afastando.

Por precaução recolho as duas armas que estavam ao seu alcance com medo de que ela acabe se machucando e em seguida saio a deixando ali.

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