5_ Pesadelos Que Não Passam

   Os pesadelos estavam acabando comigo, mesmo quando eu acordava na noite e percebia que estava no quarto novamente, com uma Helena dormindo lindamente do outro lado do quarto.

Vidros se estraçalhando, o mundo girando, sangue por todos os lados, e principalmente aranhas...

Depois de outra e mais outra seção horrorosa de pesadelos, que faziam meu corpo estremecer e meus poros expelirem toda a água de meu corpo, me deixando com apenas alguns poucos por centos, tive meu primeiro sono sem sonhos, completamente em paz. Mas quando mergulhei profundamente nele, finalmente feliz por dormir normalmente pela primeira vez em dias, um chacoalhão atrapalhou minhas divagações.

Abri os olhos dopados, fechando-os novamente quando uma cachopa de cachos loiros caiu em meu rosto.

Helena estava com o rosto a centímetros do meu, seus olhos azuis me obervando com curiosidade. Bufei para ela, que meneou a cabeça.

_Ei, acorde Pegan! _ela quase gritou _Você baba enquanto dorme?

_O que você quer agora? _pisquei _ Outra festa de arromba? Não, muito obrigada.

_murmurei afundando o rosto no travesseiro.

_Não seja tola. Levante. A escola começa as sete, sabia? Ah, e vale lembrar que ela também não espera ninguém.

Arregalei os olhos, e de repente, eu já estava parcialmente acordada. Olhei incrédula para Helena enquanto ela caminhava ainda de pijama para o seu armário, o abria e tirava alguma coisa lá de dentro. Mas a única palavra que minha mente havia processado era...

_Escola??? Como assim?

_Estudos, cadernos, lápis, borracha, conhecimento para vida, professores pé no saco... te lembra alguma coisa?

_Eu sei o que é uma escola, _murmurei.

_Ótimo. Então já que não preciso fazer nenhuma introdução, será que você poderia, por favor, levantar-se e ir se arrumar? Saímos daqui às seis cinco em ponto _ela disse _nem mais nem menos.

Eu poderia rir da piada que ela fez com vovó Stela, mas não ri.

_Mas eu nem dormi direito, e cheguei aqui ontem! _argumentei me sentando na cama e a olhando com um olhar puramente injustiçado _Pensei que eu começar na escola apenas semana que vem...

Ela se virou para mim com seus olhos afiados, segurando um lindo suéter rosa em uma das mãos.

_Até parece... nem mesmo um moribundo louco escapa disso aqui nesta casa. Achou mesmo que nossos queridos avós iriam te dar essa mordomia?

_Mas...

_Já são seis e meia...

Que maravilha. Me levantei como uma sonâmbula. Arrebatei meu nécessaire de dentro da mala. Os olhos parcialmente abertos e tateando as paredes em busca da porta que levaria até o corredor, ignorando a vontade horrivelmente torturante de voltar para a cama e esquecer do mundo.

Achei o corredor e a porta do banheiro as cegas.

Lavei o rosto, na ânsia de me livrar do sono que teimava em me atormentar, fechando meus olhos numa reação espontânea. Meu rosto já não estava mais tão branco como ontem e minha pele já havia melhorado um pouco. Para todos os efeitos, o óleo que Helena havia me dado havia ajudado. E muito. Meus olhos agora já tinham um tom mais vivo que os cinzentos de meu pai já haviam sido e o círculo negro ao redor deles havia sumido. E pelo menos, eu já não estava mais cheirando a cerveja...

Abri meu nécessaire, pegando minha escova de dente e uma pasta.

Mas antes que eu começasse a escovar meus dentes, Helena entrou no banheiro enrolada em uma toalha. Me virei atônita para ela, e meu cabelo caiu em cima da pasta.

_Droga _sentenciei tentando retirar o excesso com a ponta dos dedos _O que você está fazendo aqui?

_Preciso tomar banho. Talvez não saiba, mas eu também tenho que ir a escola.

Ela precisava ser sempre tão irônica? E se ela provasse um pouco do próprio veneno?

_E você já ouviu falar em uma coisa chamada Privacidade? _perguntei pondo uma pasta nova na escova, enquanto ela abria o box do banheiro e se enfiava lá dentro, me ignorando por completo.

_Ei, Pegan, eu já te disse. Isso não é uma hospedaria. Quer você goste, quer não, nós vamos ter que dividir o mesmo banheiro, ok? Agora, enfie essa droga na boca e me deixe tomar meu banho me paz...

Sem mais opções, comecei a escovar os dentes. Talvez as coisas não tivessem como piorar que isso. Com um peso irregular no peito, torci para que não estivesse errada... mais uma vez.

Alguns minutos depois, eu estava entrando na cozinha atrás de Helena, com a mochila nos ombros e uma roupa muito semelhante a da noite passada. Eu não tinha ideia de como me vestir para um primeiro dia de aula em Conroe, mas cheguei à conclusão de que isso não importava. Ainda mais se eu fosse me basear pelas roupas de Helena. Ela vestia o lindo suéter rosa e uma saía cáqui. As botas de cano longo cor de ameixa combinavam com os brincos de cristais em suas orelhas. Os cachos loiros estavam presos em um rabo de cavalo bem feito e sem marcas. Droga.

Ela nunca havia me parecido tão Barbie na vida.

Eu só esperava que ela não fosse nenhuma líder de torcida em nossa escola ou qualquer coisa assim. Por mais que ela tivesse todas as características ruins, isso seria ainda mais desconfortável. Ela tirou alguns pães de queijo do micro-ondas, pôs algumas bolachas na mesa seguidas de uma jarra de leite e dois copos.

Comi um pouco, depois de tempos sem botar nada para dentro, sentada a mesa, e tentando ignorar a presença de Helena.

Por enquanto, a única notícia boa, era que eu não teria que ver a cara de nenhum de meus avós antes de sair para a escola. Talvez as coisas estivessem começando a melhorar no final das contas.

O gato horrendo, denominado Mordida, também não estava visível em nenhum lugar, e as únicas formas de vida na cozinha eram nós duas.

_Em que ano você está? _ela perguntou de repente, me tirando de meus devaneios.

_Segundo, _respondi confusa, dando uma enorme golfada em meu leite.

_Bem, _ela sorriu, pela primeira vez desde que eu havia chegado ali _Tenho uma ótima notícia para você: Não vamos estudar juntas. Estou no terceiro ano.

Dei de ombros, tentando parecer indiferente, quando na verdade, estava apavorada. Me amedrontava a ideia de ficar sozinha numa sala cheia de gente desconhecida, para todos os efeitos, eu queria que Helena estivesse lá.

_Isso vai ser ótimo _concordei _Não conheço ninguém de lá, mesmo... Ela se ajeitou na cadeira, parecendo desconfortável de repente:

_Na verdade, você tem uns amiguinhos do segundo ano que você já conheceu ontem, sim...

Parei um pedaço de bolacha no caminho da boca, a olhando pateticamente.

_Como é que é? _murmurei, mas apenas deu de ombros, me fazendo finalmente enxergar que estava completamente errada sobre as coisas voltarem a melhorar _Não me diga que vou ter de estudar com eles...

_Bom, já disse. Devia ter me falado isso antes...

A imagem dos olhos de cristais me encarando me veio à mente num reflexo, antes mesmo que eu pudesse impedir. De alguma forma, eles não haviam mesmo saído de minha cabeça ainda... porque havia algo sobre seu dono que eu achava que deveria saber. Algo que estava subitamente óbvio demais, por mais que eu não fosse capaz de enxergar. Deixei meus braços caírem em cima da mesa.

Primeiro o cara devorava meus peitos com os olhos, e depois me olhava com raiva. Qual era o sentido disso?

_Qual era o problema daquele garoto? _perguntei de repente, e pelo olhar que Helena me lançou, percebi que ela sabia exatamente de quem eu estava falando.

_Tudo que você precisa saber sobre ele é que ele é o tipo certo de garoto errado, Pegan. Ok? _ela encerrou o assunto, pegando sua bolsa do encosto da cadeira e se levantando _E quer um conselho ótimo, o melhor que eu poderia te dar? Fique bem longe dele... _e ela saiu pela porta do hall de entrada.

Corri para acompanhá-la.

Dez minutos depois, o Neon desbotado estacionava em frente a um prédio desigual cor de vinho com janelas brancas, que mais parecia uma enorme Catedral antiga, com um arco no teto apontado para cima. Era óbvio que era uma construção do século XIX. Um lance de escadas enorme cercava a parte da frente de toda a construção, onde adolescentes estavam assentados em grupos separados, conversando audivelmente e rindo, como pessoas normais. Contemplei o cenário puramente invejável. O que eu não daria para ser apenas normal como qualquer uma daquelas pessoas?

Uma bola começou a se formar em minha garganta, e me arqueei para frente, me sentindo realmente mal. Eu só esperava que a escola tivesse alguma espécie de enfermaria.

_Ei, Pegan. O que foi? _Helena sibilou ao meu lado.

De repente, sua atenção era pior que sua indiferença. Me ajeitei no assento, respirando fundo e passando as mãos pelo rosto.

_Estou bem. Só tive uma noite muito agitada. Pesadelos demais para um espaço tão curto de tempo... _deixei as reticências no ar, e quando percebi que ela esperava uma explicação mais extensa, dei de ombros._Aranhas.

Helena deu um pulo, se virando completamente para mim no banco. Algo em seus olhos faiscou e ela me olhou de baixo.

_Você sonhou com aranhas?

Claro, eu sei que sou ridícula, mas e daí? Não precisa me jogar isto na cara o tempo todo...

_Não, _corrigi saindo do carro _Tive pesadelos com aranhas...

Fechei a porta e admirei o espaço em aberto por um tempo. Uma brisa fresca típica da manhã balançou meus cabelos, e inspirei fundo, saboreando o sabor do orvalho. Algumas árvores se estendiam ao longo, circulando a extensão do estacionamento e acabando quando ele acabava.

Quando dei por mim, Helena já havia dado a volta no carro, com uma expressão ainda um tanto esquisita no rosto.

Ótimo. Ela já me achava ainda mais esquisita que antes.

_Ei, enfim vocês chegaram _uma voz a minha direita atraiu nossa atenção.

Girei sobre os calcanhares. Mitchel estava sentado sobre o capô de uma picape escura, com os braços cruzados e uma camisa creme. Arqueei as sobrancelhas, visivelmente surpresa. Ele não parecia o mesmo de ontem à noite. Mesmo assim, o pentagrama em sua mandíbula parecia brilhar. Eu quis perguntar a Helena o que aquela tatuagem significava, mas Mitchel já havia se aproximado o suficiente para me ouvir.

Ele deu um beijo rápido em Helena, e tentei olhar em outra direção. Aquilo era constrangedor.

_Eu poderia apresentá-lo, _Helena deu de ombros para mim _Mas concluo que você já saiba quem ele é.

Assenti com a cabeça, sem nenhuma palavra. Mitchel me olhou com um meio sorriso.

Ele era bonito... mas não tanto. Não tanto como...

Suspirei. O outro garoto...

_Ei, bem _ele disse se dirigindo para mim _Eu queria, em nome de todos os outros, pedir desculpas a você por ontem. Eu sei que você está achando tudo isto meio estranho... mas, é coisa de família.

Parecia ser uma piada da qual só ele e Helena sabiam a graça. Enfiei as mãos nos bolsos.

_Família?

_Ah, pois é. Família. _ele sorriu, e estava realmente sendo simpático. Mitchel se virou para Helena, seu sorriso se alargando, e a forma como ela olhava para ele deixava claro o que ela sentia _Então, vamos entrar? O sinal está quase soando.

Gemi quando nos encaminhemos para as escadas da escola, e quando já estávamos no topo, o sinal soou. Estridente como uma campainha de incêndio.

_Acho que temos tempo de levá-la até a sala dela para ela não se perder _Mitchel deu de ombros para Helena.

Ela me avaliou por um segundo, e depois sorriu para ele, _Se você acha.

Os corredores eram marrons, opacos, e exalavam um clima velho no ar. As janelas eram igualmente velhas, cheias de vidros quadrados ao invés de retangulares e extensos. E ao invés de ser de metal, a armação era de madeira. Havia fotos de antigos professores e diretores se destacado nas paredes, e vasos com plantas estranhas ao lado das portas. Em suma, se parecia muito com uma escola normal. Já não havia quase ninguém nos corredores quando paremos em frente a uma porta aberta.

_Bem, é aqui _Mitchel disse, apontando para a porta, onde se lia Turma do Segundo Ano.

Encolhi os ombros ao me virar para ele.

_Bem, obrigada.

Com um aperto no peito, observei os dois sumirem pelo corredor ainda a porta da sala, ajeitando a mochila nas costas com os ombros.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo