04

(Dallas)

E minha irmã? — Seguro o copo de papelão branco aquecido pelo café em seu interior.

A cafeteria fica na beira da cidade e é bem frequentado. O local está movimentado com moradores entrando e saindo, muitos aproveitam para comer alguma coisa. Com paredes pintadas com um cor de rosa escuro estranho, criando uma decoração moderna de cadeiras amarelas e mesa verde-limão, até que o lugar não era ruim, o problema estava em mim.

Ao verem minhas roupas sujas e as tatuagens na mão de Siegfried, é óbvio que todos os moradores locais imaginam do que se trata, mas nenhum deles irá mexer conosco, não nessa área pelo menos.

Pandora está bem. — Os olhos claros como um céu sem nuvens estão amáveis. E quentes. Solto um suspiro ao ouvir a notícia. Que bom! — Ela quem ajudou a encontrar você através da geolocalização do aparelho celular. Surpreendente.

Siegfried ajeita a jaqueta preta com gola aviador e puxa uma cadeira da mesa, gira, sentando-se com as mãos apoiadas no encosto. O contorno de sua barba está avermelhado do frio, os lábios rachados, indicando o quanto ele acelerou aquela moto barulhenta para chegar logo.

Jogo os olhos na lixeira do café onde descartei as luvas que eu estava usando fora. Lavei as mãos umas dez vezes, mas ainda sinto como se ela estivessem sujas. Não estou em meus melhores dias e detesto o fato de que ele está olhando para mim nessas condições.

Beba o seu café. — Sua voz de timbre firme corta o breve silêncio.

Coloco a borda da tampa marrom do copo plástico na boca e provo o café. A temperatura do líquido me aquece amenizando o desconforto e o sabor amargo me desperta.

Anda, desembuxa. Como você matou aqueles caras? — Siegfried pergunta coçando o nariz com o punho cerrado, balançando o piercing.

Não lembro direito o que aconteceu. — Solto o copo por cima da mesa. Na porta do lado de fora tem um guarda em pé com os braços para frente e um ponto de escuta, novos clientes não entram no café e os que estavam dentro aos poucos saem. — Foi tão traumático que esqueci.

Hm. — Ele resmunga sem acreditar em minhas palavras e enfia as mãos grandes dentro dos bolsos da jaqueta, tirando o cigarro e o isqueiro. É proibido fumar em público em diversos lugares abertos nessa ilha, porém, algumas salas para fumantes são liberadas, não é bem onde estamos, inclusive no canto da parede há um sinal de proibição que Siegfried ignora. — Conta outra, Dallas.

Ué. — Dou de ombros tentando fugir do assunto.

Fiz o cacete pra chegar lá, o mínimo que mereço é saber o que aconteceu de verdade. E é melhor contar agora, Dallas. — Siegfried rosna, meio bravo, colocando o cigarro entre os lábios, acendendo o isqueiro que faz seus olhos flamejarem.

Ih, lá vem. O humor de Siegfried é uma verdadeira montanha russa e eu não decidi se isso me irrita ou me intriga. Seus olhos procuram me desvendar por completo, enquanto ele queima a ponta do cigarro branco e assopra a fumaça para o lado.

Quer mesmo saber? — Pergunto, já sabendo que não vou escapar de seu interrogatório. Se eu mentir, capaz que fique ainda mais encrencada!

Porra! É claro. — Siegfried coça com o polegar onde um anel prateado com runas está, a lateral raspada de sua cabeça. Ele usa os cabelos loiros sempre presos para trás em um pequeno rabo de cavalo.

O fim de tarde já isola a rua, os postes se acendem do lado de fora, mas o interior da cafeteria permanece melhor iluminado. Os atendentes desaparecem, ficando apenas um senhor que procura evitar olhar muito para nós.

Enquanto escolho bem as palavras que vou usar, pego mais uma vez o copo de café sob os olhares auspiciosos de Siegfried. Dou mais um golo, enquanto ele traga mais uma vez o cigarro acendendo a pontinha e afastando o copo para trás como se pendurasse na cadeira. Solto o copo e tomo ar:

Estávamos indo ao museu.

Que museu? — Inquere com a voz rouca e pesada, seus olhos se acendem caindo firmes sobre meus ombros.

Ao museu, droga!

Tá, vai falando. — Com uma revirada de olhos, exige.

Atiraram contra o blindado, eu percebi o vidro aberto e o motorista estava lavado de sangue, certamente seria impossível tirar o carro dali. Aquele guarda inútil que estava com a gente parecia um sonso, tudo bem que Pandora estava berrando assustada, mas mesmo assim, eu esperava mais dos seus profissionais.

Ele ficou sem balas?

Não, não. Fez o possível dentro das limitações dele. — Balanço a cabeça, ainda com os cabelos presos em um rabo de cavalo baixo. Siegfried franze a testa e dá uma risada meio ventada, como quem debocha do que eu estou dizendo. — Aí eu abri a porta e saí, me entregando.

Ah, vai se foder! — Ele curva as sobrancelhas claras com raiva endurecendo o olhar e o corpo, retesiando as costas. Seus braços se abrem em um gesto exagerado de puro descontrole emocional, irado com minhas atitudes — Você desceu do carro? Simples assim?

Ergui as mãos para a cabeça antes, assim saberiam que eu estava desarmada. — Retruco. Siegfried perde as palavras, fazendo um bico indisposto mostrando os dentes como um cachorro bravo. — Ou iam matar a minha irmã.

Siegfried tem dois irmãos. Um irmão mais novo que é um pouco mais velha que minha irmã Gloria e uma irmã do meio, mais ou menos da mesma idade de Pandora. Eu sempre imaginei se essas coincidências são apenas similaridades em nossas vidas ou se nossos pais fizeram de propósito.

É, tem razão. — Siegfried cruza os braços por cima da cadeira e traga novamente o cigarro. — E o que mais? Você estava desarmada. Eles amarraram você?

Bem… — Pego o copo novamente e dou mais um gole no café. — Não exatamente. Eu estava de relógio.

Seus olhos rapidamente caem no pulso, no mesmo braço com o qual seguro o copo, notando apenas nesse momento a falta do meu Rolex. Ele não é um homem muito observador.

Você matou quatro filhas da puta com um relógio? — Impressionado ele se ressalta, elevando um pouco a voz.

Só o primeiro. — Explico abaixando o copo depois de engolir o café amargo e de baixa qualidade. — É um relógio de espião. Na verdade as peças se soltam e forma um garrote.

Você é mesmo cheia de surpresas. — Ele dá um sorriso com o cigarro entre os dentes brancos. É algo que gosto nele, o fato de que ele não tem um dente de metal como os outros vikings.

Primeiro enforquei um deles, antes que me amarrassem, o outro se assustou e atirou para todos os lados, acabou atingindo o colega. Usei o corpo como escudo e chutei o cara para fora do furgão, quebrando a porta e a janela. — Explico, lembrando da cena como se eu pudesse vê-la de fora. É algo que acontece muitas vezes quando estou treinando, meu corpo faz as coisas, a mente só observa.

Uhhh. — Siegfried faz uma careta de quem sente dor, mas duvido que ele tenha qualquer empatia.

Achei por bem fugir pela porta, mas o outro cara me segurou. Os outros perceberam a movimentação no cargueiro e começaram a jogar a van de um lado para o outro na estrada.

E os outros, foram atingidos por um golpe de sorte também?

Ah, não. — Vento o ar dos pulmões pelo nariz, rindo. — Foram golpes muito bem calculados.

Estou surpreso. — Siegfried me analisa chupando o cigarro e tirando da boca, engolindo a fumaça, me analisando. — Continue.

No meu sapato direito tem uma faca escondida, acionada pela sola.

Não vi adaga nenhuma quando peguei o seu sapato. — Ele estreita os olhos, confuso.

Ela não estava mais lá, mesmo. Tentei chutar o segundo cara, mas ele conseguiu me desarmar pisando na lâmina, foi uma troca de socos intensa. Batalhamos pelo rifle, até que voou para fora da janela. A lâmina estava no chão e perfurei o maldito na jugular… Joguei ele para fora, mas ele caiu de mal jeito, se segurou. Então pisei na cabeça dele até explodir contra o asfalto. Subi em cima do capô, balançaram a van de um lado para o outro, tentaram atirar em mim... Mas tomei o controle do veículo, puxando o motorista para fora pela janela da frente. Desarmei o co-piloto e usei a pistola dele para matá-lo. Ele ficou pendurado na janela enquanto eu estacionava o carro.

Por Tyr, Dallas. — Siegfried exaspera com um olhar espantado, sorrindo de nervoso.

Matei quatro homens, Siegfried. — Acrescento com pesar, um pouco de culpa.

Assim você me deixa de pau duro. — Ele desliza a língua pelos dentes, saboreando minhas palavras. Confiro o volume a mais na calça preta que ele está usando, com alguma satisfação.

Você é doente. — Balanço a cabeça negando.

—  Estou falando sério, Dallas. — Ele amassa o cigarro em cima da mesa, queimando a pintura amarela e formando um círculo marrom, enquanto expele pelo nariz o resto de fumaça em seus pulmões. — Imagine todas as coisas que poderemos fazer juntos?

O que quer dizer com isso?

Que essa ilha se tornará pequena para nós. Será daqui para o mundo. — Ele sorri de canto, exultante.

Não está esquecendo de algo muito importante? — Pergunto, ele levanta as sobrancelhas curioso — Nossas famílias são inimigas, Siegfried.

E daí? — Lança rápido, como se não fosse nada demais.

Não pode achar que esse casamento absurdo é a solução miraculosa para todos os problemas. — Ergo a mão para cima, franzindo a testa. Siegfried continua inabalável na minha frente. — Não é porque nossas famílias tem um acordo para unificar operações que eu vá apreciar ter que me casar com você.

Não se precipite com esse julgamento, Dallas. — Ele passa mais uma vez a língua pelos dentes, chupando para limpar, fazendo um barulho horroroso e sem classe. — Você pode gostar e muito do que tenho para oferecer.

Eu não perco o temperamento fácil Siegfried, mas você tem horas que me tira do sério. — Deixo o restante do café em cima da mesa e me levanto da cadeira, contornando-o.

Ei. — Ele se levanta de supetão e segura no meu braço, impedindo que eu me afaste mais um centímetro. — O que foi agora?

Nem deveríamos ter nos encontrado hoje. — Olho sua mão ao redor do meu sobretudo cinza respingado de sangue. — Se importa de pedir para um de seus guardas me levar até o hotel? Aposto que não me deixará pegar um táxi.

Vai a merda, Dallas, não vou deixar mesmo. — E com movimentos bruscos ele me empurra, para caminhar a sua frente, forçando os dedos na minha carne perto do cotovelo, de um jeito que quase machuca, se não fosse por todas as roupas que eu estou usando. — Eu te levo.

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