Secção 7

Embora eu não fosse uma exímia apreciadora de matemática ou de qualquer outra área que envolvesse muito esforço mental, eu havia me dedicado para explicar sobre composição e decomposição de números naturais à menina Génesis, ainda tendo de carregar o fardo de ter as palavras de lady Armstrong ecoando pela minha cabeça.

__ Então... Qual é mesmo a diferença entre a composição e a decomposição?

Pergunto a ela como forma de revisarmos uma última vez e de afastar os sentimentos ruins que começava a nutrir por aquela mulher desagradável.

__ A composição é a junção de dois ou mais elementos que quando unidos ou subtraídos formam um só e decomposição é quando decompomos em dois ou mais elementos um número natural.

Fito-a com um sorriso.

__ Muito bem, alguma dúvida relacionada a matéria?

Ela repousa o queixo na palma da mão e nega com a cabeça.

__ Se quiser pode tirar um tempo para brincar de bonecas.

Arrasto a cadeira para trás e levanto-me.

__ Eu não brinco de bonecas faz tempo, aquelas que tenho em meu quarto não passam de "utensílios" decorativos.

Eu olho para a garotinha com um sorriso divertido.

__ A senhorita tem apenas nove anos, o que lhe impede de brincar com bonecas? Eu deixei às minhas de lado apenas aos catorze anos. E não foi por livre arbítrio, tive de cedê-las as crianças mais novas do orfanato.

Confesso com tristeza.

__ Oras! Eu aprendi a ler e descobri que é muito mais prazeroso.__ ela dá de ombros.__ Os irmãos Grimm me proporcionaram ótimos momentos. Desde Hänsel e Gretel, Rapunzel, o sapateiro e os elfos, Peter e Wendy. São tantos!

Dou-lhe um sorriso, feliz por ela estar retirando finalmente as armaduras e me confidenciado os seus gostos.

__ E a senhorita? Qual é o seu autor favorito?

Sua pergunta pega-me de surpresa.

__ Eu não gosto muito de ler.

Confesso constrangida.

__ A senhorita não gosta de ler!?

Eu assinto e passo a organizar os livros didáticos sob o seu olhar estupefacto.

__ Não precisa ter vergonha.__ ela diz com um sorriso gentil.__ Eu tenho muitas colegas que também não gostam de ler, mas é porque a escola nos obriga a ler coisas chatas e desinteressantes, e isso dá uma certa raiva e preguiça da leitura, torna-se uma obrigação. Se achares um livro de que gostes, que te prenda, que te envolva e que te faça sentir dentro da trama, você vai ler e não vai querer parar nunca mais!

Génesis fala com um brilho no olhar.

__ Há uma frase de Victor Hugo, um romancista, poeta e dramaturgo francês que diz o segunite: " Ler é beber e comer. O espírito que não lê emagrece como o corpo que não come." É o autor de "Les Misérables e de Notre-Dame de Paris", não creio que seja tão desinformada ao ponto de nunca ter ouvido falar desses livros.

Eu fito-a com os olhos semicerrados.

__ É claro que já ouvi falar do histórico romance "O Corcunda de Notre-Dame" e inclusive já assisti ao filme quando era mais nova. Às escondidas, mas assisti.

Eu respondo envaidecida.

__ Posso saber o motivo de tê-lo visto às escondidas?

Génesis ri-se da minha postura pomposa.

__ Nós não tínhamos autorização para ver televisão ou para possuir aparelhos tecnológicos, as irmãs diziam que essas coisas corrompiam a alma e o coração.

Eu reviro os olhos com um sorriso nostálgico.

__ Mas, eu era uma rebelde que adorava ouvir jazz & Blues, dançar cha-cha-chá, o mambo e a salsa ao som dos ritmos que tocavam no velho rádio do senhor Juãn, um afro-latino que cuidava da segurança do orfanato nos anos de 2004, e invadir a salinha onde as freiras reuniam-se para assistir ao telejornal aos sábados.

Solto uma risada ao lembrar dos momentos vividos dentro dos muros daquele orfanato, apesar de alguns dissabores trago comigo ótimas recordações.

__ Embora tenha algumas espalhadas pelos cómodos da mansão, eu nunca assisti televisão. Lady Armstrong diz que isso diminui a massa cinzenta das pessoas, promove a violência e contribui para a inversão de valores.

Ela levanta-se e fecha os cadernos.

__ Eu não costumo concordar com muita coisa que ela diz, mas não posso desmerecer ou refutar à sua tese dessa vez. Estamos vivendo numa sociedade onde usa-se mais os aparelhos tecnológicos do que o cérebro e segundo a previsão de certos pensadores as coisas só tendem a piorar.

Eu comprimo os lábios sem saber o que dizer, mas para o meu bel prazer Génesis não havia terminado.

__ Minhas colegas costumam rir-se de mim por eu não conhecer as séries do momento, mas eu prefiro ser conotada como antiquada e continuar fazendo aquilo que agrada os meus sentidos que é ler ao adaptar-me ao que não faz parte da minha essência.

Eu aproximo-me dela e com um sorriso digo-lhe:

__ Pequena pupila, você é a pessoa mais inteligente que eu já conheci na vida!

Ela retribuiu o meu sorriso com as bochechas levemente coradas.

__ O nosso tempo já terminou.__ eu digo olhando para o relógio de pulso que acabara de apitar.__ Acompanhe-me, eu preciso voltar esses livros.

Ela assenti e segue-me pelos corredores da biblioteca que parecia conhecer como a palma da sua mão.

__ O que achou da aula?

Eu pergunto olhando para Génesis em expectativa.

__ De um a dez daria-lhe um quatro. É óbvio que tem sérias dificuldades a matemática, tive de resignar-me um pouco à sua morosidade para não fazê-la sentir-se inferior.

Eu paro bruscamente e encaro-lhe confusa.

__ O que é morosidade?

Ela sorri, parecendo constrangida.

__ Morosidade significa frouxidão, brandura e no seu caso lerdeza. A senhorita ficou bastante perdida em alguns pontos durante a explicação, eu conheço aquele tema de cor e salteado, mas tive de fingir que não sabia para não deixá-la triste.

Realmente eu estava envergonhada.

__ Por que está me dizendo então?

Ela dá de ombros.

__ Porque acabo de aperceber-me de que de nada me servirá manter essa informação em cativo.

Eu solto o ar ruidosamente.

__ Eu disse ao seu pai que sou péssima tratando-se do quesito escola.

Génesis solta uma risada.

__ O meu pai está ciente de que eu não preciso de uma tutora para aulas de reforço. Eu sou a delegada de turma e os meus professores só tecem elógios tratando-se do meu desempenho.

O seu tom soa bastante presunçoso.

__ Tudo bem, então creio que não precise de mim para ser a sua tutora?

Eu questiono em expectativa.

__ Exatamente, mas se quiser eu posso ser à sua tutora.

Ela diz num tom brincalhão.

__ Muito engraçada. O que acha de irmos ao jardim?

Pergunto após terminar de voltar os respectivos livros.

__ Sim! Eu vou mostrar-lhe algo.

Génesis segura à minha mão e me puxa até à saída da biblioteca.

__ Lady Armstrong vai ficar uma fera se nos ver agindo de forma tão desordeira.

Digo imitando à sua voz firme e imponente.

__ São duas tarde, a essa hora ela deve estar no seu quarto descansando.

Quando chegamos ao jardim eu estava arfando, coloquei as mãos no joelho tentando recuperar o fôlego.

__ Deveria exercitar-se mais, à sua postura assemelha-se a de um atlêta que acabou de correr uma maratona, e não com a de uma jovem na flor da idade, se bem que os jovens de hoje em dia desperdiçam grande parte do seu tempo ou deitados ou sentados. Endeusam o sedentarismo.

Eu ponho-me ereta e fito-a com uma careta.

__ Eu tenho medo de você às vezes. Parece uma idosa reencarnada no corpo de uma criança.

Ela dá de ombros e estala a língua no céu da boca.

__ O que a menina gostaria de mostrar-me?__ perguntei, cobrindo os olhos com o braço para me proteger do sol.

__ Apenas siga-me!

Em silêncio segui-a até uma parte mais afastada da casa, rodeada de árvores e plantas das mais diversas espécies.

__ Não acho que os meus sapatos sejam adequados para uma caminhada.

Resmungei, olhando para os meus sapatos pretos cobertos por uma fina camada de poeira.

__ Falta pouco Tessa.

Génesis segurou à minha mão e obrigou-me a andar mais rápido. Quando ela finalmente anunciou que chegamos pude respirar aliviada, olhei em volta, percebendo que a mansão era enorme.

__ Eu espero que você guarde segredo.

Eu franzi o sobrecenho, vendo ela caminhar até mim com um cesto de palha. Quando vi o que estava no seu interior arregalei os olhos.

__ São gatinhos.__ eu sorri boba, vendo os filhotes aninhados uns aos outros.__ Que fofos!

Eram brancos com pintas pretas. Eu segurei um ao colo e acariciei o seu pelo macio. O gato se enroscou em meu peito, ronronando alto.

__ Lady Armstrong sabe da existência desses gatinhos?

Génesis parou de brincar com um filhote e olhou-me assustada.

__ Não sabe e não pode saber, se não os tirará de mim.

Eu suspirei e continuei brincando com o gatinho, derretida com os seus olhos azuis como os do Senhor... Droga! O que eu estou pensando?

__ Eu adoraria continuar brincando com eles, mas temos que voltar antes que lady Armstrong procure por nós.

Génesis assentiu. Eu voltei o bichano no cesto e mordi o lábio inferior ainda encantada com a cor dos seus olhos.

No caminho de volta Génesis contou-me como os encontrou. Já faz duas semanas que ela vem cuidando deles às escondidas.

__ O meu pai se recusaria a deixar-me cuidar deles.__ ela confessou irritada.__ Ele não gosta de animais de estimação.

Collin Greenford além de intimidador e um péssimo pai também não gostava de animais, toda sua beleza começava a perder o mérito aos meus olhos.

__ Posso saber de onde estão vindo?

A voz de lady Armstrong fez-se ouvir logo atrás de nós.

__ O senhor Greenford hoje chegará cedo, a menina deveria estar se arrumando, não perambulando à-toa.

Sua expressão carrancuda me deixou encolerizada. Desde que eu cheguei a essa casa não vi essa mulher desarmada uma única vez.

__ Nós viemos apenas tomar um pouco de ar fresco, mas já estávamos voltando. Anda Génesis.

Génesis segurou a minha mão e abaixou o rosto quando lady Armstrong a fuzilou com os olhos.

Megera!

Murmurei impaciente.

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