Secção 2

A alguns quilômetros de Cotswolds, Inglaterra;

Depois de horas sentada no banco traseiro do elegante 

suzuki sx4 cinza, o chofer do Senhor Greenford finalmente para o carro. 

Meio atordoada, contemplo a casa monstruosa erguida no topo da montanha, onde a estrada alcantilada terminava. Uma construção em estilo gótico-vitoriano, com várias extensões numa mistura excêntrica de estilos e eras. 

__ Chegamos senhorita. 

O homem de cabelos preto, mas já grisalho com um corte "estilo militar" declara após descer do carro e abrir à porta para mim, de modo cavalheiresco. 

__ Obrigada. 

Desço do carro engolindo em seco e olho com mais atenção para a casa que chamarei de lar durante os próximos meses, enquanto o chofer retira de dentro do porta-bagagens minha mala vintage retrô. 

Aquela não era uma mala de que eu pudesse me orgulhar. Era velha e possuía inúmeros selos postais puídos, sem contar no tanto de ferro e madeira que tinha na sua confecção.

Silenciosamente, seguimos até à casa. 

Alguns minutos depois de uma subida íngreme e cansativa por escadas de pedras rústicas, saímos numa outra abertura da montanha bem em frente ao portão principal da mansão. 

Chamá-la de casa seria como chamar um furacão de vento; aquilo era realmente uma mansão. 

A construção fora erguida estrategicamente na superfície do platô de onde se podia ver um lago e uma floresta de eucaliptos que circundava toda região. 

Misteriosa, a mansão mantinha os seus segredos escondidos atrás de muros altos, mostrando apenas uma fachada graciosa aos olhares curiosos. 

Quando adentrei o seu interior pensei que estava no paraíso. O lugar era sereno e muito belo. Possuía uma hacienda no formato de um U em torno de um pátio aberto que era fresco e perfumado, havia um gramado verde e bem aparado, que lembrava o piso de um campo de futebol. Tinha quadras para praticar esportes e outras construções menores que deveriam ser as casas dos empregados. 

O seu interior hodierno contrastava com a fachada clássica e fantasmagórica que eu vira lá fora, mas ainda assim era possível confirmar o luxo que se supunha. 

Havia uma fonte com formato de anjos de onde jorrava água para cima em forma de cascata. Logo abaixo, fixada na cerâmica que ladeava a fonte, estava uma placa. Ela cintilava como se fosse banhada a ouro e havia gravada nela uma frase em latim: "Ad astra per áspera". 

Ainda estava muda de admiração quando a batida ritmada de saltos no chão de paralelepípedos, que se estendia à frente subindo suavemente, chamou a minha atenção para uma senhora que se aproximava. Logo supus que fosse, lady Armstrong, a governanta de que o Senhor Greenford me falara. 

Lady Armstrong era uma mulher alta, muito magra e pálida, com cabelos grisalhos presos para trás num coque apertado e coberto com um chapeuzinho estranho. Possuía pequenos olhos cinzas tempestuosos e autoritários cobertos por óculos de grau com lentes grossas. Naquela ocasião trajava um uniforme com o corte reto e severo.

__ Suponho que seja à senhorita Teresa Drumong.__diz, olhando para mim de cima para baixo e de baixo para cima por alguns instantes. 

Assinto com um sorriso polido. 

__ Pode tratar-me apenas por Tessa. 

Abro e estendo-lhe a mão, ainda sustentando o sorriso. 

__ Aqui não costumamos tratar-nos com informalidades. Traga a sua mala que lhe apresentarei aos seus aposentos e de seguida a menina Génesis. 

Abaixei a minha mão lentamente e olhei para o lado constrangida. O chofer tinha desaparecido e minha mala estava no chão. 

__ Sim, claro. 

Abaixei-me e peguei-a. Trazia comigo uma única bagagem porque não possuía muita coisa. Alguns vestidos que ganhei nas doações, sapatos e bijuterias. 

__ Por aqui. Espero que não tenha trazido muitas roupas porque aqui dentro não irá precisar delas.

Ela profere como se tivesse lido os meus pensamentos. Franzo o sobrecenho confusa e penso em perguntar o "porquê", mas silencio-me ao notar que lady Armstrong não parece ser o tipo de pessoa que gosta de ser questionada. 

Quando entramos no foyer, fiquei igualmente embasbacada com a sua elegância. Todos os móveis eram vintage como se tivessem saído de um filme do século XX. A decoração dava um gostoso toque nostálgico. 

Seguimos por uma escada lindamente entalhada em madeira. 

__ Os empregados não costumam dormir na casa principal, mas o Senhor Greenford abriu uma excepção para que pudesse ter uma melhor conexão com a menina.

Enquanto caminhávamos pelo longo corredor eu ia observando com curiosidade os tradicionais retratos da família já amarelados pelo tempo, que enfeitavam as paredes. Acabei detendo-me num em particular.

A mulher deitada no divã roxo tinha os olhos grandes e expressivos, seus cabelos escuros estavam presos com uma coroa de flores brancas, destacando o rosto formoso em formato de coração.

__ Perdeu alguma coisa?

Lady Armstrong pergunta, tirando-me do transe. Meneio a cabeça em negação e sigo-a até a última porta do corredor.

__ Chegamos. 

Ela abre a porta de ripas largas com a tranca de madeira e de seguida adentra. Eu a sigo, sentindo-me absorta com todo o luxo que se estendia à minha frente.

No centro do quarto havia uma grande cama com colunas que seguravam cortinas de cetim cor salmão, enfeitada com lençóis da mesma cor e travesseiros bordados caprichosamente. O chão e as paredes eram feitos de largas placas de pedra, a penteadeira tinha um espelho oval com cupidos entalados na moldura e um babado à volta toda de renda valenciana, com um banquinho de veludo. 

Poltronas confortáveis e um divã ao redor de uma lareira compunham a decoração do quarto. Havia duas janelas opostas, uma delas dando acesso a uma sacada. Olhando mais de perto vi que oferecia uma vista à piscina natural com águas cristalinas. 

__ Agora que já vira o seu quarto, há algumas regras que têm de estar bem patentes, Senhorita Drumong. 

A senhora pronunciou com desdém.

__ Todos os empregados, sem excepções, andam uniformizados. 

Ela caminha até ao closet perto de uma porta que suponho ser o banheiro, e tira do seu interior uma embalagem contendo roupas.

__ Você não deverá vaguear pelos cómodos da casa sem autorização. Não poderá pegar comida na copa quando todos estiverem descansando. A ceia é servida às oito e meia sem atrasos ou antecipações. A higiene deve ser refletida no seu aposento e no seu uniforme, e o seu cabelo deve estar sempre preso para que não hajam incidentes. Alguma dúvida? 

Eu aperto o uniforme contra o meu corpo e nego com um menear de cabeça. 

Depois de deixar a mala perto da cama, eu sigo-a novamente.

A biblioteca da mansão ficava afastada dos principais cómodos. Atravessamos um corredor sombrio e frio até finalmente chegarmos. Lady Armstrong abriu uma porta dupla, me permitindo vislumbrar o lugar com largas prateleiras, cada uma com uma escada deslizante, cobertas de livros empoeirados e puídos, que estendiam-se pelo ambiente.

__ Menina Génesis!? 

Lady Armstrong chamou de forma autoritária. 

__ Chamou-me, lady Armstrong? 

Inquiriu uma voz aveludada lá das pilhas, antes de emergir uma figura pequena de cabelos castanhos claros até à cintura, vestindo um vestido rosa delicado e um cardigã azul.

Os seus olhos azuis eram brilhantes e opácos como safiras, e seus traços delicados faziam-na parecer um querubim.

__ Venha cumprimentar a Senhorita Drumong, ela será a sua nova babá. 

A feição da menina contorceu-se em desagrado, mas ela logo tratou de disfarçar e caminhou até nós abraçada a um livro. 

__ Seja bem-vinda, Senhorita Drumong. 

Ela estendeu-me a sua mãozinha. 

__ Trata-me apenas por Tessa. 

Declarei sem saber se a regra de "não informalidades" também se aplicava a ela. 

__ Sim, Senhorita Tessa._ ela sorriu, exibindo uma covinha. 

Depois da apresentação e de um pequeno diálogo com Génesis, eu fui até ao quarto arrumar as minhas roupas no closet. 

Enquanto ajeitava os meus sapatos, eu me questionei sobre o porquê das babás desistirem de cuidar dela. Me pareceu ser uma menina tão agradável, bem diferente do monstro que o pai havia pintado. 

Mas, não tardou para que a resposta surgisse. 

Eu me despia para tomar um banho antes da ceia. A viagem fora longa e eu sentia uma cefaleia intensa.

Prendi o cabelo desajeitadamente no topo da cabeça e entrei no box, fechando a porta atrás de mim. Deixei a água quente cair sobre o meu rosto, como se ela pudesse lavar toda a tensão que sentia. 

Enquanto eu me esfregava com a bucha senti algo saltar na minha canela, quando olhei para baixo quase senti todo o sangue a ser drenado do meu corpo. Um sapo enorme estava agarrado a mim. 

Eu gritei histericamente e abri a porta do box sacudindo a canela freneticamente. Peguei a toalha e corri para o quarto ainda gritando, horrorizada com aquela criatura. 

__ O que houve? 

Lady Armstrong adentrou acompanhada de duas empregadas minutos depois, elas me fitavam confusas. 

__ Tem um sapo enorme no banheiro! 

Eu apontei para o banheiro com o corpo todo arrepiado. 

__ O quê!?__ lady Armstrong berrou.__ É impossível uma criatura dessas estar perambulando pela casa.

Ela disse indignada antes de seguir ao banheiro acompanhada das senhoras.

__ Não há nada! 

Imperou revoltada quando voltou do escrutínio ao banheiro. 

__ Eu espero que comportamentos reprováveis como esse não tornem a acontecer. Aqui prezamos muito pela ordem, a organização e a urbanidade.

Ela repreendeu-me antes de abandonar o quarto.

Eu encolhi-me na cama, perguntando-me se tudo não passara de uma grande paranóia minha, provocada pelo excesso de cansaço.

__ Você gostou das boas-vindas? 

Sentei-me num pulo, vendo Génesis parada à porta do banheiro com o sapo na mão.

__ Foi você!

Foi a única coisa que saiu da minha boca. 

__ Tão esperta.__ ela disse cínica.__ Vamos ver quanto tempo essa vai durar Lion.


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