Capítulo V

Eleanore desejou boa noite para Amber e foi para seu quarto, depois de terminar seu chá. A xícara saiu de sua mão, movida por uma força invisível e foi até a pia, lavando-se sozinha. Foi algo magnifico de se observar.

Embora tivesse dormido por dois dias, ela ainda sentia seu corpo cansado. Talvez fosse resultado de toda a histeria pela qual passou em um curto período.

Ela foi até a janela, subindo em cima da mesa para que pudesse respirar o ar fresco do lado de fora. Eleanore sentou de pernas cruzadas sobre o tampo de madeira, o corpo inclinado para frente, para que pudesse deixar a cabeça para fora. O ar frio da noite beijou sua face e Eleanore inspirou profundamente, trazendo-o para dentro de seus pulmões. A brisa ali era perfumada, por causa do jardim florido logo abaixo.

Foi quando Eleanore viu algo andando por entre as árvores, bem a margem do bosque. Um vulto grande, encurvado, os braços compridos e as pernas de animal. Apenas quando ele se expos à luz da lua, foi que Eleanore conseguiu ver que aquilo não era um animal normal. Parecia ser um lobo, mas tinha chifres e dentes muito grandes. Seus olhos brilhavam como joias vermelhas vindas diretamente do inferno.

A voz de Amber soou novamente na cabeça de Eleanore “A noite é perigosa”. E, logo em seguida, a de June “Essa floresta é perigosa de noite”.

Eleanore ficou paralisada, encarando a criatura se movendo lentamente, caminhando sobre as pernas traseiras, arrastando seus longos braços. Quando a criatura a encarou de volta, Eleanore se sobressaltou e caiu para trás, batendo as costas no chão, o que arrancou o ar de seus pulmões.

Quando conseguiu, ela se levantou e rapidamente fechou a janela, fazendo o mesmo com as cortinas, enfiando-se embaixo das cobertas, em seguida. Como se isso pudesse protege-la de todo o mal. Sua respiração estava curta e seu coração martelava contra o esterno fortemente.

Ao que parecia, havia mesmo uma besta sanguinária que protegia o castelo.

A luz do sol da manhã banhava o quarto quando Eleanore acordou. Pensou que estaria novamente em seu quarto, na casa de seu pai, o que a fez acordar agitada e com o coração acelerado, um suor frio cobrindo sua testa. Mas continuava no castelo. Não foi um sonho.

Ela se sentou na cama, preocupada e inquieta. Tinha certeza de que havia fechado a janela de noite. Mas logo viu o vestido que usava quando fugiu de sua casa, pendurado em uma das maçanetas do armário e supôs que June havia colocado ali, e aproveitado para abrir a janela.

Lembrou-se repentinamente da criatura que viu na noite passada e um frio gélido percorreu toda sua coluna, fazendo-a estremecer e se arrepiar. Aqueles olhos vermelhos haviam penetrado fundo na alma de Eleanore e ela jamais se esqueceria daquilo.

Eleanore se levantou, balançando a cabeça para afastar as lembranças perturbadoras, e pensou em tomar um banho, mas não queria ter que pedir isso para ninguém. Ela se aproximou da banheira e se lembrou de algo que Amber havia lhe dito, sobre a casa fazer o que era pedido.

 – Eu gostaria de tomar um banho, por favor, se não for incomodo. – ela pediu, olhando para as paredes e o teto, esperando que a casa pudesse ouvi-la. Mas nada aconteceu.

Ela deu de ombros. Pelo menos, tinha tentado.

Eleanore arrancou a camisola e sentiu o beijo frio do ar gelado de outono vindo da janela, arrepiando sua pele. Ela estava prestes a pegar seu vestido para vesti-lo, quando a porta se escancarou. Eleanore soltou um grito e cobriu seus seios expostos com as mãos.

Mas não era ninguém, era uma enorme bacia de madeira flutuante que pairou no ar até a banheira e despejou água quente sobre ela. Assim que terminou, a bacia saiu do quarto e a porta se fechou novamente. Eleanore piscou, boquiaberta, encarando a porta.

De forma hesitante, foi para a banheira, que estava cheia de água quente, o vapor perfumado subindo pelo quarto. Ela entrou e sentiu o calor envolver todo o seu corpo de forma extremamente agradável, feito um cobertor quente. Eleanore estava mesmo precisando de um bom banho para relaxar os músculos e lavar o corpo.

Eleanore esfregou sua pele com uma delicada toalhinha, limpando todo o suor frio que cobria seu corpo pelo medo da noite anterior. Ela afundou a cabeça na banheira, molhando seus cachos ruivos, penteando-os com os dedos.

Assim que terminou o banho, Eleanore secou todo o corpo com uma toalha que estava apoiada em um banco próximo, colocando seu vestido, em seguida. Era uma peça verde esmeralda de tecido grosso, com botões pretos na frente, saia forrada e mangas compridas. Em seguida, vestiu a meia calça de lã e calçou as botas de cavalgada de couro marrom escuro, que também haviam sido limpas.

Ela pegou uma escova de cabelo em uma das gavetas da mesinha de cabeceira, penteado suas mechas ruivas molhadas, deixando-as soltas para seca-las.

Quando estava pronta, Eleanore seguiu o mesmo caminho que fizera ontem para chegar à cozinha, já que estava faminta.

A cozinha estava um caos, para dizer o mínimo. Pratos, talheres e comida voavam para todos os lados, Eleanore teve até que se abaixar para não ser atingida por uma xícara e um pote de açúcar. June estava sentada em uma das cadeiras, partindo um pedaço de pão com as mãos. Amber não estava a vista, mas Eleanore podia supor que era o fogo que alimentava o fogão.

Além de June, havia um garoto translucido sentado sobre a mesa. Eleanore o reconheceu como o garoto flutuante que viu ontem. Ficou bastante óbvio que ele era um fantasma agora.

 – Você deve ser Eleanore – falou o garoto fantasma – Eu sou Sam.

 – Você está morto? – ela perguntou antes que pudesse segurar sua língua. Esse tipo de comentário impulsivo teria resultado em um belo de um tapa de tia Eveline em sua boca. – Desculpe, eu não quis...

Sam abriu um sorriso. Ele tinha cabelos loiros ondulados desalinhados, olhos muito escuros, quase pretos e um rosto bastante jovial, talvez da idade de Eleanore, ou um pouco menos.

 – Não tem problema. E, sim, eu estou morto.

 – Sinto muito.

 – Olha só, se não é uma verdadeira dama. – aquela voz aveludada chegou a Eleanore e, apenas naquele momento, ela percebeu que havia um homem sentado do outro lado da mesa. Ele tinha cabelos cinzentos, olhos estranhamente alaranjados e de pupilas afinadas, como as de um gato. Estava com os pés descalços apoiados sobre a mesa e sorria, seus caninos eram mais longos e finos do que dentes humanos normais. Ele estava usando uma camisa folgada que mostrava boa parte de seu peito, o que fez Eleanore corar. – June aprenda.

June olhou de forma afiada para o homem e bufou. Ninguém a repreendeu por bufar, o que deixou Eleanora bastante surpresa.

 – O senhor é o Mestre da casa? – Eleanore perguntou, direcionando-se aquele homem.

Todos os que estavam presentes olharam para o homem de cabelos cinzentos e, instantaneamente, começaram a rir. Rir de verdade, alto, sem se importar com decoro.

 – Esse ai é o Bash – June apontou para ele. – Não é Mestre de ninguém.

Bash fez uma careta de desgosto para June.

– Sou Sebastian, querida Eleanore, mas pode me chamar de Bash. – Para espanto de Eleanore, ele engatinhou sobre a mesa e apanhou a mão da garota, dando uma lambida em seu dorso, o que fez Eleanore arrancar a mão da dele e o encarar, horrorizada. – Fiz algo de errado?

 – Você lambeu, Bash, seu idiota. É pra beijar. – Sam explicou, revirando os olhos.

 – Ah, eu sempre me confundo. – Repentinamente, o homem em cima da mesa começou a encolher de forma esquisita, bigodes finos cresceram em seu rosto, assim como pelos cinzentos, uma cauda, focinho. Por fim, ele havia se transformado em um gato cinza de pelos longos e olhos laranjas, envolto pelas roupas que que jaziam sobre a mesa.

Eleanore ficou completamente boquiaberta. Aquele homem era um gato.

 – Eu sou um espírito familiar, antes que você pergunte. – Bash respondeu, como se ela soubesse o que isso significava. – Sou o familiar do Vince.

 Ela se sentou em uma das cadeiras da mesa e, no mesmo instante, foi posto à sua frente um prato e uma xícara, que logo se encheu de leite, um pão pousou no prato, assim como queijo, presunto, ovos cozidos e fiambre. Eleanore estava faminta, então, começou logo a comer. Era tudo muito delicioso naquele castelo.

 – Por acaso – Eleanore começou, depois de engolir o presunto e limpar a boca – Tem uma fera que ronda esse castelo?

Um silêncio pairou sobre a mesa e ela teve um mal pressentimento.

 – Você o viu? – Bash perguntou, sério, ou o mais sério que um gato poderia parecer.

Eleanore anuiu com a cabeça.

 – É por isso que a floresta é tão perigosa de noite. – June falou.

Eleanore engoliu em seco, pensando que poderia ter sido estraçalhada por aquela besta, enquanto estava fugindo algumas noites atrás. Ficou imaginando como seria ser atacada por aquele bicho. Seria uma morte terrível e sangrenta.

 – Vocês são servos aqui do castelo? – Eleanore falou cautelosamente, temendo que se ofendessem, caso não fossem.

 – Pode-se dizer que sim. – resmungou Bash, descontente.

 – Também somos uma espécie de família – June disse com a atenção totalmente focada no pão que comia, seu tom era irritado e isso era expressado em seu rosto por um franzir de cenho.

 – Todos nós temos uma ligação com Vince – explicou Sam, fazendo um movimento de mão, indicando todos ao seu redor – O que nos faz poder entrar e sair do castelo quando queremos, sem a permissão dele. – O garoto fantasma a olhou de forma significativa. Talvez porque Eleanore não tinha uma ligação com Vince e mesmo assim conseguiu entrar.

E que tipo de ligação seria essa? Amor, talvez? Eleanore tentou entender o que aquilo exatamente significava, sem que tivesse que fazer mais perguntas. Perguntas costumavam irritar as pessoas, sobretudo seu pai.

 – Vince não vi gostar! – Uma voz esganiçada falou atrás de Eleanore. Ela se sobressaltou e se virou, encontrando um corvo empoleirado no porta panelas.

 – Calado, corvo! – todos, exceto Eleanore, gritaram em uníssono, inclusive Amber.

Aquilo fez com que Eleanore se lembrar de algo repentinamente.

 – Quando o Mestre de vocês vai chegar?

June e Sam trocaram um olhar cúmplice, o que novamente fez com que Eleanore tivesse um mal pressentimento.

 – Ele já chegou – foi Sam quem respondeu – Antes de você acordar.

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