Capítulo IV

A sopa estava deliciosa e esquentou as entranhas de Eleanore, mas não a fez se sentir mais confortável com toda aquela situação que vivenciou.

Ela não sabia se era capaz de lidar com elementais do fogo e fantasmas, mesmo que estes fossem aparentemente amigáveis. Nunca havia pensado na existência desse tipo de criaturas, nunca sequer imaginou e ainda estava considerando a possibilidade de estar sonhando.

Provavelmente estava sendo grosseira em não confiar nas pessoas que cuidaram dela. Eleanore nunca confiou muito nas pessoas, dado os exemplos que tinha, mas, considerando que os habitantes do castelo não eram exatamente humanos, significava que eles eram mais confiáveis por isso?

Eleanore não queria ficar naquele castelo, não quando o senhor dele não estava presente e poderia não gostar de encontrá-la ali. Não sabia que tipo de homem poderia abrigar elementais do fogo e fantasmas em seu castelo. Será que poderia bater nela, como seu pai? Ela não esperaria para obter uma resposta.

Já deveria ser muito tarde, quando Eleanore se aventurou para fora de seu quarto novamente. Levou a lamparina consigo, para usar como arma, caso necessário. Ela ficava olhando para cima, a fim de verificar se havia algum fantasma flutuando no teto. Não tinha.

Ela desceu as escadas muito lentamente para não produzir nenhum ruído.

A escada ficava a vários passos da porta de entrada. Ambos os cômodos que rodeavam a escada eram ricamente mobilhados, com quadros de paisagens pendurados nas paredes, as altas janelas intactas, sem vidros quebrados. Do lado esquerdo, havia sofás, um tapete cobrindo o chão, uma lareira de tijolos acesa, mesinhas com delicados vasos enfeitados com lindas flores. Do lado direito, ficava uma sala um pouco mais íntima, também havia um sofá, poltronas, algumas estantes com livros empilhados, folhas e potinhos com líquidos coloridos.

Eleanore foi para a sala da direita, andando o mais silenciosamente que podia. Na outra extremidade do cômodo, entre duas estantes enormes, havia um corredor amplo, que levava à uma cozinha.

Ela caminhou até lá, sempre atenta e olhando ao redor, o coração disparado no peito.

A cozinha tinha piso de pedra, um grande fogão de aço negro, sustentado por diversos tijolos, ocupava uma boa parte da cozinha, as panelas de aço ficavam penduradas logo acima dele. Também havia ali armários de madeira com vidros nas portas, possibilitando a visualização de seu conteúdo interno. Uma mesa se estendia no centro da cozinha com seis cadeiras. Havia lenha empilhada em um canto, uma dispensa e, na janela, que estava aberta, havia um vaso com margaridas.

Eleanore foi para os armários procurando por comida que pudesse levar, mas, antes que pudesse pegar qualquer coisa, um clarão vindo do fogão fez com que ela pulasse de susto. Havia uma chama crescente vinda dali, que fez Eleanore recuar até a outra extremidade da cozinha, esbarrando em uma das cadeiras e quase caindo no chão. Ela segurou a lamparina com mais força, mas achou que ela não fosse fazer muito efeito em um fogo, que parecia estar vivo.

 – Vai roubar? É assim que nos agradece? – aquela era a voz crepitante que ela ouvira, pensando melhor agora, soava mesmo como o fogo consumindo a madeira.

Eleanore abriu a boca para falar, mas não conseguiu articular uma palavra sequer. Não podia mesmo acreditar que aquele fogo estava falando com ela. Parecia um delírio mesmo estando bem na sua frente.

Aquelas chamas começaram a mudar, tomando uma nova forma, assumindo o contorno de um humano, de uma mulher, embora continuasse a ser essencialmente fogo, queimando e brilhando intensamente.

“Ela não vai me machucar”. Eleanore ficava repetindo para si mesma.

 – E-eu só... – ela engoliu em seco sem saber o que dizer. Iria mesmo rouba-los.

 – Entendo que esteja assustada. – a elemental do fogo disse, solidária – Mas não lhe farei mal e nem ninguém aqui. Não precisa fugir, isto não é uma prisão e você não é prisioneira. Mas é imprudente sair à noite, senhorita, a noite é perigosa.

Eleanore percebeu que June dissera a mesma coisa. Será que havia mesmo monstros a observando enquanto ela andava por entre as árvores pelo caminho de pedra? De repente, estava com mais medo do que poderia ter do lado de fora daquele castelo.

 – Sente-se – A mulher de fogo, que June dissera se chamar Amber, fez um gesto com a mão e a cadeira se afastou da mesa sem que nada tocasse nela. Àquela altura, Eleanore sequer ficou impressionada. – Gostaria de beber algo quente?

 – Não quero incomodar. – ela disse sinceramente.

 – Não é incomodo nenhum. – Amber fez mais gestos com as mãos e uma chaleira saiu do armário e foi direto para baixo de uma torneira, enchendo-se de água, logo depois, ervas também saíram voando da dispensa, sem que nada as segurasse e se juntou a água na chaleira. Uma xícara pousou em frente a Eleanore e, depois da chaleira ser esquentada por Amber rapidamente, ela passeou pelo ar, derramando o chá na xicara da garota, que olhava tudo com um fascínio genuíno.

 – Como pode? Tudo... flutuou... você não segurou... como? – Eleanore olhou para Amber, mas era difícil olhar diretamente para ela por causa do clarão.

 – Magia, querida. Nosso Mestre enfeitiçou esse castelo para que nos servisse e tivesse vontade própria, basta pedir com jeitinho, que ele vai te atender.

 – Mas... você não pediu. – Eleanore pontuou sem conseguir se conter – Apenas gesticulou com a mão.

 – Eu pedi, sim, só que com a mente. Ajuda se pedir por favor, a casa é geniosa.

Eleanore queria saber como uma casa poderia ser geniosa, mas imaginou que a resposta seria “magia”. Embora tudo aquilo fosse uma clara insanidade, ela não conseguia deixar de pensar no quão extraordinário tudo aquilo era. Magia existia, veja só.

Sua vida sempre foi tão monótona, nada parecido nunca havia acontecido e, agora, estava conversando com uma mulher de fogo que lhe ofereceu chá. Havia um fascínio crescendo dentro de Eleanore, gradativamente tomando o lugar do medo do desconhecido. 

Ela tomou um gole do chá, que estava delicioso e quente na medida certa.

 – Seu Mestre é um homem bom? – Eleanore perguntou, curiosa e apreensiva.

 – Sim. Ele finge que não, mas é um bom homem. – ela não era capaz de distinguir as feições de Amber porque ela era de fogo, mas podia jurar que ela estava sorrindo. – June disse que você fugiu, posso perguntar de que?

Eleanore segurou a xícara com ambas as mãos, sentindo o calor em suas palmas. Ficou olhando para o líquido esverdeado fumegante, pensando se deveria contar à Amber.

 – De um casamento arranjado. Sei que parece infantil, mas acho que eu não queria fazer isso pelo meu pai. Ele é um homem muito cruel que gastou sua fortuna e precisa de dinheiro, então, ele me vendeu para um homem que não conheço. – ela confessou sem saber porquê – Eu só estava cansada da minha vida.

Amber se condensou em uma massa de fogo e virou um pequeno pássaro feito de chamas, que pulou sobre a mesa, curiosamente sem queimar a madeira, ficando diante de Eleanore.

 – Sabe o que Eleanore significa? – Amber perguntou e ela respondeu balançando a cabeça negativamente – Simboliza o Sol, luz, vitalidade e realeza. Significa “aquela que reluz”.

Eleanore sorriu, embora estivesse falando com um pássaro de fogo pousado na mesa.

Não conhecia essa informação sobre seu nome, mas sabia que quem a batizou havia sido sua mãe. Seu pai jamais pensaria em um nome com um significado tão bonito. 

 – Eu não sabia, mas por que está me dizendo isso?

 – Eu sinto que você é especial, Eleanore. Ninguém poderia entrar nesse castelo sem a permissão do nosso Mestre, mas mesmo assim, você entrou.

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