Capítulo II

O assovio do vento, entrando no quarto de forma assombrosa, fez um arrepio subir pela coluna de uma adormecida Eleanore. Ela rolou pelo colchão, enrolando-se mais as cobertas que a envolviam, para deixa-la mais quente. Lentamente, a consciência de Eleanore foi voltando.

Seus olhos se abriram de súbito, ela se sentou ereta, olhando ao redor rapidamente. Um pânico a invadiu quando ela pensou que estava novamente em casa, que seu pai a tinha achado de algum jeito. Mas uma rápida olhada ao redor já foi o suficiente para perceber que não. O quarto onde se encontrava era diferente daquele que costumava ser o seu.

A cama, onde estava deitada, era grande, cercada por pilares de madeira que sustentavam um delicado dossel sobre a cabeça de menina. Ao lado dela, ficava uma pequena mesinha de cabeceira, onde se encontrava uma lamparina, que iluminava parcialmente o quarto. Havia uma janela grande acima de uma mesa de madeira elaborada e lustrosa, onde se empilhavam três livros de capas de cores diferentes. Em uma das paredes, encostava-se um grande armário de carvalho com seis portas compridas e, logo ao lado dele, ficava uma poltrona azul escura. Em um canto do quarto, havia uma banheira de pedra branca apoiada em pezinhos de metal brilhantes. Próximo à ela, ficava uma pequena bacia de porcelana junto de uma jarra d’água, apoiada em uma alta mesa, para se lavar. Também tinha um grande espelho ovalado com uma rica moldura trançada de prata apoiado em um suporte móvel, igualmente de prata.

A janela estava aberta, a cortina branca tremulava com o frio vento noturno, deixando que ele deslizasse para dentro do cômodo, balançando o dossel. 

Então, Eleanore se lembrou dos acontecimentos da noite passada, recordou-se que tinha entrado em um castelo abandonada, que diziam ser assombrado. Mas havia caído no chão e adormecido nele, não em uma cama. Seria possível que alguém pudesse morar naquele lugar?

Quando Eleanore jogou as cobertas de lado e se levantou, percebeu que havia sido trocada, porque não usava mais as sujas e molhadas roupas de antes. Também estava seca e livre da lama, sua pele estava limpa e ela vestia uma camisola branca com mangas até os cotovelos, cuja saia descia até os tornozelos. Seu cabelo ruivo cacheado estava preso em uma grossa trança, que caia pelas costas, desarrumada pelo sono. Alguém havia cuidado dela, enquanto dormia, mas como foi possível que Eleanore não tivesse acordado?  

Reparou que, mesmo em pé, sua perna não estava mais doendo. Na verdade, não havia qualquer arranhão ou hematoma nela, era como se um cavalo enorme e pesado nunca tivesse caído sobre sua perna. Estranho.

Eleanore andou até a janela, olhou para fora e vislumbrou um jardim enorme, banhado pela prateada luz da lua cheia. Um enorme e majestoso carvalho crescia no meio das flores, os galhos retorcidos se espalhando ao seu redor, cobertos por folhas muito verdes, quase brilhantes. Uma floresta se estendia logo após o jardim, rodeando o castelo, um emaranhado de galhos e folhas, que farfalhavam melodicamente com a brisa noturna.

Não havia mais qualquer tempestade, muito menos nuvens no céu. O manto azul escuro límpido, pontilhado por estrelas cintilantes, estendia-se por todos os lados, a lua no centro dele, feito um disco de prata iluminado. Era como se tudo tivesse sido um pesadelo. Não parecia mais tão assustador agora.

Depois de observar a paisagem do lado de fora do castelo, Eleanore explorou o cômodo ao seu redor. Vasculhou o armário, mas estava completamente vazio, nem suas roupas antigas se encontravam ali. Abriu as gavetas da mesa sob a janela e encontrou mais livros, papel e caneta, abriu as gavetas da mesinha de cabeceira e encontrou uma escova, uma caixinha de prata vazia e um pequeno livreto, cujo título curiosamente era “informações básicas sobre pragas mágicas”.

Ela cruzou seu quarto e abriu a porta cuidadosamente, para não chamar a atenção ou produzir qualquer som. Enfiou a cabeça para fora do cômodo e olhou de um lado ao outro, mas tudo o que viu foi um corredor se estendendo à sua frente, iluminado por candelabros apoiados em suportes na parede. Mas totalmente vazio.

Eleanore se esgueirou para fora de seu quarto, caminhando lentamente pelo corredor, que era amplo e extenso, o teto alto arqueado e, nele havia uma pintura belíssima do céu estrelado, parecia até que era o mesmo do lado de fora. Os candelabros dourados acesos projetavam luz por todo o corredor, iluminando bem o caminho e de ambos os lados, haviam portas de madeira escura, sendo que o quarto onde Eleanore estava era o último daquele corredor.

Ela estava com medo. Embora os moradores daquele lugar a tivessem limpado e vestido, deixado que ela dormisse em uma cama, não sabia quem poderia habitar aquele lugar. Sobretudo porque aquele era um castelo assombrado, não era? Estava todo quebrado e coberto de vegetação, então, deveria estar abandonado, não? Quem moraria em um lugar como aquele?

Mas não parecia abandonado agora. Era um lugar grande, quente e ricamente decorado.

Quando estava próxima de uma escadaria de pedra polida, ouviu vozes e estagnou no lugar. Ela se escondeu atrás dos balaústres de pedra que havia no andar que estava. As vozes vinham do andar de baixo e Eleanore teve que se concentrar muito para conseguir ouvir alguma coisa.

 – Por que eu tenho que levar comida pra ela de novo? Já faz dois dias que ela está dormindo, não sei se vai acordar. – falou aquela mesma voz de menina, em um tom irritado, que Eleanore ouviu em um sonho. Talvez não tivesse sido um sonho, afinal.

Dois dias? Ela estava dormindo há dois dias? Não podia ser. Ninguém dormia por tanto tempo.

 – Ela está quente agora. Está bem viva. – respondeu um garoto.

 – Quando ela acordar, vai precisar comer, deve estar faminta e um pouco desidratada. – a voz que falou era feminina, mas era estranha, crepitava. Como em seu sonho. – E é você que tem que levar, porque se qualquer um de nós for, ela terá um ataque. Sabe como os humanos são.

 – Eu sou humana. – rebateu a menina petulantemente.

 – Eu posso levar. – propôs aquele homem com voz aveludada.

 – Não! – várias vozes falaram ao mesmo tempo.

 – Bash, você assusta as pessoas – retrucou o garoto.

Alguém bufou, provavelmente o tal de Bash.

Um grasnado soou, como o de um corvo, fazendo com que Eleanore estremecesse.

 – A menina... GRA... morta! GRA! O Mestre não gosta. PU-NI-ÇÃO!

 – Calado, corvo! – disseram várias vozes em coro.

Eleanore não estava entendendo aquela conversa. Por que ela teria um ataque se os visse? Por que aquela mulher de voz estranha falou como se não fosse humana? Por que o tal de Bash assustava as pessoas?

Ela espiou o andar de baixo e certamente não estava preparada para ver o que viu.

Havia uma pessoa que brilhava, envolta por uma espécie de aura alaranjada, tremulando ao redor de um corpo, como se pegasse fogo. Ao lado dela, tinha um garoto que não tocava os pés no chão, estava a, pelo menos, trinta centímetros do solo. Havia mais uma pessoa com eles, uma garota, além de um gato e um corvo, mas Eleanore não conseguia registrar mais nada.

Eleanore piscou várias vezes, mas a imagem não mudava, continuava a mesma. Uma pessoa de fogo e um garoto flutuante. Ainda estava sonhando? Não, era um pesadelo.

Ela não pôde evitar o grito que lhe escapou. Levou a mão à boca rapidamente, mas já não adiantava de nada, já tinha chamado atenção.

Todos os pares de olhos se voltaram para ela.

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