Cap 08

#Lucy

Ela não consegue pronunciar bem as palavras, mas em geral consegue um som bastante aproximado.

Luwiee significa Lucy. E eu sorrio de volta, enquanto tento colocá-la numa posição melhor, na cama.

— Ei, menina... Como está seu apetite, para o jantar? — pergunto, pegando alguns lenços umedecidos e tentando não pensar no que estou fazendo.

Enquanto ponho uma nova calcinha e um moletom em Karla, Amora me observa. Tento explicar tudo em detalhes, enquanto executo a tarefa, mas basta-me um olhar para Amora, para concluir que ela não está me ouvindo.

— Sua mãe falou que eu poderia ir embora, assim que você chegasse — diz Amora.

— Tudo bem — respondo, enquanto lavo as mãos. E Amora desaparece, como num passe de mágica, bem no estilo de Houdini...

Levo Karla, na cadeira de rodas, até a cozinha que, em geral, é imaculadamente limpa... Mas agora está um caos. Amora não lavou a louça, que está empilhada na pia, nem limpou direito a bagunça que Karla fez, quando jogou sua tigela de iogurte no chão.

Preparo o jantar de Karla e limpo a sujeira.

Com a voz arrastada, Karla tenta pronunciar a palavra escola que na verdade soa como cola mas entendi o que ela quis dizer.

— Sim, hoje foi meu primeiro dia de aula — conto a Karla, enquanto mexo a sopa e coloco-a na mesa. Levo a colher de sopa à sua boca e continuo: — Minha nova professora de Química, a Sra. Benson, deveria ser monitora de acampamento, sabe? Dei uma olhada em sua planilha... Pelo que vi, não vai se passar uma semana sem que ela nos dê uma prova ou um questionário. Este ano não vai ser nada fácil, menina...

Minha irmã me olha, compreendendo aos poucos o que acabo de dizer. Seu olhar intenso significa que ela está me dando apoio e compreensão, sem que seja necessário falar... Pois Karla precisa de um esforço imenso para pronunciar cada palavra. Às vezes tenho vontade de apressar as coisas, de dizer as palavras por ela, porque sinto sua frustração como se fosse minha.

— Você não gostou de Amora? — pergunto, num tom calmo.

Karla sacode a cabeça, num gesto de negação. E não quer falar sobre o assunto; percebo isso pelo modo com que ela contrai a boca.

— Tenha paciência com Amora — eu digo. — Não é nada fácil chegar numa casa desconhecida, sem saber ao certo o que fazer.

Quando Karla termina de tomar a sopa, eu lhe dou algumas revistas. Ela adora revistas. Aproveito que Karla está ocupada e preparo para mim um sanduíche de queijo. Começo a fazer meu dever de casa, enquanto como.

Escuto a porta da garagem se abrir, no momento em que estou começando meu trabalho sobre respeito solicitado pela Sra. Benson.

— Lu, onde você está? — minha mãe grita, do hall.

— Na cozinha! — eu respondo.

Minha mãe aparece na cozinha, com uma sacola da Neiman Marcus no braço:

— Isto é para você...

Pego a sacola e abro: é um top azul-claro, assinado por Geren Ford.

— Obrigada — eu digo, discretamente, para não fazer muito alarde na frente de Karla, que não ganhou nada de minha mãe. Não que Karla pudesse se importar com isso, no momento... Pois está concentrada nas fotos das celebridades mais bem vestidas e mais mal vestidas do ano, nas jóias reluzentes, no glamour estampado numa revista.

— Esse top vai combinar com aquela calça que eu lhe dei, na semana passada — diz minha mãe, retirando do freezer alguns filés e colocando-os no microondas, para que descongelem. — E então, como foram as coisas com Amora, depois que você voltou para casa?

— Não muito bem — eu digo. — Você realmente deveria ter ficado com ela, nesse primeiro dia, para dar uma orientação, uma assistência.

 Minha mãe não responde. E isso não me surpreende.

No minuto seguinte, meu pai entra na cozinha, resmungado sobre seus problemas no trabalho. Ele tem uma empresa que fabrica chips para computação. E já nos preveniu, dizendo que este seria um ano de vacas magras. Só que, minha mãe continua fazendo compras, com frequência. E ele me deu um BMW de aniversário.

— O que há para o jantar? — meu pai pergunta, afrouxando o nó da gravata. Parece exausto e desgastado, como sempre.

Minha mãe lança um olhar ao microondas:

— Filés. Steak.

— Não estou com disposição para alimentos pesados — ele diz. — Quero fazer apenas uma refeição leve.

Irritada, minha mãe desliga o microondas:

— Ovos? Espaguete? — Ela faz várias sugestões... em vão.

Meu pai sai da cozinha. Mesmo quando ele está aqui, fisicamente, sua mente continua ligada no trabalho.

—Tanto faz — ele responde, do corredor. — Algo leve, apenas.

Em momentos assim, eu lamento muito por minha mãe, que nunca recebe uma verdadeira atenção do meu pai.

Quando ele não está trabalhando, ou em viagem de negócios, parece sempre distante e alheio. Talvez simplesmente não goste de estar com a família.

— Vou fazer uma salada — eu digo, abrindo a geladeira e pegando um pé de alface.

Minha mãe parece grata pela ajuda... Se é que seu pequeno sorriso pode servir de indicação. Trabalhamos, ambas, lado a lado, em silêncio.

Arrumo a mesa, enquanto ela traz a salada, os ovos mexidos e as torradas. Em seguida começa a se queixar, dizendo que não está sendo valorizada... Mas compreendo que ela só quer que eu a escute, sem dar palpites.

Karla continua entretida com suas revistas, alheia à tensão entre meus pais.

— Na sexta-feira irei para a China, por duas semanas — meu pai anuncia, ao voltar à cozinha, usando moletom e camiseta T-shirt. Senta-se pesadamente no lugar costumeiro, à cabeceira da mesa, e serve-se de ovos mexidos. — Nosso fornecedor de lá está enviando material com defeito... E vou descobrir por que.

— E quanto ao casamento do filho dos DeMaio? Será no próximo fim de semana e nós já confirmamos presença.

Meu pai deixa cair o garfo no prato e olha para minha mãe:

— Sim, tenho certeza de que esse casamento é mais importante do que o bom andamento dos meus negócios.

— Bill, eu não quis dizer isso — minha mãe argumenta, soltando seu próprio garfo no prato. É um milagre que nossos pratos não tenham trincas permanentes. — Apenas, não fica bem cancelar um compromisso desses assim, de última hora.

— Você pode ir sozinha, se quiser.

 — E deixar que as pessoas comecem a especular o motivo da sua ausência? Não, obrigada.

Esta é um conversa típica do jantar dos Valverde: meu pai contando sobre o quanto seu trabalho é árduo, minha mãe tentando manter nossa fachada de família feliz, e eu e Karla quietinhas, nos bastidores...

— Como foi o colégio, hoje? — minha mãe finalmente me pergunta.

— Tudo bem — eu digo, omitindo a parceria com Mattias Belmonte. — Minha professora de Química é uma fera.

— Talvez você nem devesse ter aulas de Química, neste ano — meu pai comenta. — Se você não conseguir uma média alta, nessa matéria, seu histórico escolar estará irremediavelmente comprometido. A Northwestern é uma

universidade difícil... E eles não vão facilitar as coisas para você, só porque eu estudei lá.

— Eu sei, papai — digo, agora me sentindo totalmente deprimida. Se Mattias não levar nosso projeto de Química a sério, como poderei tirar um A?

— A nova enfermeira de Karla começou hoje — diz minha mãe. — Você se lembrou disso, Bill?

Meu pai dá de ombros. Quando a última enfermeira se demitiu, ele disse que deveríamos internar Karla numa instituição. Não me lembro de ter gritado tanto, em minha vida, como naquele dia. Pois eu nunca deixaria que mandassem Karla para um lugar onde ela pudesse ser negligenciada ou incompreendida. Preciso manter um olho nela, o tempo inteiro. Por isso é tão importante, para mim, entrar na Northwestern, que é aqui perto. Ficando próxima de casa, posso continuar morando aqui, posso me certificar de que meus pais não mandarão Karla embora.

Às nove, Megan me liga para se queixar de Âmbar . Diz que Âmbar mudou muito, durante o verão, e agora está se achando o máximo, só porque começou a sair com um cara da Universidade. Às nove e meia, Âmbar me liga para

dizer que acha que Megan está com ciúmes, só porque ela está saindo com um cara da Universidade. Às nove e quarenta e cinco, Nala me liga para dizer que conversou com Megan e também com Âmbar , nesta noite... E que não devemos nos envolver nessa estória... Eu concordo, mas acho que já nos envolvemos.

Às dez e quarenta e cinco, finalmente termino meu texto sobre respeito para entregar à Sra. Benson, e então ajudo minha mãe a pôr Karla na cama. Estou tão exausta, que minha cabeça parece prestes a se desprender do pescoço e cair... me enfio na cama, depois de vestir o pijama, e ligo para Samuel.

— Ei, baby — ele diz. — O que você andou fazendo?

— Não muita coisa... Estou na cama. E você se divertiu, lá no Gastón?

— Nem tanto quanto eu me divertiria, se você estivesse junto.

— Quando você voltou?

— Há mais ou menos uma hora. Estou tão feliz por você me ligar!

Puxo meu edredom até o queixo e afundo a cabeça no meu travesseiro macio.

 — É mesmo? — digo, num tom sedutor, tentando ganhar um elogio. — E por quê?

Faz muito tempo que ele não diz que me ama. Sei que ele não é a pessoa mais carinhosa deste mundo... Meu pai também não. Mas preciso ouvir isso de Samuel. Quero que ele diga que sentiu minha falta. Que sou a garota dos seus sonhos.

Samuel limpa a garganta, antes de dizer:

— Nós nunca fizemos sexo por telefone, não é, Lu?

Bem, não eram essas as palavras que eu esperava ouvir. Mas não devo me decepcionar, nem me surpreender.

Afinal, Samuel é um rapaz. E sei que os rapazes só pensam em fazer sexo e se divertir. Hoje à tarde, quando li o que Mattias escreveu no meu caderno, sobre ter sexo quente, senti algo esquisito, que logo sufoquei... Claro que ele nem imagina que sou virgem.

Samuel e eu nunca fizemos sexo. Nem de verdade, nem por telefone. Chegamos bem perto disso, em abril do ano passado, na praia, nos fundos da casa de Nala... Mas eu me acovardei. Não estava preparada.

— Sexo por telefone?

— Sim... Comece a se tocar, Lu. E, depois, me conte o que estiver fazendo. Isso vai me deixar muito excitado.

— E o que você vai fazer, enquanto eu estiver me tocando? — pergunto.

— Ora, o que você acha que farei... meu dever de casa? Vou me masturbar, é claro.

Começo a rir... Um riso que é mais nervoso do que divertido, pois não nos vemos há algum tempo, nem sequer conversamos muito... E agora ele quer que a gente passe do simples olá, que bom nos encontrarmos depois de um verão inteiro separados para comece a se tocar enquanto me masturbo em um só dia. Sinto-me no meio de uma música de Pat McCurdy.

— Ora, vamos, Lu — diz Samuel. — Encare isso como um ensaio, antes de partirmos para a prática real... Tire sua camisola e comece a se tocar.

— Samuel... — eu digo.

— O quê?

— Desculpe, mas não vou fazer isso... Ao menos não neste momento.

— Tem certeza?

— Sim... Você ficou zangado?

— Não — ele responde. — Mas achei que isso seria bom para esquentar um pouco o nosso relacionamento.

— Eu nem sabia que estávamos frios.

— Os estudos, os treinos, os encontros com a turma... Acho que depois de passar o verão fora, não aguento mais a velha rotina. Pratiquei esqui aquático, wakeboarding e viagens off-road... Coisas que fazem o coração bater e o sangue bombar, você sabe... Pura adrenalina!

— Parece incrível.

— E foi mesmo. Lu...?

 — Sim?

— Estou pronto para essa viagem de adrenalina... com você.

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