4. Bianca

Bianca...

Eu ainda não entendi o que o Sr. Mendez quis fazer com essa chamada e nem porque queria que parecêssemos íntimos. Foi estranho.

Ele era estranho.

Sempre fazia o que lhe pedia e ainda assim me tratava mal. O homem parece que me detesta e eu nem sei o motivo. Acho que só de chegar perto ele se irrita, por isso mesmo eu até evito e só falo com ele o necessário.

O celular vibrou. Era a atendente da clínica. Precisava falar comigo.

_ Eu não recebi nenhum aviso.

_ Deve ter sido algum problema com nossa correspondência, mas isso já começou desde o mês passado.

_ E vou ter que pagar a diferença? – mantive minha voz calma. Só a voz.

_ Podemos dividir para que não pese.

Claro que iria pesar. Eu já pago caro pelo serviço, me viro como posso e agora mais um aumento. Se não pesasse seria um milagre. Eu até ganho bem, mas os gastos são altos.

_ Isso é certo? Já houve um aumento em janeiro.

_ Esse é o aumento regularizado pelo governo. O do mês passado foi pelo aniversário da paciente. Está no contrato. É uma clínica particular.

Eu sei disso, só não contava com mais esse aumento. O lugar era mesmo muito bom e Emília era feliz lá, mas a cada dia ficava mais difícil de manter sua vaga. E antes não havia isso de aumento por causa do aniversário. Era coisa nova.

_ Estou no trabalho agora, posso passar aí mais tarde.

_ Certo. Me procure e acertamos tudo.

Para piorar vi meu chefe entrando. Pensei que ficaria livre dele essa tarde, mas me enganei. Ele passou por mim e me olhou de um modo diferente. Gelei.

O que será que iria jogar em cima de mim agora? Respirei fundo e fui até a sala dele.

_ Achei que não viria hoje, senhor Mendez.

_ Achou errado. Quero falar com você.

“Meu Deus, o que fiz agora”?

Fechei a porta. Eu já trabalhava para ele há quase dois anos e o salário era bom, me permitia manter a segurança de Emília. Mesmo sabendo que ele me desprezava, eu gostava do emprego e do salário.Deus me livre de perder agora.

Não me importava em viver em um lugar ruim e apertado, nem de comprar minhas roupas em brechós por serem mais baratas. Cortava meu cabelo em casa ou se houvesse alguma promoção em um salão eu aproveitava.

Nunca pintei minhas unhas com uma manicure, eu mesma fazia isso. Comida é algo que eu também economizo comprando em promoção ou em fim de feira que os produtos ficam mais em conta, mesmo não sendo os melhores.

Aproveito cada chance para economizar. Os colegas aqui me dão biscoitos, frutas e outras coisas que eu levo para casa. Nunca reclamei de nada, mas acho que alguns desconfiam de minha situação real, embora nunca tenham me questionado nada.

O que agradeço muito por sua discrição. Não tenho vergonha de como vivo, só não quero a pena de ninguém. Eu trabalho e sou capaz, a vida que anda difícil.

Como não me perguntam eu não falo nada, porque pode ser que eles se sintam obrigados a me ajudar por pena, então deixo como está, apenas aceito de bom grado.

A empresa paga meu celular e minha condução, além de me dar plano odontológico e médico, o que me ajuda demais. Faço malabarismo para chegar ao fim do mês. Comecei a ficar nervosa.

_ Está surda?

_ Como? – pisquei para voltar à atenção para ele.

_ Perguntei se tem compromisso hoje á noite. Preciso que vá até minha casa.

_ Eu? Na sua casa? – me espantei.

_ Isso – ele suspirou impaciente _ Às sete.

_Não posso, tenho algo a fazer.

_ E a que horas pode – cruzou os braços.

Tremi um pouco. Isso era novo demais pra mim.

“Será que ele iria me demitir”?

Mas isso ele faria aqui mesmo, não em outro lugar.

_ Algum problema? – estou ansiosa.

Ele sentou na mesa cruzou as pernas e ficou me olhando, o que me deixou mais nervosa ainda.

_ Não posso falar aqui, preciso de privacidade. O assunto é muito sério, por isso deve ser em meu apartamento e deve ficar em total segredo.

Engoli pesado e respirei fundo. Agora ele me deixou bem preocupada.

Nunca fui ao apartamento dele e menos ainda ele me procurou para contar algo sigiloso. Estou confusa com isso. Ele parecia agitado, fora do normal.

Adriano Mendez querer minha presença em sua casa me parecia um conto, mas de terror e não de fadas.

_ Eu... Eu posso ir ás oito.

_ Ok.

Ele saiu de cima da mesa. Acho que ele tem um e noventa de altura ou mais porque me sinto pequena em frente a ele. O cabelo castanho escuro está com um corte moderno. Ele sempre fica por dentro do que está acontecendo e se adapta, parecendo mais jovem do que os trinta e quatro anos que tem.

É muito bonito. A barba baixinha é um charme a mais e os dentes brancos se sobressaem em sua pele levemente bronzeada.

_ Algo mais? – apertei os dedos.

_ Tenho uma coisa importante para lhe pedir e vou colocar minha confiança toda em você.

“O que? Logo ele querer minha confiança? Vai ver quer que eu dispense outra amante”.

_ Ok. Se eu puder ajudar – não fui muito firme nessa resposta, mas não me sentia mesmo segura.

Reparei que seus olhos estavam vidrados em mim. A cor estava mais escura. Verde com um leve castanho. Quase não o mirava porque na maioria das vezes estava com raiva.

_ Pode subir direto, vou avisar ao porteiro. Não falte – apontou o dedo.

_ Não vou faltar – isso estava estranho demais _ O senhor está bem?

_ Sim... Vai ficar tudo bem... Se você me ajudar.

Ele saiu e me deixou na sala. Me sinto perdida. Parece que estou em um filme. Ele nunca falou comigo com calma.

“Será que está doente”?

*******

Eu só pude ficar com Emília pouco tempo e ela hoje não estava bem. O médico me disse que ela estava com colite, uma inflamação da parede do intestino grosso. Tem vários fatores que provocam isso, mas no caso dela é por causa dos remédios junto com o estresse da doença.

O Alzheimer a deixa mal, mesmo nos momentos em que está lúcida porque se sente um peso em minha vida e acaba se agitando. Às vezes eu até acho bom que ela esqueça que tem a doença. Não gosto que fique triste.

Hoje ela estava um pouco irritada e cansada. Por causa da colite ela passou a madrugada entre idas e vindas ao banheiro e dormiu pouco. Fico triste por ela, gostaria que fosse a mesma de quando nos conhecemos. Sempre positiva.

Passamos tantas coisas juntas. Ela foi meu porto seguro e eu sou o dela agora.

_ Infelizmente ela não está bem, mas volte amanhã – Márcia disse.

_ Farei isso – suspirei _ E sobre o aumento?

_ Posso esperar até segunda-feira para que pague. O do mês passado posso dividir em três vezes e juntar ás parcelas que vierem. O que acha?

Acho péssimo”.

Eu teria que fazer milagre para conseguir pagar, mas não posso deixar que Emília perca esse lugar na clínica. Não vou encontrar outro lugar tão rápido e nem com a mesma qualidade.

_ Amanhã eu venho visitá-la e dou uma posição.

_ Espero que consiga – segurou a mão dela com carinho _ Ela está tão bem conosco.

Assenti. Isso é verdade.

Eles a tratavam tão bem, eram cuidadosos e faziam seus gostos. Emília merece que eu me sacrifique por ela. Durante anos ela foi quem cuidou de mim e merece meu apoio.

Por essas coisas ela merece que eu me sacrifique. Se não fosse por Emília só Deus sabe onde eu estaria agora.

Talvez nem mesmo estivesse viva.

A vida não era fácil antes dela aparecer e agora não posso reclamar só porque enfrento dificuldades financeiras. Já foi bem pior. 

Por Emília eu faço tudo!

*******

Ainda bem que a clínica não era tão longe do apartamento dele. Só precisei pegar um ônibus.

Estou parada aqui na frente há cinco minutos, assim me acalmo um pouco antes de entrar.

Eu sabia que ele morava bem, mas não assim. O prédio é bem bonito e moderno, todo de vidro na fachada.

“Qual será o andar”?

Olhei para cima e contei. São vinte e cinco andares. Bem alto. Preciso de coragem para ir até lá, me sinto desanimada com a situação de Emília e receosa de estar na casa dele.

Respiro fundo e dou o primeiro passo para atravessar a avenida movimentada.

O porteiro foi educado comigo e me indicou o elevador particular para a cobertura. Claro que ele moraria no melhor. Que tonta. Do jeito que ele é metido.

Me ajeitei e toquei a campainha da grande porta de madeira. Ele mesmo veio abrir.

_ Por que não entrou? Avisei ao porteiro para mandá-la entrar. Venha!

Eu o segui. Ele usava jeans escuro, camiseta branca e estava descalço. Observei os pés dele. Achei-os bonitos.

“Que doideira a minha, reparar nos pés de um homem”.

Fiquei parada e ele se virou. Parecia que estava sem jeito também. Era a primeira vez que o via assim. Minha garganta coçou e fiz um barulho.

_ Venha até a cozinha. Ia começar a comer agora.

_ Eu espero o senhor jantar – eu estava tímida.

_ Não – disse firme _ Venha comigo.

Ele me puxou pelo braço.

“Vai me matar ali”?

Estou nervosa com o comportamento dele. Me fez sentar em uma cadeira alta ao lado do balcão. Não sei como agir. A cozinha é grande e tem muitos aparelhos. Mas achei fria demais, muito moderna e sem cores. Era tudo branco. Nem um quadrinho sequer.

_ Você vai comer comigo – colocou um prato com talheres.

_ Eu já comi – menti.

_ Comeu vento? Você é magrela. Não sei como fica de pé.

Ele como sempre era educado comigo. Aceitei antes que brigasse. Ele retirou uma fôrma de vidro do micro-ondas e o cheiro fez meu estomago se mexer.

_ Pedi uma lasanha – colocou em cima de um aparador de panelas _ Gosta?

_ Gosto de tudo que encha minha barriga – respondi sem pensar e ele fez uma careta _ Sou magra de ruim – brinquei e ele deu um risinho.

Ainda bem. Ele até parecia “normal” comendo lasanha e de pés descalços.

_ Não acho que seja isso – encheu o prato dela _ Vinho?

_ Eu nunca bebi vinho – nunca bebi nada diferente na verdade.

_ Experimente um pouco.

Ele colocou uma taça na minha frente. O cheiro era forte, mas era bom.

_ Obrigada!

Eu gostei do sabor, apesar de achar forte. Começamos a comer e me concentrei nisso, não queria olhar para ele. Foi estranho comer ao lado dele. Foi algo que nunca imaginei.

_ Você sempre é calada assim?

_ Se me perguntar algo, eu falo – mexi a cabeça.

_ Certo – bateu os dedos no tampo de granito _ Eu quero pedir uma coisa que é muito importante e necessária para mim. Preciso que me ouça antes de dar uma resposta – inclinou a cabeça de lado _ Na verdade é um novo emprego para você.

Engoli seco.

“Então iria mesmo me despedir”?

_ Mas... – ele levantou a mão e me calei.

_ Eu disse que me escute antes de falar qualquer coisa. Se me atrapalhar, não vai entender minha proposta.

Suspirei. "O que será que ele queria comigo?"

Talvez mais obrigações ainda? Se fosse isso pelo menos talvez ele também aumentasse o meu salário e eu poderia pagar a clínica. Se for isso eu aceito.

Vou tentar segurar minha curiosidade. Ele também me parece um pouco incomodado com o assunto misterioso.

_ Preciso me casar – disse com dificuldade.

_ E... Por que está me contando isso? – franzi a testa.

Ele ficou me encarando um instante, que pra mim pareceu uma hora. Cheguei a engolir em seco de nervoso.

_ Porque escolhi você como minha noiva.

"Que porra é essa? Esse homem é louco?"

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