ASH & LORI
ASH & LORI
Por: Dan Yukari
Um convite inesperado

É incrível como o mundo muda quando se está apaixonado.

As coisas mudam de cor, o dia começa mais cedo, acaba mais cedo e milhares de coisas mudam de forma e lugar. De repente, começamos a ver tudo com outros olhos e quando as coisas não remetem à pessoa que amamos, simplesmente percebemos que não importa o que fazemos, lá estamos nós perdidos em pensamentos que nos trazem a pessoa a mente.

Vamos dizer que a já distraída Lorena Silverstone estivesse passando por isso.

Lá estava a garota de olhos castanhos perdida em devaneios observando os pássaros na árvore bem ao lado da janela de sua sala de aula, no segundo andar. Pela manhã, horário em que estudava, os pássaros reuniam-se em seus ninhos antes de sair à procura de alimentos para os filhotes e a garota dividia sua atenção entre a aula e observá-los. Normalmente conseguia dar atenção às duas coisas. Isso antes de seus pensamentos serem tomados por certos olhos verdes de alguém que ela apenas não queria esquecer.

—Lori? – indagara Marlene, a professora de inglês – Pode ler o parágrafo cinco do texto, por favor? Lori…? Lorena, está me ouvindo?

Não. Não estava.

Naquela manhã o sol invadia a sala de aula e as cortinas estavam fechadas, exceto por uma fresta por onde a jovem espiava o lado de fora. Na verdade, lembrava-se de meses antes, de quando sua amiga a beijara e ela enlouquecera, seu mundo virando de cabeça para baixo.

Inicialmente havia sido um turbilhão de sentimentos confusos e ela não sabia o que pensar ou como reagir, temendo que aquilo afetasse a amizade entre as duas. Não havia ninguém que ela conhecesse tão bem ou fosse tão íntima quanto aquela garota e uma das coisas que jamais abriria mão no mundo era perdê-la, perder sua companhia e amizade. Mesmo diante do medo e da insegurança pelo acontecimento, uma coisa lhe parecera clara, ela tinha sentimentos pela amiga, fortes sentimentos que ela nunca seria capaz de negar.

Havia decidido que se declararia para a outra, independentemente do resultado, mesmo com o risco de levar um fora ou daquilo afetar a amizade entre elas. Não poderia simplesmente fingir que nada havia acontecido e que aquele aperto em seu peito não existia. Precisava botar para fora tudo que sentia dentro de seu coração, aquele sentimento qual a amiga era a razão.

Para sua surpresa naquele dia, ao sair no final da aula, ela estava lá a lhe esperar, em pé ao lado do portão. E nunca Ashley lhe parecera tão linda quanto naquele momento.

A atenção de Lori fora desviada de suas lembranças quando uma aluna na carteira ao lado a cutucara no ombro com a caneta. Assustada, a menina encarou a amiga que apontara para a professora a aguardando. Não apenas a professora, mas todos os alunos da sala a observavam.

—Sente-se bem, querida? – indagara a professora.

Demorara alguns segundos para a garota assimilar o que acontecia e quando finalmente o fizera, ficara com as bochechas ruborizadas no mesmo instante. Ash dizia que Lorena, por ter a pele muito clara, assim como a dela própria, quando se envergonhava por alguma coisa ficava com a face tão vermelha que parecia um tomate. As sardas abaixo de seus olhos desapareciam e ela parecia tão assustada quanto se estivesse assistindo a um filme de terror.

—Você parece distraída essa manhã – continuara a professora – Se importaria em traduzir o parágrafo cinco do texto para a sala? Se não souber qual é, Laura pode lhe mostrar.

Laura era uma menina da mesma idade de Lorena, com a pele cor de bombom e profundos olhos negros. Era gordinha e extremamente vaidosa. Havia sido ela quem cutucara Lori com a caneta, lhe mostrando a professora que a chamava instantes antes.

A garota loira encarara o caderno à sua frente, sequer havia aberto o livro, não fazia a menor ideia de qual texto a professora se referia. Laura, ao seu lado, lhe passara o livro que tinha em mãos apontando para o parágrafo que a professora mencionara. Lori apanhara e retribuíra com um sorriso sem jeito, então, levantara-se com o livro em mãos e lera o trecho em inglês e logo em seguida lera novamente, dessa vez traduzido. Para sua sorte, Ashley e ela adoravam aquela matéria e estavam sempre dez passos à frente da professora. Traduções de textos simples dos livros que estudavam não representavam qualquer desafio.

—Você tem talento para isso, Lori. Poderia ser tradutora ou mesmo intérprete no futuro se quisesse investir nessa área. Nota-se que não tem dificuldades com o idioma. Me preocupa vê-la distraída assim. Me recordo que ano passado seus trabalhos junto de Ash eram os melhores de toda a escola – comentara a professora – Parece que depois que Ashley saiu daqui para o Delphine, ela levou uma metade sua. Precisa aprender a se concentrar e trabalhar sem ela por perto, encontre uma nova parceira, alguém com quem se identifique e trabalhe bem. Não deixe esse talento se perder ou ser desperdiçado.

As palavras atingiram Lori no peito como flechas de aço. Devolvera o livro para a dona e se sentara sem dizer nada enquanto a professora voltava sua atenção para outro aluno. Realmente era aquilo que havia acontecido. Ashley partira e a deixara ali. Se antes as duas eram próximas, agora era quase impossível se imaginar longe da amiga. Ash era sua metade e ela se sentia incompleta sem a presença da mesma. Não seria fácil encontrar uma nova parceira, não havia ninguém que pudesse substituir a morena de olhos verdes que ela amava.

♥♥♥

Ashley havia acabado de sair de uma apresentação em um seminário. Apesar de ser bonita e sociável, além de ter talento para se apresentar, não gostava daqueles eventos. Mas naquele colégio toda semana, sem exceções, todas as salas faziam apresentações que eram assistidas por outras salas, por professores e convidados. Não tinha escolha, era parte do processo e como diziam, eles preparavam os alunos para o mercado de trabalho, para interagir e se expressar em público. Não dava para negar que estava aprendendo algo com isso.

Ela e outras duas meninas de sua sala de aula no Delphine’s Spencer, o colégio particular onde atualmente estudava, haviam acabado de palestrar para mais de duzentos alunos sobre a importância da Tecnologia da Informação na atualidade. Ela acreditava que todo mundo já estava careca de saber tudo aquilo, mas como futura Técnica em Informática, era importante que falasse sobre o assunto com segurança e seriedade.

Ao voltar para a sala, apanhara o celular na mochila e acendera a telinha olhando as horas. Ainda eram dez da manhã. Por regra, no Delphine’s nenhum aluno podia andar com celulares nem usá-los no horário de aulas. Aos flagrados quebrando a diretriz haviam punições que variavam de chamar os pais para uma conversa nada amistosa com o Conselheiro ou mesmo ganhar uma bela suspensão. Queria poder falar com Lori, mas sabia que teria de esperar.

—Hey, Ash – dissera uma menina loira com cabelos longos e lisos caindo pelas costas – Parabéns pela apresentação, vamos montar um time juntas na próxima vez. Anna e eu estamos pensando em sair essa tarde, ir ao shopping tomar um sorvete, quer vir com a gente?

A morena parara por um segundo admirando a amiga. A menina loira se chamava Elizabeth, tinha lindos olhos azuis e era mais alta que ela, devia ter quase um metro e oitenta. Era magra e suas medidas eram perfeitas para ser modelo, ainda mais com as roupas sociais que o Delphine’s determinava como uniforme.

O uniforme feminino do Delphine’s era composto por saia e blazer cor de chumbo com camisa branca por baixo. Os sapatos deviam ser sociais, mas ficava a gosto do aluno, desde que fosse de cor preta e engraxados diariamente. Além disso, não eram permitidos brincos, anéis e colares grandes demais, apenas joias discretas. Ashley odiava aquele estilo, sentia falta do velho jeans e tênis de caminhada que usava na antiga escola pública.

—Tenho planos essa tarde com uma amiga, mas fico agradecida pelo convite – respondera usando da gentileza que os professores do colégio viviam sugerindo aos alunos.

—Hum – pensara a loira – Se quiser pode trazer sua amiga, se ela não se incomodar, claro. É aquela garota do colégio onde você estudava, não é? A menina que você conhece desde que nasceu e que é sua melhor amiga. Você sempre fala nela, seria legal conhecê-la.

Ashley se sentira entre a cruz e a espada. Por trás das gentilezas e aparências, as meninas do colégio Delphine’s Spencer eram um bando de patricinhas que não sabiam pintar as próprias unhas direito. E naquela tarde ela pretendia ficar à sós com Lori para falarem sobre um assunto em particular que ela precisava organizar em detalhes. Tinha de pensar rápido em uma forma de se livrar de Elizabeth e Anna.

—Posso confirmar com ela antes? É que tínhamos algumas coisas para colocar em dia e não quero atrapalhar o passeio de vocês – respondera, esperando que com aquela resposta Lizzie entendesse que ela não estava interessada.

—Imagine, não irá atrapalhar em nada. Adoro a sua companhia e tenho certeza que iremos gostar da sua amiga também. Me chame no W******p, se quiser podemos marcar um lugar para nos encontrarmos. Diga que sim, querida. Sim?

Não ia ser fácil escapar, aquela garota era persuasiva. Aparentemente a única saída seria sair com elas. Ou pelo menos encontrá-las antes de fingir uma dor de barriga e fugir.

—Sim. Falo com ela e lhe dou um oi para confirmar às 13hs. Se rolar, marcamos um lugar por lá e nos encontrarmos, tudo bem assim para você? – respondera a contragosto.

Elizabeth batera palmas com as pontas dos dedos sem emitir nenhum ruído e sorrira para a morena, dizendo que avisaria Anna. Ash sorrira de volta, aproveitando a deixa para colocar o celular no bolso sem que ninguém percebesse.

Minutos depois, trancada em uma das repartições do banheiro, a garota teclava no aparelho em modo silencioso. Ainda faltava algumas horas para poder ligar e ouvir a voz de sua amada, mas precisava lembrá-la que ela estava em seus pensamentos a cada instante.

♥♥♥

Lori estava resolvendo uma equação de física quando sentira o celular vibrando abaixo da carteira. Por sorte, Jonas, o garoto que sentava à sua frente, era alto e forte e funcionava como uma parede entre ela e o professor. Apanhara o aparelho discretamente e o colocara sobre a carteira, clicando para conferir as mensagens.

Mensagem da mãe dizendo para ela passar no mercado.

Mensagem da biblioteca informando prazos de livros emprestados por ela.

Mensagem de um grupo de estudos combinando datas de preparação dos trabalhos.

Mensagem de Ash.

Ignorara as anteriores e esboçando um sorriso clicara na mensagem da namorada. Era bom saber que Ashley também estava pensando nela.

Ash para Lori.

10:25 am.

- Sentindo sua falta. Te ligo quando for para casa. O que acha de mudarmos os planos para essa tarde? Uma amiga daqui nos chamou para irmos ao shopping. Podemos escapar dela mais cedo e ficarmos juntas apenas nós duas. O que me diz? Te amo s2

Movera apenas o olhar para o professor que lia algo no livro enquanto os alunos resolviam os exercícios do quadro negro. Voltara a atenção para o celular e começara a teclar levemente sobre a telinha de touch screen.

Lori para Ash.

10:31 am.

- Por mim tudo bem. Vai ser interessante conhecer alguma menina da sua nova escola. Mal espero pela chance de ficar sozinha com você. Estou precisando de você, da sua companhia, do seu beijo, meu anjo. Também te amo s2 Se cuide, estou aqui pensando em você.

Clicara em enviar suspirando ao pensar no beijo de Ashley. Refletira melhor sobre as duas estudarem agora em escolas diferentes. Talvez fosse melhor assim. Se ainda estudassem juntas ela provavelmente acabaria dando alguma gafe que comprometeria o sigilo daquele namoro.

No dia seguinte ao primeiro beijo, Ash e Lori tinham conversado por horas. Após declararem uma para a outra que não se arrependiam do ocorrido e que sentiam a mesma paixão e atração, viera a questão da família e amigos sobre elas e sua atual condição. As duas vinham de famílias tipicamente conservadoras, com costumes religiosos e tradições.

Sabiam que se assumissem o que sentiam publicamente suas mães iriam à loucura e fariam de tudo para afastá-las. A mãe de Ashley era centrada e objetiva, mas era também sistemática e temperamental. Já sua mãe era do tipo que organizava festas de Natal, ceia com a família e provavelmente até a encaminharia para um psicólogo. Os pais das duas nem era preciso dizer, apoiariam o que suas mães decidissem.

A única forma de proteger aquele sentimento e deixar aquela nova relação entre elas fluir era mantendo sigilo de todos sobre o que acontecera. E vinha sendo assim pelos últimos meses. Encontros sigilosos, mensagens apaixonadas nos celulares que tinham senha e discrição sobre tudo. Não era fácil, nem um pouco.

Quando estamos apaixonados o dia parece menor, mais curto. É como se não houvesse tempo para cumprir todos os compromissos que temos e ainda estar com a pessoa amada. E é ainda pior quando se está distante, quando o contato é feito através de ligações e mensagens, quando os encontros precisam ser agendados, planejados e precisamos torcer para nada dar errado. Mas se realmente existe amor, as barreiras estão ali apenas para serem superadas e dar ao resultado um gostinho mais especial.

Ashley e Lorena sabiam que tinham um longo caminho pela frente até poderem ficar juntas realmente, oficialmente. Sabiam que haveria tempos difíceis, momentos turbulentos e desafios que só seriam capazes de ultrapassar juntas. Mas o mais importante era que elas sabiam que nenhuma das duas estava disposta a desistir. Qualquer empecilho era pequeno diante de todo o amor que sentiam uma pela outra.

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