Capítulo 2

Dia 465

O dia foi extremamente cansativo. Amanda que era apenas uma criança, estava acabada do esforço de tentar se divertir sozinha. Sabe-se lá porque, sua doença não evoluía como as das outras pessoas, o que fazia ela achar que poderia em algum sentido, ter poderes como os personagens que amava. Já a Ellen, sua mãe, achava que era porque o mundo estava doído mesmo. 

Ellen acreditava no que os cientistas diziam, tudo se tratava de alguma praga. E seja como fosse, a praga estava poupando a Amanda ou preparando algo pior. Independente do que fosse, talvez a prevenção poderia ajudar.

Deise, a amiga íntima da Ellen, levou a menina para o quarto. Como era de esperar, Deise tinha largadado tudo para ajudar a amiga, já que o pai da menina tinha sumido no mundo.

Deise, uma loira de quase quarenta anos, era uma mulher bela em todos os sentidos. Poderia ter todos os homens aos seus pés, mas nunca teve cabeça para essas coisas. Era o que chamavam de assexuada, ou mais precisamente de arromantica. Algo sem muita importância dada a sua finalidade no momento.

E no momento em questão, estava levando uma garotinha chateada para o quarto.

- Nunca sentiu desejo de ter filhos? - Amanda perguntou. 

- Sim. Mas tive outras atividades para me darem prazer na vida. Fazer filhos é tão chato...

- Tu nunca fez... sabe... Coisas?

- Tu não está muito nova para ter esse tipo de conversa?

- Qualé, Deise? É 2019.

- É? Mas sou da idade média. Então crianças não tem esse tipo de conversa.

Quando a Amanda estava deitando na cama, a mesma lamentou a falta da amiga. Ver a Deise era bom, mas saber que a amiga dela não estava ali... A mãe tinha a sorte de ter alguém por perto.

- Zoé está bem. - Deise disse como se tivesse lido a mente da menina.

- Claro que está. Ela é vida. Vida não acaba. - Deise sorriu ao ouvir isso. Amanda gostava de chamar a amiga de vida, pois esse era o significado do nome Zoé. Ou vida em grego. - Tipo, seria irônico a vida morrer ou virar um monstro sanguínario. 

- Zoé não vai ser um monstro e nem está morta. Tenha fé.

- Achava que não acreditava nessas coisas.

- Eu acredito nas pessoas.

- Mas crê em algo mais né? Essa serpente enroscada num tronco, que é a tua tatuagem, diz que sim.

- Bastão de Esculápio? É o símbolo da medicina e da cura.

- Eu sei.

- Claro que sabe. Agora é hora de crianças ir dormir.

Deise saiu do quarto não antes de dar um beijo no rosto da menina e receber um o muito obrigado por tudo.

- Deise! - Deise manteve a porta aberta ao ouvir a menina. - Samael e Azrael são as mesmas pessoas em algumas lendas. Já pensou nisso? Como pode satanás ser o principal anjo de Deus? 

- Talvez Deus seja um sádico?

- Ou talvez ele saiba algo que não sabemos.

- Boa noite, anjinho!

- Boa noite, serpente! Obrigada por me manter curada.

Deise não disse mais nada e fechou a porta. Amanda era só uma criança sonhadora em um mundo de caos. Pra Deise não havia um deus nos céus e nem anjos de luz na Terra. Tudo era sombrio e doente.

Se houvesse um Deus, com certeza era mal e arrogante.

Ela foi até a cozinha, onde a Ellen fazia as limpezas dos pratos e talheres usados. Por mais simples que tudo parecia ser, era sempre necessário limpeza e naquele mundo, limpeza era algo extremamente importante.

Deise estava assistindo a Ellen fazer a limpeza e se lembrou do passado. Mais precisamente em 2007, o ano em que a amiga conheceu o homem que faria sua vida num inferno, embora desse um anjo puro pra ela.

Era um dia de sol forte. Naquela época, as duas moravam no Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa e incrível. O que fazia o sotaque carioca das duas uma sensação na pequena cidade de Restinga Sêca na região central do Rio Grande do Sul.

Por que as duas foram para tão longe? Naquele dia, o motivo surgiu em dois olhos azuis e um corpo sarado e tatuado. A amiga infelizmente não era assexuada.

As duas trabalhavam para uma importante família carioca. A Deise como psicóloga particular ou quase uma babá e Ellen como a cozinheira da casa. 

O chefe da família era Victor Ferreira, um homem um tanto quanto popular entre os empregados, mas que secretamente era um crápula.

A esposa era uma mulher negra e extremamente linda. Denise, uma pessoa que na verdade era triste e sombria. E por fim a menina. Uma garota de 19 anos que não precisava de uma babá, mas por ter Asperger, tinha a Deise como psicóloga particular e disponível 24 horas por dia. Claro, a Débora, nome da menima, poderia ter acesso a psicólogos mais renomados, mas nenhum iria morar na casa dela e ser totalmente disponível. 

Uma família que no fim de tudo, era uma típica família de ricaços cariocas. Tinham de tudo e nada sentiam falta.

Naquele dia, o clima entre o casal não estava muito bom. Os empregados ouviam da cozinha, toda a discussão.

- Victor, vai deixar aquele homem entrar aqui? - Denise gritava sem se importar com nada.

- Quer que eu faça o quê? - Victor gritou na mesma medida.

- O que espera de alguém do teu nível social. Não deixe aquele ser repugnante entrar na nossa casa.

- Aquele ser repugnante está num nível muito superior ao meu. Se eu o enxotar agora, meu nível social decai tanto que vamos morar na sarjeta. Tu é uma mulher burra e idiota, mas não tão burra e idiota assim.

- Escuta aqui seu verme...

- Escuta você, e não aponta esse dedo pra mim...

As empregadas ouviram um som de choro como se a Denise estivesse sido agredida.

- A próxima vez que apontar esse dedo pra mim, será o teu último dia de vida.

- Acho que cheguei num momento ruim. - Uma voz masculina se ouviu. Nesse momento, Ellen que assim como todas as empregadas estavam em silêncio ouvindo a briga, se contorceu toda. Ela conhecia bem aquela voz e não gostava nem um pouco.

- Chegou não, Natanaél! Seja bem-vindo a minha humilde residência. - Um som de abraço se ouviu. Deise sabia pouco, mas o suficiente para entender que havia mais interesse que amizade naquele abraço apertado. - Quem é o rapaz?

- Paulo. Ele será o teu motorista e segurança particular. Nesse cara eu confio a minha própria vida. - Os dois riram como se fosse uma grande piada interna.

- Ellen, traga o café! - Victor gritou da sala. Ellen fez uma oração em silêncio e outras empregadas o sinal da cruz. Aquilo era para as mulheres da casa, o pior do momentos.

Ellen fechou os olhos e foi. Ao chegar na sala com uma bandeja com quatro xícaras mais café, viu quando o Natanaél olhou pra ela. O homem deu um sorriso diabólico. Estava sentado no sofá com as pernas na pequena mesa de vidro. Ellen soltou a bandeja na mesa e olhou para a patroa que devido as regras do nível social, não podia sair naquele momento. O rosto outrora negro e belo, estava com uma mancha vermelha. Mas mesmo assim, a mesma se mostrava forte. Seu semblante era de desafio, não de uma donzela em perigo, mas tudo devido ao nível. Por baixo daquela face, existia uma mulher que não aguentava mais.

Mas não teve muito tempo para lamentar pela patroa, pois num momento de guarda baixa, foi puxada para o colo de Natanaél pelo mesmo. Tudo foi muito rápido. Ouviu quando ele disse que queria se divertir um pouco e sentiu seu uniforme sendo rasgado. Ninguém faria nada para evitar o que aconteceria. Se Victor tinha medo de Natanaél, quem iria se opor? Foi quando Natanaél gritou de dor e pingos de sangue caíram sobre a Ellen. Mas não era o sangue dela. 

- Seu filho da... Eu ia conseguir um emprego pra ti.

Natanaél saiu de perto da Ellen e olhava com uma fúria assassina para o homem a sua frente. Ele apontava um revólver para o primeiro.

- Está me ameaçando?

- Estou. E se não parar com isso, eu vou te matar.

- Seu...

- Moça, aqui não é lugar certo para você. Se quer um lugar seguro, eu mostrarei. Não preciso desse maldito emprego mesmo.

Deise só tinha visto quando ouviu os gritos do Natanaél. Naquele momento foi correndo ver o que estava acontecendo. 

- O que está fazendo? - Ellen falou ao notar a amiga parada na porta. Deise saiu do transe e viu a outra enxugando as mãos num pano.

- Pensando no passado.

- Espero que só coisas boas.

- O que será que aconteceu com o Victor? 

- Está por aí. Um monstro que nem ele, não morre facilmente.

- Pobre Débora! A menina não merecia o que aconteceu.

- O mundo não merecia o que aconteceu. Mas aconteceu. Devemos seguir em frente, minha amiga. Vêm, tem pipocas...

- Adoro pipocas.

As duas foram para a pequena sala onde sentaram e começaram a comer a pipoca e contar histórias.

- Podemos ir nas Tunas. - Deise disse.

- E quem ainda vai nas Tunas? Tem nada lá. 

- Triste não? Um Balneário tão belo e agora tão abandonado...

- Esse mundo foi abandonado.

Quando a bacia de pipocas estava no fim, Ellen se pôs em pé num salto.

- O que está acontecendo? - Deise se levantou assustada também.

- Ouviu alguma coisa?

- Não. Não ouvi nada.

- Exatamente. Eu também não.

Deise girou a cabeça num momento de desespero e saiu correndo junto a amiga. Ao chegarem no quarto da Amanda, viram a janela aberta, uma cama vazia e um bilhete pedindo desculpas e dizendo que precisava ir atrás da amiga.

Longe dali, Amanda caminhava coberta com poucas roupas. Não precisava de muito já que era noite, mas a mochila tinha o suficiente para se preparar para o dia. Em sua mão, uma besta era vista. Uma pequena besta na verdade, algo que ela conseguiu para defesa própria. 

Estava caminhando com passadas firmes e fortes e sem medo nenhum. Ela sabia o que estava fazendo. 

Morava na localidade do Buraco Fundo e a Zoé na Lomba Alta, isso significava que precisava atravessar a cidade, já que ambas localidades ficavam em extremidades opostas. 

Problema número 1: a cidade tinha sido evacuada pelos que estavam ainda com saúde. Lá só tinha pessoas doentes em vários níveis diferentes. Ela nunca viu um zumbi como nos filmes, mas havia teorias sobre os tais, teoria que ela tinha medo.

Problema número 2: os animais. Tinha um número enorme de animais carnívoros pelo caminho. Se chegasse viva até a cidade, já seria uma vitória incrível.

Problema número 3: ela tinha se esquecido de levar comida. Quem foge e se esquece de levar comida? Amanda com certeza!

E tinha o pior de todos. O problema de número 4: estava sendo seguida. O som era de patas, o que demonstrava ser um animal ou vários. Amanda soltou um palavrão como resposta. Mal tinha chegado na rodovia, e já ia ser morta? Estava num azar terrível... 

Decidiu correr. Tinha a besta claro, mas isso não ajudaria com vários animais ao mesmo tempo. Burra! Era uma menina burra, essas palavras surgiam na sua mente enquanto sentia os animais cada vez mais perto. 

Quando caiu, tentou se levantar, mas viu as feras que estavam perseguindo ela.

- Mão-pelada? São umas malditas mão-pelada? Vou ser morta por isso?

Os bichos vinham com os dentes amostras, o da frente parecia o Rocket, personagem dos Guardiões da Galáxia, o que fez a Amanda dar um sorriso. Seria morta por um guaxinim herói. 

Ela pegou sua besta e atirou uma flecha. Rocket só ficou mais furioso.

- Eu não sou o Gavião Arqueiro, Rocket, pra tua sorte!

Rocket zumbi e seus familiares, também zumbis, estavam impacientes e com fome. Por isso atacaram naquele momento. Amanda fechou os olhos e esperou pela morte certa, mas não foi o que aconteceu. Quando abriu os olhos, viu um homem a sua frente. Ele vestia um casaco de couro e tinha uma espada na sua mão. As mão-peladas fechavam os olhos devido a claridade da espada.

- Esse tipo de arma rudimentar não fará efeito nenhum. - O homem falou para a Amanda sem tirar os olhos dos animais. - Deixe comigo agora.

Rudimentar? Ele não sabia que ninguém usa espadas hoje em dia e chama outras armas de rudimentares? Está certo que a espada lançava uma luz forte, mas o que aquele cara achava que era?

- Muito bem! Sinto que as vossas almas já estão desprendidas de vossos corpos, porém presas nessas carcaças. São almas que querem ser libertas. Mas como são guerreiros, só existe uma forma de um verdadeiro guerreiro morrer. Lutando.

O homem soltou a espada no chão que se apagou no mesmo momento. As mão-peladas entenderam a mensagem e atacaram o homem. Ele se defendeu de cada investida dos animais e jogava cada um longe. Era uma luta onde só o homem parecia vencer. Ele até saltava de árvore em árvore para fugir de eventuais ataques, mas voltava e apunhalava com as mãos os animais. No fim, matou todos.

Ele então pegou sua espada e estendeu a mão para a menina. Ela então percebeu que o mesmo era asiático. Fazia sentido o estilo Jackie Chan, pelo jeito. Mas isso não explicava a espada.

- Quem é você? 

- Teu anjo da guarda.

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