Meio Ano de Liberdade
Meio Ano de Liberdade
Por: Cleonara Dantas
01

– Lady Dorset, minha família é, de fato,  um exemplo de honra e respeito em toda Londres, jamais deixaríamos de cumprir a nossa parte do acordo, firmado a tanto tempo entre nossas casas. – disse a condessa de  Cumberland, após tomar mais um gole do seu chá favorito. – acontece que, como todo acordo, este também possui duas partes e, se a que lhe cabe, não for cumprida como se deve, me verei livre de qualquer obrigação com a sua família.

– Oh, Lady Cumberland, eu estou imensamente envergonhada pela situação, mas, não vamos agir por impulso. Sim? Minha filha está muito arrependida, chorou a noite inteira de tanto arrependimento. Isso nunca mais irá se repetir, não é Ivy?

O último lugar onde Ivy Sackville gostaria de estar nesse momento, era justamente este. Na sala de chá da condessa de Cumberland, tendo que pedir perdão por seu mau comportamento na noite anterior e tentar agir como uma dama exemplar, digna da aliança entre as duas casas e principalmente, digna do filho pomposo daquela mulher.

– Estou extremamente infeliz, condessa, muito mais do que poderia expressar em palavras.– declarou a jovem dama, sem nenhum excesso de empolgação, enquanto enrolava um cacho dos seus longos cabelos negros, entre os dedos.

A condessa de Cumberland, ergueu uma das sobrancelhas de forma altiva, enquanto encarava Ivy profundamente.

– É impressão minha, senhorita Sackville, ou houve um toque de ironia nas suas palavras e nenhum arrependimento expressivo? – perguntou estreitando levemente os olhos.

– Veja bem, eu não posso responder pelas suas impressões, querida condessa, apenas respondo por aquilo que sinto. Confesso que estou sinceramente arrependida, porém, o lorde Jhonson também mereceu o mal que lhe fiz. A senhora não faz ideia do que ele ousou me falar!

A condessa de Dorset, apenas revirou os olhos, diante do mal comportamento da filha. Já não sabia o que fazer com ela. Lady Cumberland, por outro lado, pareceu realmente surpresa com o comportamento ousado e inapropriado da jovem dama.

– Nada que um lorde lhe dissesse, poderia justificar o fato de que a senhorita jogou um copo de bebida em seu rosto, no meio de um salão de baile, diante de toda sociedade, principalmente, durante o 'meu' baile!

– Ivy! Cale-se agora! – Ordenou a condessa de Dorset, antes que a filha voltasse a dar qualquer uma de suas respostas atrevidas – Oh, querida lady Cumberland, somos amigas de longa data, não considere o que a Ivy fala, ela está apenas nervosa, mas, eu prometo que vou tomar sérias providências quanto ao seu comportamento. Se esse noivado for desfeito, minha menina vai ficar com a reputação de rejeitada, até mesmo a sua honra poderia ser questionada!

– Acontece, querida Lady Dorset, que nós também estamos falando do meu filho! O futuro conde de Cumberland. Casar com a sua "menina", pode não ser tão bom para a reputação dele. Uma futura condessa não pode se comportar da forma como a senhorita Ivy tem se comportado.

– O internato! É isso, eu vou m****r a Ivy para o internato, até o início do ano, quando o seu filho estará de volta na Inglaterra. Tenho certeza de que dessa vez ela vai aprender direitinho como se comportar, as regras são bem rígidas no Wycombe Abbey.

– O quê? Mamãe! – protestou Ivy, diante do que ela julgou ser um lapso de insanidade da mãe.

– Confesso que não estou inclinada a continuar com esse acordo, mas, independente disso, no seu lugar, eu também faria algo mais sério a respeito do comportamento desadequado desta jovem. Conversarei com o conde ainda hoje, e enviarei uma resposta. 

– Claro, Lady Cumberland, obrigada por nos receber mais uma vez, creio que já falamos tudo o que tínhamos que falar e não há nada mais que eu possa fazer, então, aguardarei sua resposta e partiremos agora mesmo.

Observando o olhar turvo de raiva da sua mãe e o desdém estampado na cara da condessa de Cumberland, Ivy reconheceu que talvez tivesse ido um pouco longe demais, porém, ao mesmo tempo lhe parecia tão errado ter que ouvir desaforos e sorrir, apenas pelo fato de que uma dama jamais se exalta em público. Era extremamente difícil para ela, conviver com o fato de que uma dama não deveria aprender a ler, dirigir a própria vida, atirar, ou qualquer outra coisa que os homens considerassem inadequadas para elas.

Enquanto a carruagem se afastava da mansão dos Cumberland, Ivy pensava em alguma forma de se desculpar com a condessa de Dorset. Casar realmente não estava em sua lista de sonhos, mas, também não estava em seus planos destruir um acordo tão antigo, com o qual já estava até acostumada. Pelo menos, naquele caso, sabia que o futuro marido era jovem e até já o tinha visto algumas vezes quando eram crianças. Se arruinasse esse acordo, ainda teria que casar, mas, dessa vez poderia ser com qualquer um, como sua pobre amiga Louise, que casou com um lorde com idade para ser seu avô.

– Mamãe, me perdoe. A condessa sempre me tira o controle com aquele olhar de superioridade! Eu não queria ser rude, mas o senhor Jhonson, de fato...

– Já chega, Ivy! Não acha que já causou o bastante por hoje? O que acha que a sociedade vai falar quando souber que foi descartada por um futuro conde? Vão especular sobre o motivo, vão questionar a sua honra, pode ser que nunca mais consiga outro casamento como esse!

– Acha que ela vai mesmo desistir? Mas o papai também é um conde, não sei porque ela se julga tão superior.

– Acontece, que você não é a herdeira do seu pai, é o seu irmão quem vai levar o título adiante, você é apenas a filha do conde. Para ser uma condessa, você precisa desse casamento e ela sabe muito bem disso. Mas, não importa qual seja a decisão final da Lady Cumberland, a minha já está tomada. Ainda essa semana você partirá para o internato de moças em Buckinghamshire.

Pelos céus!  Sua mãe não poderia estar falando sério. Um internato como aquele, significava uma prisão, onde não poderia controlar nenhum dos seus próprios passos.

– Mamãe, eu imploro que reconsidere, por favor, eu prometo que vou agir de forma recatada e elegante...

– Assunto encerrado, ivy. Agora se cale de uma vez, até mesmo a sua voz está me irritando hoje. Organize as suas coisas e prepare-se para partir ainda essa semana.

Nos dias que se seguiram, Ivy tentou de todas as formas tirar essa terrível ideia da cabeça de sua mãe, mas, até mesmo o conde estava apoiando a esposa dessa vez. E, se tinha alguma esperança de que os dois voltassem atrás, está se esvaiu por completo, quando uma missiva com o selo dos Cumberland chegou, cancelando o acordo de casamento que fora firmado a anos entre os condes.

– Eu não posso sucumbir a isto Lunna, seria como ver a minha vida se esvair aos poucos, é como se eu estivesse indo ao meu próprio enterro! – disse, à sua dama de companhia, enquanto caminhava desesperadamente de um lado para o outro, em seu quarto.

– Milady, não fale assim. Eu sinto muito que tudo isso esteja acontecendo, mas, o senhor Jhonson é um lorde respeitado, foi humilhante sair daquele baile completamente molhado de refresco de framboesa.

– Ele me desrespeitou! Me convidou para ir com ele ao jardim para provar nos meus lábios o sabor da framboesa e ainda ousou dizer que eu parecia muito mais doce do que o refresco do baile! Eu sou filha de um conde, Lunna, ele não poderia me tratar dessa maneira. Se ele queria provar framboesas, então lhe dei logo um banho com elas, foi bem merecido.

Lunna respirou fundo, realmente triste pela sua lady. Ela sempre fora forte e independente, teria a sua vida tomada por um internato e um casamento forçado.

– Infelizmente, milady, não é assim que as coisas funcionam. A senhorita é mais alegre e espontânea do que a maioria das moças, alguns homens tolos confundem as coisas e acham que já podem tomar certas liberdades. Não pode perder a cabeça todas as vezes.

– Não desejo ouvir sermões, já basta os da minha mãe. Na verdade, eu preciso muito um favor que somente você pode fazer por mim.

Lunna notou os olhos de Ivy recuperarem o brilho e temeu pelo que viria a seguir.

– Milady, está com cara de quem vai aprontar...

– Eu não posso passar os próximos seis meses em um internato e correr o risco de casar com o avô viúvo de alguma amiga quando voltar, Lunna. Sabe o vestido verde de veludo? Será seu. Não me trouxe sorte no baile dos Cumberland, mas, precisa me ajudar, por favor.

– Eu nem teria onde usar um vestido como esse, minha lady, no entanto, vou ajudá-la, porque também sou sua amiga, e principalmente porque também acho o lorde Jhonson odioso, ele realmente teve o que mereceu– disse com um sorriso cúmplice nos lábios, nunca conseguia dar um sermão de verdade em Ivy, não apenas por ela ser sua lady, mas, pelo fato de que ela sempre parecia ter razão. Era difícil ser uma mulher em um mundo tão favorável aos homens.

Naquele mesmo dia, no final da tarde, a jovem serva adentrava as vielas de East End, onde uma dama respeitável jamais ousaria ir sozinha, mas, ela era apenas mais uma serva andando pelo lugar. Passou praticamente despercebida pelas ruas aglomeradas. A carruagem alugada parou de frente ao endereço que fora indicado, a jovem ruiva desceu, trajada em seu pior vestido, para evitar chamar mais atenção. 

O prédio diante dela, era uma espécie de teatro, um tanto decadente. A pintura era velha e descascava em algumas partes, haviam cartazes sem vida, colados pelas paredes, anunciando os próximos espetáculos.

– Aguarde aqui, voltarei logo.– disse ao motorista da carruagem, antes de entrar no local.

O ambiente interior era pouco iluminado e tinha uma espécie de balcão, mas, não havia ninguém para atender. Algumas vozes podiam ser ouvidas, vindas de um largo corredor, foi exatamente por ali que ela seguiu. Conforme ia se aproximando, as vozes ficaram mais altas e dramáticas. No final daquele corredor escuro, Lunna se deparou com um palco pequeno, onde os artistas ensaiavam alguma peça. Todas as cadeiras estavam vazias e pelo que pôde observar do ambiente, aquele não era o tipo de teatro que lotaria para o espetáculo durante a noite. Quando sua presença foi finalmente notada, o homem que comandava o ensaio se aproximou.

– Não estamos recebendo mais ninguém, infelizmente.– falou com voz de desdém, a olhando dos pés a cabeça.

– Eu não vim procurar um emprego, senhor. Estou procurando uma pessoa, a senhorita Vivienne Hamlets.

– E o que deseja com a senhorita Hamlets?

– Este é um assunto particular, senhor. Só peço que diga a senhorita Hamlets que a estou aguardando, por gentileza.

– Hum, está bem. – resmungou o homem, que não parecia exatamente feliz com a sua presença.– Venha comigo, senhorita...

– Gail, Alana Gail.– mentiu Lunna.

– Prazer, senhorita Gail, sou Adan Fing, o dono deste teatro e diretor principal também. – disse orgulhoso.

"Está explicado." Pensou Lunna, enquanto caminhavam.

Os dois se dirigiram a um pequeno escritório que ficava por trás do palco e em poucos instantes uma linda mulher acompanhou o senhor Fing até lá. Nada nela combinava com aquele lugar, seu aspecto foi, na verdade, a primeira coisa que surpreendeu Lunna positivamente, desde que saiu da mansão dos Dorset. Seus cabelos escuros, contrastavam com a sua pele clara, assim como com os seus olhos muito azuis.

– Obrigada por vir, senhorita Hamlets. Eu sou Alana Gail– Lunna não pretendia mentir para vivienne, mas o dono do teatro ainda não havia se afastado.

– Imagina, não é todo dia que eu recebo visitas aqui. É um prazer conhecê-la. Posso perguntar a que devo a honra?

– Podemos nos falar em particular?

– Com licença, eu vou voltar para o ensaio.– disse o senhor Fing, com cara de poucos amigos, parecendo finalmente perceber que estava sendo inconveniente ali. – Se precisar de alguma coisa, me chame senhorita Hamlets.

– Agora mate minha curiosidade, senhorita Gail. O que deseja?– Perguntou a jovem, assim que antipático diretor se afastou.

– Eu tenho, na verdade, uma proposta para senhorita. É da senhorita Sackville.

– Ivy? Ora, que surpresa! E o que ela precisa de mim?

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >
capítulo anteriorpróximo capítulo

Capítulos relacionados

Último capítulo