O inseguro e o gelo da timidez

Acordei aquela terça. Acordei sem motivação. Estava novamente com roupas que não me recordava ter vestido. As tirei e coloquei em cima da máquina de lavar, eu não sabia muito bem onde ele guardava suas roupas, então as deixava lá e quando a moça ia fazer a faxina ela as lavava, as passava e as deixava na lavanderia da casa. Eu dizia que era do cara que dividia o apê comigo e que ele não gostava muito de mexessem nas coisas dele, então ela só fazia o necessário.

Tomei banho, vesti roupas diferenciadas, aquele dia coloquei um pulôver azul-escuro por cima de uma camisa social branca e listrada, era pra ficar mais apresentável na reunião vocacionaria. Bem, eu era um professor, não precisava ir desleixado como ia pra escola todos os dias.

Comi alguma coisa com ovos e queijo, um café forte e grosso e antes de eu terminar o meu cigarro após o café, a campainha tocou. Era Miguel.

Isso vai te matar — Ele disse se referindo ao cigarro.

Vamos?— Perguntei enquanto pegava minha maleta.

Miguel iria me levar para a universidade, era o maldito dia do W.O.W (word of work), ou melhor, mundo do trabalho.

Eu estava pouco empolgado, todo ano era a mesma coisa, todo ano eu ficava lá quieto e todas as perguntas eram direcionadas aos médicos e advogados. Ninguém nunca se interessava por escritores fudidos ou literatura. Então eu só ia mesmo para marcar presença e para que não fosse descontado na minha folha de pagamento.

Subi na moto dele, e como era perto de onde ele trabalhava, ele me deixou lá.

A recepção calorosa da assistente da agência, me deixou de pau duro. Cabelos castanhos avermelhados presos, ela era magra, lábios carnudos, usava um batom de tonalidade suave e trajava uma camisa social por dentro de uma saia de algodão que ia até abaixo do joelho, cuja linha da bunda a deixava mais gostosa, no entanto, seus peitos eram pequenos, uma tábua pra ser mais específico.

Seja muito bem-vindo professor Rodrigues — Ela disse — A sua cadeira é a segunda da esquerda pra direita, tem seu nome lá.

Era no Auditório, um grande palco para um enorme público, todo adolescente que ainda estava na dúvida de qual curso fazer na faculdade se concentrava ali, para encontrar em nós

profissionais da área – uma inspiração. Puff! Acho que serei só um enfeite. Pensei!

Minha cadeira era ao lado de um policial, cumprimento o soldado uniformizado e me sento ao lado dele.

Policiais também eram os mais entrevistados, engraçado, pra ser um soldado policial não era necessário entrar na faculdade, mas os burros e ingênuos estudantes, por algum motivo direcionavam suas dúvidas para eles.

Faltava ainda mais cinco cadeiras a serem preenchidas, todo ano só começava a reunião após todos os profissionais escolhidos estivessem em seus devidos lugares, mas aquele foi diferente.

Se passaram quase dez minutos, não me lembro bem, só restava uma cadeira para ser preenchida. Mesmo assim, a diretora da agência não esperou mais e abriu o evento, deu bem-vindo a todos e começou explicar como aquilo funcionava para os jovens. Engraçado, se me recordo, foram as mesmas palavras que ela havia dito no ano passado, era uma coisa ensaiada, eu podia até ditar a próxima frase que ela pronunciaria.

No meio do discurso, uma moça jovem de aparentemente vinte e poucos, que trajava um vestido conservador rosé com flores vermelhas estampadas tanto na bainha da saia que ia alguns centímetros acima do joelho, quanto na barriga, cujo os demais detalhes eram cobertos de bolinhas brancas tanto no resto do vestido quanto na alça, que ora poderia ser considerado com uma manga, ora como realmente uma alça – não tinha o tamanho que caracterizava as duas – era o único lugar que tinha um toque de costura mais complexo, ela deu a volta pelo auditório e se aproximava.

Interessante, aquele vestido foi capaz de me dizer quase tudo que eu precisava saber sobre ela. Pois transmitia uma serenidade e equilíbrio, junto com a meiga aparência dela, que tinha uma pele muito branca, sem nenhuma marca, nem de uma reles espinha que provavelmente ela teve na adolescência, ela usava pouca maquiagem, mas um batom bem chamativo que não combinava de forma alguma com o resto do look.

Tinha uns olhos castanhos, difíceis de distinguir, a cor ora parecia com o castanho de uma figueira, ora algo mais claro como o tom da flor-de-inverno. Estes que estavam atrás de um óculos de lentes flutuantes. Seus cabelos eram loiros claros ardentes, bastante lisos, longos e sedosos, seu rosto tinha um formato elíptico.

A garota tinha uma forma insegura de andar ela era meio desengonçada. Caminhou até o outro lado do palco, subiu as escadas e se sentou na cadeira que estava separada para o/a engenheiro civil. Reparei bastante nos peitos dela, eram durinhos e bonitos, nem tão grandes e nem tão pequenos. Na verdade, o decote dela estava perfeito.

Após a diretora da agência abrir o evento, e após dizer palavras motivacionais e de apoio que pra ela seria uma espécie de inspiração, mas que não passava de merdas ditas duma forma elegante, ela abriu o público para fazerem perguntas.

Como esperado, a primeira pergunta foi para o médico, um senhor que só estava a alma ali, ele era magro, muito magro, a sua clavícula estava saltando para fora da pele, seus olhos azuis estavam fundos, ele parecia um zumbi. Apesar da sua aparência cadavérica, as cinco perguntas seguidas foram para ele, depois as outras cinco foram para o advogado, um sujeitinho irritante, de paletó e uma gravata lavanda ridícula, barba cheia e pigmentada. Assim como o médico, o causídico levantou muita curiosidade. Ambos foram bem aclamados. As perguntas seguintes não foram concentradas em um único profissional, foram aleatórias.

Então um dos alunos ali presentes se levantou e direcionou a sua dúvida para a engenheira.

Meu nome é Igor, sou da adventista, e gostaria de saber a diferença entre arquiteto e engenheiro civil. — Ele disse — É a minha dúvida, pois pretendo seguir uma das carreiras.

Engraçado! Pensei. Havia um arquiteto lá, mas ele direcionou a pergunta a única mulher que estava na banca.

A moça abaixou o microfone que estava em sua frente, microfones que estavam em frente a todos ali presentes, mas não conseguia regular a altura e nem o ângulo para ficar ideal para ela conversar, então um dos assistentes foi até ela e o consertou.

As suas acanhadas e brancas mãos estavam trêmulas e quando começou a falar, demonstrou estar envergonhada e nervosa, a sua pele passou de um branco translúcido para um tom de rosa profundo.

Bem, bem… o arquiteto, o arquiteto… — Ela estava gaguejando— O arquiteto ele… ele… participa mais com o… com o… planejamento. — Sua voz era baixa, tiveram que aumentar o volume do microfone para que todos pudessem entender.

Enquanto ela falava, eu abri a minha agenda e comecei a desenhar ela com aquele mesmo vestido, mas sem calcinha e com as pernas abertas. Detalhei bem a buceta dela.

Ela respirou fundo e continuou a dizer.

Já… já… o engenheiro participa mais integralmente nas obras. — Ela respirou fundo, e parou de falar.

O Auditório ficou em silêncio nos segundos posteriores. Diferente dos outros profissionais ela não foi muito bem aclamada, as palmas foram dispersas e fracas. No entanto, ela se relaxou aliviada por ter conseguido discursar, apesar de sua oratória ter sido extremamente ridícula.

Já no fim das perguntas, ou melhor, quando pensávamos que ninguém mais ia perguntar, um rapaz franzino de cabelos ondulados, branco de pele escura e que usava óculos, se levantou e ergueu a voz, havia uma certa confiança nas suas palavras. Palavras que foram estranhamente direcionadas a mim.

Eu sou do Frei Antônio e minha dúvida vai para o professor Rodrigues — Ele disse — Não é necessariamente sobre ser professor, mas sim sobre como escrever e me tornar um escritor tão bom quanto ao senhor, eu amei o seu romance.

Me assustei, foi um evento inédito desde que eu comecei a participar do Wow. Nunca ninguém havia me feito uma pergunta, muito menos acerca do romance que eu havia escrito. Romance o qual era inadequado para a faixa etária dele.

Você leu o meu romance, garoto? — Perguntei.

Sim!

O que você achou?

Bem, acredito que o melhor para Ana deveria ter sido ficar com o grande amor dela. Era um amor verdadeiro, ele amava ela e ela amava ele. O casal foi injustiçado.

Eu dei um sorriso de canto, eu também achava aquilo. Mas não queria que o casal citado no livro deixassem as vidas que eles construíram serem afetadas apenas porque eles se reencontraram após muito tempo. Ora, a personagem havia superado e ela já estava casada.

Olha garoto, escrever deve ser um ato de espontaneidade. — Eu disse — Você deve levar todos os seus sentimentos, toda a sua emoção para o centro do seu coração e deixá-las explodir como uma bomba nuclear. Escrever envolve estar diretamente ligado as emoções.

Eu tinha razão, de uma forma ou de outra eu estava fazendo uma alegoria a mim. Eu não me lembrava bem do que me levou a escrever aquele livro, ou as emoções que eu estava tendo ao escrevê-lo. Só sabia que aquele sentimento se foi há muito tempo, eu estava esgotado emocionalmente e não sabia por quê. Era foda! Minha mente estava sob um caos profundo, eu pouco sabia, pouco me importava, pouco me lembrava de uma época que tudo parecia perfeito. Eu nem sabia qual era o motivo.

Pela primeira vez fui aplaudido. Olhei para o outro lado e vi a engenheira me aplaudindo, ela sorriu pra mim. Aquilo foi interessante, não consegui manter o contato visual, como sempre. Fiquei vermelho e pensava "Porra, porra, ela me aplaudiu. Cacete! Ela me aplaudiu". Aquele sorriso me deu uma puta de uma ereção, mas o sangue não vibrou só no meu pau não, ele ferveu também dentro do meu coração. Sorriso mágico! Talvez isso pudesse definir.

No fim, teve um café para os profissionais, não comi nada daquelas diversas comidas ali presentes. Apenas coloquei um pouco de café num copo descartável e fiquei num ponto isolado da sala, eu estava louco para ir embora.

Do outro lado vi a engenheira loira, também isolada, ela também segurava apenas um café.

Pensei em atravessar o lugar para ir conversar com ela, e decidi. Caminhei um pouco e quando cheguei no meio da sala, o advogado se aproximou dela e ambos começaram a conversar, fui desestimulado no ato da minha impulsividade.

O que Ulisses faria?” pensei. Mas logo retornei para o meu canto solitário e fiquei ali. Meu primo sempre me dizia: Théo você anda inseguro demais. E parece que ele estava certo, bem que eu poderia ter ido e falado com ela, mesmo com aquele idiota sem pau ao seu lado, mas olhei no relógio do meu pulso e o horário obrigatório para que eu continuasse lá, já havia passado. Então disse:

Que se foda essa loira encafifada.

Caminhei até o terminal de pé, minha mente trabalhava mais quando eu andava, e fui pensando durante o caminho todo, fiquei imaginando ela, flashs dos peitos dela enquanto ela falava ficaram vindo na minha mente, toda aquela timidez e vergonha foram motivos para que eu ficasse aficionado.

Ela era dona de uma beleza encantadora. Ora caralho, aquela mulher não nasceu para dar palestras. Acho que nem nasceu para falar, mas, por outro lado, ela deveria ser muito boa em cálculo e com certeza, deveria ser muito bom trepar com ela. Ela deveria ter uma buceta bem apertada. Foram algumas das coisas que eu pensei durante o percurso.

Eu poderia ter voltado e conversado com a diretora da agência, perguntar sobre ela, onde ela trabalhava, de onde ela era, se ela tinha algum homem. Mas a minha insegurança falou mais alto, então continuei a andar.

Cheguei em casa, peguei um pouco do uísque que Ulisses gostava, e que era caríssimo e comecei a beber. Me sentei em frente ao computador e pela primeira vez em dois anos comecei a escrever. As palavras vinham em minha mente, junto com as imagens do sorriso daquela garota misturado com o conselho que eu dei pro garoto.

Por fim, acabei escrevendo um poema de doze estrofes. Metade da garrafa do turfado do Ulisses havia ido embora, o cinzeiro estava cheio até o talo de bitucas.

Era fim da tarde, tomei meu calmante e peguei no sono. Ulisses tinha trabalho a fazer aquela noite, então eu precisava dormir cedo.

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