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O velório arrastou-se por toda a noite:  melancólico, patético, triste... é claro que velório sempre é angustiante, principalmente para a família e os mais próximos, um ritual que não evoluiu através do tempo e mantém a tradição do temor da morte.

 Já amanhecia o dia e o enterro estava marcado para as nove horas. Sobre o catafalco repousava o esquife onde o corpo encontrava-se aguardando o sepultamento. Dona Margarida, a viúva inconsolável, meu irmão Junior e eu recebíamos os pêsames em um canto do salão, olhos vermelhos... rostos pálidos... Amélia, esposa de Junior e o resto do séquito familiar também faziam parte do roteiro das condolências; cada um dos que chegavam passava pelo féretro e dirigiam-se à fila para dizer as palavras de praxe tentando transmitir consolo à família.

Lembro-me que saí daquela “formação oficial” e aproximei-me do caixão; fiquei parado olhando para os restos dele, com chumaços de algodão embebido em formol enfiado nas narinas e o palor cinéreo da morte estampado no rosto. O corpo estava vestido em um terno escuro e recoberto por flores odoríficas para prevenir qualquer exalação inconveniente. 

Apertei os olhos e murmurei baixinho:

— Perdoa pai, se não fui o filho que você esperava!

Chorei um tanto compulsivamente, mais por nervosismo do que por sentimento; as lagrimas desceram rápidas pelos meus olhos... saí depressa da capela que àquela hora já se encontrava bastante concorrida e embarafustei-me pelo “campo santo” ziguezagueando através dos caminhos estreitos entre os jazigos.

O sol da manhã já vinha esquentando o dia! Parei embaixo de uma árvore bem copada aproveitando a sombra que se espalhava, desfrutando a suave brisa corrente e serena; como não havia banco, sentei-me sobre uma das sepulturas e deixei-me ficar imerso em cismas e recordações.

A figura de meu pai preenchia-me a mente; recordei-me da infância, da adolescência meio conturbada pelos “grilos” existenciais que chegavam como ondas tomando-me a mente de assalto; a idade adulta também não me agradava nem um pouquinho! A época da faculdade... as tentativas frustradas de emprego... tudo vinha à tona em sequências fugidias.

Agora, sentado em uma campa desconhecida, eu meditava na inutilidade de minha vida e sentia remorsos por não ter ido ajudar o “velho” fazendo-lhe a vontade, mas a fábrica tornara-se para mim, um monstro! As inúmeras noites que velei com medo de que me obrigassem a trabalhar lá... ah, noites fantasmagóricas, de carências!... Confesso que tudo isso influiu muito em meu temperamento recalcando-me vários sentimentos bem fundo, na alma.

Por todos esses motivos sentia que precisava tomar uma decisão drástica e deixar, definitivamente, a “barra-da-saia” da minha mãe, a protetora da parte mais fraca e sensível da família.

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