Capítulo 1 - Evidências (parte 1)

Ano de 2.020 Sydney – Austrália

“A nostalgia é algo que achamos que está embaçado, mas é dor.

Dor sobre o passado.” Peter Carey

Penélope Sanchez  

Olhar para o teto frio e cinza não é exatamente o que me faria feliz neste momento, mas sim ver as estrelas perdidas na imensidão do céu ou, ainda, contemplar a lua prateada. Estes dias estão sendo difíceis e, por mais que eu seja vista como a louca que ama sorrir e que adora um flerte, ao colocar minha cabeça no travesseiro, só eu sei na real o que se passa em minha turbulenta mente. Hoje completa mais um dia de reclusão no Complexo Correcional Klark Jackman[1] em Sydney na Austrália. Noventa dias encarcerada e sem previsão de saída.

Eu levava uma vida maravilhosa regada a festas noturnas com bebida de qualidade, homens lindos e muito sexo. Durante o dia, eu trabalhava vendendo armas e drogas.

Sou brasileira, filha de um gangster espanhol que tive o prazer de conviver por poucos anos. Meu amado pai era lindo, de um coração enorme e muito bandido, inclusive minha mãe sempre disse que eu havia herdado mais dele do que ela queria. Infelizmente ele foi morto logo que retornou à Espanha.

Moro em Sydney há uns dezesseis anos e considero-me australiana nata. Amo de paixão este país. Pena que nem tudo são flores. Em um belo dia, acordei com meu celular vibrando horrores, atendi ainda sonolenta, era um chefe da Máfia Vermelha[2], ele estava precisando de quarenta fuzis e eu não poderia perder uma grana dessas por nada. Levantei rapidamente, tomei banho, fiz uma maquiagem matadora — eu sempre abusava da maquiagem todas as vezes que ia fazer entrega. Fiz cachos em meus longos cabelos loiros, calcei meus saltos 18cm, acomodei as armas na caçamba da hilux, olhei para o retrovisor, dei um risinho malicioso e disse a mim mesma “É hoje que sua conta bancária vai subir, Pennie”. Aumentei o volume do som e comecei a cantarolar a música “bad guy” junto de Billie Eilish, uma das minhas cantoras favoritas depois, claro, da eterna Amy Winehouse. O que eu não sabia era que estava indo para a toca como um coelho inocente. Tudo não passava de uma casinha para me pegar. Em vez do chefe da máfia, quem me esperava era a polícia e, desta vez, não havia como fugir. Deram ordem de parada e meu coração deu um salto. Respirei fundo e disse a mim mesma “calma, logo eles liberam”.

— Desça já do carro, senhorita! — bradou um policial alto e muito bonito por sinal. Eles eram cinco até chegar a segunda viatura com mais cinco, totalizando dez homens.

Desci do carro e eles me olharam de cima a baixo, juro que vi um deles morder o lábio inferior e isso me excitava, eu amava a reação que causava nos homens.

— Uau! Quanto aussie[3] lindo aqui! — eu disse com a voz mais safada que saiu. Sempre conseguia tudo aquilo que queria quando o assunto era homens.

Eles ficaram com os rostos inexpressivos, engoli em seco e ergui as sobrancelhas quando um outro policial se aproximou e pediu para ver os meus documentos. Eu disse que estavam em minha bolsa e, por incrível que pa reça, deixaram-me ir pegá-la. Caminhei até lá sedutoramente, o que me era natural, virei para trás umas duas vezes e todos eles, estavam com os olhos bem na minha bunda que não é das maiores, mas é empinada e durinha. Escancarei a porta da hilux, peguei a bolsa e comecei a abri-la cautelosamente.

— Podem começar a revistar todo o carro — ao ouvir isso, vi que estava perdida.

— Mas não podem revistar o meu carro sem motivos, estou indo a uma reunião de negócios — disse praticamente cuspindo as palavras e entregando todo o meu nervosismo.

Eles apenas me olharam com duras e frias expressões e iniciaram a revista abrindo todos os compartimentos existentes da minha linda hilux vermelha. Neste momento, meu coração não só batia forte, ele tremelicava de medo e, acho que essa foi uma das poucas vezes em que senti medo nesta vida. Meu mundo caiu quando abriram a porta da caçamba. Num súbito instante, peguei a arma que estava em minha bolsa e comecei a atirar contra os policiais sem sucesso, pois logo me renderam e o grandalhão deu voz de prisão. Remexi-me freneticamente nos braços largos do que me segurava só que ele era mais forte. Lá se foram os meus dólares e, o pior de tudo:  a minha liberdade.

Andie Cooler

Às vezes, o medo tomava conta de mim. Era tão forte que parecia que o meu sangue escaparia das veias sem que eu fosse capaz de fazer nada para detê-lo. Durante a noite, eu era nada menos do que Andie Cooler: a desgraçada que tivera a má sorte de estar no lugar errado e na hora errada. Onde estaria Brad agora? Era a pergunta que não calava em minha mente desde o dia em que o meu mundo se desmoronou por completo. O pior de tudo é que sempre tivemos um relacionamento incrível. Éramos muito mais do que simples irmãos, eu o sentia como parte da minha alma. O sentimento de traição maltrata profundamente o meu coração, mas sou tão boba e ingênua que o perdoaria só para poder abraça-lo outra vez e sentir o seu coração batendo junto ao meu. Mesmo estando presa pelos erros dele, não consigo sentir absolutamente nada além de pena e muita saudade.

Todas as noites, banho meu travesseiro de lágrimas e tenho pesadelos frequentes. Mamãe nos criou sozinha, passando por humilhações nas casas dos ricos. Ela carregava grande tristeza no olhar, mas sempre que chegava a casa no fim do dia e nos via, um largo sorriso se formava em seus finos lábios. Ela foi uma mulher incrível e mesmo que meu pai tenha sido perverso a vida toda, ela jamais perdeu a fé. Lutou até nos ver crescidos e fortes. Quando Deus a levou, os dias se tornaram cinzas demais. Daquele dia em diante, Brad seria responsabilidade minha, mesmo eu tendo apenas dezesseis anos. Comecei a trabalhar na mesma casa que minha mãe serviu a vida inteira e pude sentir na pele cada dor que ela sentiu ao ser maltratada por todos da família Wilson. Senti o maior medo da minha vida quando o Sr. Wilson me chamou ao escritório e ofereceu dinheiro em troca do meu corpo, ele tocou minhas pernas e disse que queria muito tirar minha virgindade. Dei-lhe um tapa certeiro na face e sai correndo, chorando como uma louca e prometendo a mim mesma que jamais voltaria àquela casa.

Logo consegui um emprego de garçonete numa lanchonete perto de casa.  Eu achava que era o melhor trabalho até o meu patrão ter a mesma atitude do outro patife e me propor a mesma coisa, inclusive, ele chegou a me agarrar com força e a roçar a barba nojenta em meu pescoço até eu gritar e me soltar. Eu estava num beco sem saída, então, comecei a fazer bolos e pães para vender. No início, não saíam tão gostosos, mas, com o tempo, fidelizei uma clientela e tinha serviço o dia todo. Brad foi crescendo e fazendo amizades nada saudáveis. Eu conversava diariamente com ele, mas, na maioria das vezes, eu adormecia sem terminar de falar tudo aquilo o que queria, o cansaço era mais forte do que o meu corpo franzino.

O tempo foi passando e eu decidi que não me envolveria com homem algum até ver Brad formado. Aos poucos, os meus pretendentes, e que alguns eram clientes mesmo, foram se afastando e eu suspirava aliviada.

Não me esqueço da terça-feira em que Brad estava ouriçado demais caminhando de um lado para o outro da sala e roendo as unhas até ver o sangue brotar nas pontas dos dedos. Perguntei o que estava acontecendo e ele apenas disse que estava preocupado com o boletim da escola. Preparei um chá de camomila e ele tomou todo o conteúdo com as mãos trêmulas. Em seguida, deitou-se e eu voltei aos meus afazeres. O interfone tocou, pedi a Brad que atendesse, mas ele permaneceu em silêncio. Então, o interfone tocou mais uma vez e continuadamente.

— Brad, atende o interfone, por favor! — falei mais alto que de costume e nada dele aparecer.

Deixei a massa que estava manuseando de lado e fui para a pia lavar as mãos enquanto murros frenéticos faltavam derrubar a porta de casa.

— Abra já a porta, é da polícia! — disse uma voz masculina grossa.

Abri a porta e o policial anunciou que possuia um mandado de busca e apreensão. Apenas assenti com a cabeça sem entender de fato o que estava acontecendo. Sete policiais entraram e começaram a fazer uma bagunça em meu apartamento e, minutos depois, vieram em minha direção carregando dez pacotes quadrados na cor marrom.

— A senhora está presa por tráfico de drogas — um deles bradou firmemente e logo me algemou.

Com lágrimas nos olhos, fui levada para o Complexo Correcional Klark Jackman e, depois daquele dia, nunca mais vi Brad.

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