3. Celeiro

Louisa andava ao lado de Chris, entrelaçando sua pequena mão na dele enquanto Zya andava um pouco atrás. A todo o momento, Zya via Lou olhando-o de soslaio, intrigada. Ele sentia o sol rascante fervendo a cidade e sabia que mais tarde iria se arrepender de ter andado tanto debaixo do sol.

Era estranho não ver quase ninguém nas ruas e ele se deu conta de que ainda era cedo, pouco mais de onze horas da manhã e todos estavam na escola ou trabalho, sem contar que a cidade já não deveria ter muitos habitantes. 

Os três andavam calados e Zya podia sentir a tensão neles. Jenna tinha razão; fechados demais para forasteiros, até mesmo eles dois que deveriam ter uma idade próxima à de Zya e que ele pensou serem mais receptivos. 

— O que costumam fazer aqui? — Perguntou Zya, tentando puxar conversa. 

— Bom, não tem nada para fazer em Sunfalls, na verdade. Mas fazemos o que podemos para não morrer de tédio. — Respondeu Louisa, sorrindo.

A voz dela lembrava Zya o timbre de um passarinho cantando: fina, bonita e delicada. 

— Eu imaginei que fosse assim mesmo.

— E o que o trouxe aqui? — Indagou Chris. 

— Sinceramente, não sei. Apenas parei na rodoviária mais próxima de onde eu morava, uma enorme cidade cinza e poluída e vim parar aqui. 

— Uau, parecia um ótimo lugar, não imagino por que você saiu de lá. — Disse Chris, sarcástico. 

— Também não imagino, mas para chegar a um lugar tão maravilhoso e acolhedor como Sunfalls, eu deixaria até Las Vegas. — Respondeu Zya no mesmo nível de sarcasmo. 

— Eu não sairia de uma cidade tão grande para vir a uma tão sem graça. — Disse Lou, olhando para o céu azul sem nuvens.

— Lá chovia muito, eu sentia que estava mofando com tanta umidade. 

— Ah, Zya, não podia ser tão ruim assim, vai. 

— E não era, Louisa. Mas eu tive motivos sérios para ir embora.

— E você tinha uma namorada? — Perguntou ela repentinamente, entre risinhos. 

— Tanta coisa para perguntar a ele e você pergunta isso. — Disse Chris, revirando os olhos. 

“Caipiras...” pensou Zya. 

Zya riu tímido. Como falar para uma menina tão doce sobre o tipo de “namoradas” que tinha? Sentia-se sujo ao pensar nas noites que passava fora de casa com garotas que ele sequer sabia o nome em camas que ele sabia que jamais iria se deitar novamente. Pensava nas bebedeiras sem fim, nos montes de maços de cigarros da pior espécie que fumava em apenas um dia, boates e todo o tipo de atos “impuros” que poderia cometer. Brigas, supercílios cortados por causa de socos nos olhos, dias tentando respirar normalmente após chutes nas costelas e até mesmo um alargador arrancado de sua orelha. Pensava em seu agente da condicional, que desistira dele nos primeiros dias e o deixou livre para fazer tudo errado outra vez. 

— Não, não tinha namorada lá. 

— Você parece que já esteve na cadeia. Já foi preso alguma vez, Zya? — Perguntou Chris.

Chris começava a realmente irritar Zya com perguntas idiotas e sarcasmo desnecessário. O que ele estava pensando? Que Zya iria roubar o cargo de Macho Alfa de Sunfalls dele? Zya respirou fundo e decidiu ser cretino uma última vez antes de calar a boca. 

— Já, sim. Matei um cara e, aliás, ele era muito parecido com você. Roubei a garota dele e ele não gostou, veio tirar satisfações e eu o enforquei com meu cinto de rebites. — Mentiu Zya, sorrindo docemente para Chris. 

— Chegamos! — Anunciou Lou. 

Louisa sentia o clima tenso entre eles, sem saber qual era o motivo para tanta hostilidade. Quando achou que Chris iria atacar o pobre Zya, chegaram à sua casa. 

A casa ficava no meio de uma pequena elevação do terreno, cercada por um tipo de murinho baixo de pedra e ligeiramente cinza por conta do sol e do calor. Era uma casa bastante grande de dois andares. Tinha uma varanda com alicerces finos de madeira pintados de branco, um banco grande e igualmente branco de cada lado da porta e algumas plantas em vasos, dispostas por toda a varanda. A casa toda era pintada de branco, tinha um típico telhado de telhas vermelhas e uma chaminé na lateral dela, de pedras cinza e cimento. Era uma chaminé bem-feita e bonita, não como as que ele imaginaria que fossem, cheias de fendas e suja. O segundo andar tinha janelas muito compridas que quase tocavam o telhado da varanda. Atrás dela, cerca de vinte metros da casa, Zya viu o celeiro que Jenna alugaria para ele: de madeira bruta e clara com portas duplas enormes e escuras. Havia um espaço coberto ao lado do celeiro, onde um carro estava estacionado. Na parte de cima do celeiro havia uma janela grande que abria para fora. De longe, ele parecia estranho e medonho, mas Zya já ficara em lugares piores. 

— Vamos entrar, comer alguma coisa e então eu te mostro o celeiro. — Sugeriu Louisa, abrindo o portãozinho vermelho.

— Eu preferia que me levasse direto para ele, se não se importa. — Disse Zya, cansado.

— Ah, não! Eu preciso limpar lá antes.

— Lou, não precisa se incomodar. Eu mesmo posso limpar, não tem problema. 

— Mas...

— Tenho certeza de que ele pode se virar sozinho. — Disse Chris, grosseiro.

Chris entrou primeiro, afastando-se deles. Seus cabelos azuis cintilavam no sol enquanto ele andava rápido para dentro da casa, deixando-os para trás. O portão bateu com o movimento bruto de ter sido aberto grosseiramente e com força. Louisa olhou para Zya e revirou os olhos. 

— Ele só está com ciúmes, mas não se preocupe. Afinal, não há motivos para ele sentir isso. — Esclareceu ela. 

— Ele tem razão em ter ciúmes de uma namorada como você. 

Zya abriu o pequeno portão para que Louisa passasse, indicando com uma das mãos. 

— Oh, obrigada. 

Louisa fez uma mesura antiquada, brincando, e passou por ele. Zya entrou e fechou o portão pequeno atrás de si. Louisa o levou até o celeiro e destrancou o cadeado das portas, deixando aberto para que ventilasse. Dentro dele não havia muita coisa, apenas alguns materiais de agricultura e poucos fardos de feno que deveriam estar ali há muito tempo. Uma escada ao canto indicava o andar superior. Louisa andou para lá e Zya a seguiu, olhando-a subir cada degrau; o movimento de seu corpo pequeno e feminino o hipnotizava. Ao fim da escada havia uma porta do lado esquerdo, que Louisa abriu, entrando e deixando-a aberta para ele. 

Ali era como uma casa de um único grande cômodo com uma cama de casal ao lado da janela, no canto extremo ao que eles estavam. A cama tinha travesseiros demais e parecia ser bem macia, com alguns cobertores dobrados aos pés dela, como se naquela cidade fosse possível dormir com cobertores. Um criado mudo ao lado dela tinha três gavetas e um abajur amarelo simples. Do outro lado da janela, um guarda-roupas de madeira cinza de duas portas estava aberto para que não criasse mofo. Mais perto deles, do lado direito, uma mesa redonda e um pouco pequena indicava que ali era uma minúscula cozinha, com um fogão e uma pia além de um único armário de cozinha acima da pia. Zya viu, agradecido, um cômodo fechado – o banheiro – com a porta entreaberta. Lá dentro havia uma banheira de cobre e um chuveiro, que era tudo o que ele conseguia ver dali. No centro do cômodo um enorme tapete carmim estava esticado no chão. Louisa tinha citado o fato de limpar ali, mas o local era bem limpo. Provavelmente Jenna limpara havia pouco tempo. 

— Não precisa de limpeza. — Comentou Zya. 

— Eu não queria jogar você aqui e pronto, sem sequer dar uma varrida, mas tem razão; está limpo. E tem seu próprio banheiro.

Louisa sorria, mostrando um pouco dos dentes brancos. Ela colocou os cabelos atrás da orelha direita e baixou a cabeça ainda o olhando, atraindo a atenção de Zya com gestos tão fofos. 

— Isso é ótimo. Melhor do que eu esperava, na verdade. 

— É como uma casa, mas sem divisões. Pode mudar as coisas caso queira, menos a cozinha e o banheiro, lógico. Não tem como mudá-los, não é? — Disse Lou, rindo. 

Aos olhos de Zya, ela parecia ligeiramente nervosa diante dele. Louisa lembrava-o alguém havia muito esquecida, morta e enterrada. 

— Não está com calor com essa blusa tão fechada? 

— Estou ótimo, obrigado. — Respondeu Zya, seco, arrependendo-se disso imediatamente. 

— Vou deixar você aqui, cuidando das suas coisas está bem? Até mais tarde, Zya. — Ela falou, deixando as chaves nas mãos dele. 

— Até, Lou. — Disse Zya, com uma expressão maliciosa que logo tratou de desfazer. 

Louisa assentiu e saiu. Zya a ouviu descer as escadas correndo e fechar a porta. Ele suspirou e largou a mala aos pés da cama, deitando nela e percebendo o quanto estava cansado. Fugir era desgastante e ele esperava que em Sunfalls a sorte o sorri sse. 

E sorria, além de ter grandes olhos azuis. 

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